sábado, 24 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 22

O MUSEU ETNOGRÁFICO DO DUNDO
O Onofre, tinha acabado de completar vinte e três anos, como a maioria dos companheiros, pois haviam sido incorporados em mil novecentos e sessenta e um, ainda no século vinte, dentro do constante optimismo natural, contava com a auto estima de mesmo, sem qualquer protocolo ou mais valia pessoal, estar a desempenhar um cargo de certo modo importante no esquadrão.
Além das arrelias quase diárias, pelos problemas ocasionados, por nunca o comando, ter tomado em conta a necessidade de aprovisionar transportes, para as carnes ou peixes, os frescos de todos os dias, assunto que acabava naturalmente resolvido pela capacidade, porque não dizê-lo? - Profissional e de relações públicas, atributo do titular coordenador do rancho, mesmo tendo em conta o nunca ter havido a mais pequena reclamação, pelo tipo e quantidade de comida servida.
Dentro das instalações militares da Portugália, o edifício que servia de depósito de géneros, transformara-se num modelo de orientação e eficiência organizativa.
Tanto assim era, que recebida a visita do Tenente-Coronel António de Spínola comandante do Batalhão 345, voltou a haver dentro do aquartelamento, o recurso aquela área, para mostrar algo de digno ao visitante oficial militar superior.
Foi a segunda vez, que o Onofre pôde testemunhar ao visita ao esquadrão eventual 345, do seu mais alto comandante, com o grosso das tropas sob o seu comando, algures no Sul de Angola, tal como se encontrava no Cuanza Sul o comando do 350, de que o eventual estacionado na Portugália era oriundo. A visita podia considerar-se adequada, visto ser tudo tropa de cavalaria mobilizada pelo quartel de Estremoz.
Porém o comandante de Batalhão 350, nunca se dignou visitar o grupo de militares, que mandara constituir e embarcar para a Lunda.
No dia seis de Novembro, numa das habituais voltas de lazer á cidade dos diamantes, o Onofre esteve na Casa do Pessoal da Diamang a assistir ao filme "A Mulher Sem Freio", protagonizado por Brigitte Bardot.
A doze do mesmo mês, numa ronda efectuada por militares de cavalaria, sedeados na Portugália, foram descobertos e apanhados dois terroristas.
Entretanto um alferes do mesmo esquadrão, conjurou-se com várias praças e travaram um verdadeiro recontro na cidade, com militares de uma bateria da mesma zona do rio Luachimo. Conjugou-se talvez, a má sorte de ter havido um golpe de navalha, à boa maneira lusitana. O citado, deu-se como culpado e de seguida, mesmo sendo oficial, apanhou os tais dez dias de prisão, a pena máxima, que o Capitão comandante lhe podia aplicar. Em resultado, para cúmulo, acabou por ser transferido para a zona de guerra donde tinha vindo.
Talvez por ser oficial e ter sido o mentor da recuperação mecânica de algumas viaturas estacionadas, como se fossem destroços, veio a conhecer a vã glória de ter a sua despedida frente a uma formatura, diga-se espontânea, de todo o esquadrão, onde logicamente esteve ausente o comandante.
A mesma bateria defrontou-se, a vinte sete de Novembro, com o esquadrão em desafio de futebol, num dos campos do Dundo, o Onofre assistiu ao empate por 4 a 4, reparando que esta cavalaria, nada tinha de parecenças com a do Grande Esquadrão, que sempre ganhava, quando se apresentava.
Outras ocorrências iam sendo registadas no diário do Onofre, como a protagonizada pelo alferes miliciano Abranches que, sendo já advogado na vida civil, recebeu a missão de se deslocar, para ser o defensor oficioso no julgamento, em tribunal militar, do caso referente ai soldado do 297, ocorrido ainda no Tari Lifune e que se encontrava detido num presídio militar daquela cidade.
A momentosa rebelião daquele militar, encerrou cenas interessantes, se não se desse a sua prisão efectiva.
Um alferes fez menção de lhe atribuir uma bofetada, como já tivera a ousadia de fazer a determinado cabo.
Tanto bastou para, que o referido alcançasse a espingarda FN de um companheiro por ser de melhor pontaria que a sua, terá dito depois de aprisionado, com a mesma perseguiu o oficial, cujo recorreu à fuga, para as suas instalações, evitando assim a concretização de um crime contra a sua pessoa.
O referido soldado, embora lhe assistisse alguma razão, tinha-a deixado cair com o acto, visto não desconhecer a regra do estar-se em estado de guerra e embora a possibilidade de, militarmente apresentar queixa de um superior, seria necessária a aprovação deste, o que se podia levar à conta de mais uma das muitas bizarrias das leis militares.
Onofre não assistira a este lance, pelo que não o anotou, estava destacado na Fazenda Três Marias, porém com a sua curiosidade natural, numa das frequentes visitas de escolta recolheu pormenores do momentoso caso. Acontece que o soldado pertencia ao grupo de proximidade na metrópole.
O visado estava, pois, no circulo de conhecimentos pessoais, muitos próximos, para poder ser avaliado como capaz de cometer um acto desses, era um tipo muito reservado, só com alguma dose de confiança pessoal diria algo, as divagações interiores eram remoídas, por norma em deambulações ininterruptas, dentro da caserna, da cama para a porta e vice-versa.
Ainda na metrópole chegou mesmo a confidenciar ao Onofre, que iria para Angola na esperança de vir a ficar perto da fronteira e daí poder dar o "salto", para fora deste país, caso contrário teria antecipado a fuga.
No fundo o militar em questão era pessoa com insipidez suficiente, para ser vista como inofensiva e com uma certa comiseração e desinteresse.
Outro assunto de prender a atenção, foi o de uma praça distinguida com uma condecoração. Foi-lhe atribuída por valor demonstrado numa operação militar, ainda na zona de intervenção.
Chegara a Portugália a convocação, para se apresentar em Luanda a fazer parte de uma parada, onde seriam entregues as variadas condecorações, por valor militar patenteado.
Aconteceu algo inexplicável, mesmo na época, o militar recebera a Cruz de Ferro, mas voltara à base da Lunda em estado de desnutrição a exigir tratamento médico,
Onofre, por natureza era pensador e reflectia muito sobre estas incidências, que pareceriam apenas de pormenor. Podiam estar certas, mas um herói? Mesmo soldado raso, tinha de receber um tratamento adequado, como qualquer oficial superior!...
Não destoaria ter sido disponibilizado um avião, para o transportar de ida e volta ao esquadrão.
No caso, a capital de Angola, ficava no mínimo a dois dias de viagem terrestre em camioneta de caixa aberta.
Como a mesma teria sido feita, de aquartelamento em agrupamento militar, com a sujeição aos transportes destes e sendo o herói tímido, por natureza, para se abeirar dos rancheiros respectivos, ficara com razão de maldizer o acto heróico que, motivou a inglória honra da condecoração.
Ainda em Novembro, no dia vinte e nove, à tarde na companhia do Soeiro, dedicou-o a uma visita, que há muito se impunha, ao Museu Etnográfico do Dundo, um dos mais importantes, do género em todo o continente africano.
Da facto a visita, além de muito agradável foi surpreendente, pela variedade de objectos expostos e pela revelação que encerra da cultura da grande região provincial da Lunda.
A visita mereceu uma atenção detalhada, da parte que estuda os minerais da zona, confirmando o que se dizia; todas as pedrinhas em que se tropeçava serem diamantes, mesmo se alguns não tivessem valor de mercado, visto que havia qualificação para todos, mesmo os que se esfregassem nas mãos e se desfizessem em pó.
Foi possível verificar inúmeras "pedras" identificadas, das insignificantes às de grande pureza. Todas as de que aquele território era fértil, o que afinal fazia com que a tropa estivesse já presente em força, para vigiar todos os movimentos porventura hostis, a uma produção altamente sofisticada.
Depois chegava-se a uma parte, onde era exposta então, toda a cultura dos quiocos, que habitavam a vastíssima região. Essa, mesmo ancestral era de fazer pasmar qualquer europeu. O exemplo maior, será uma mobília de sala executada em madeiras exóticas, em que todas as peças que a compunham eram trabalhadas manualmente, representando na integra explícitas cenas eróticas.
A constatação, pelo ineditismo era agradavelmente chocante.
De facto, estava-se num país diferente do que se conhecia no cantinho europeu!
O Onofre acha por bem não deixar de mencionar o caso recorrente, de numa das sortidas diárias ao Dundo, motivadas pelo serviço do rancho, de conluio com o motorista da viatura, se ter deslocado também ao aquartelamento da bateria que, estacionava perto do rio Luachimo.
Nesse dia trinta e um de Novembro, a saltada à artilharia era destinada a compras particulares na cantina local, por esta ser melhor apetrechada. Porém houve pouca sorte, deu-se uma avaria no Jeep e praças velhas como as presentes, empurraram a viatura até ao sítio onde a passagem podia ser justificada. Assim o carro, durante cerca de cinco quilómetros, usufruiu de tracção manual.
Nas instalações do Tari Lifune, no chamado mato, com propriedade e por ser zona de intervenção militar, um "divertimento da malta", como alguém dizia, era a saga de surripiar quicos uns aos outros, foi um divertimento de tempos livres, como seria para os miúdos jogarem o berlinde ou pião no recreio.
Fora dessa área existiam outras ocupações bem mais atraentes, para o contexto. Foi assim que alguém atrevido ousou subtrair o do Capitão Alves Ribeiro. Pensou-se na pena aplicável, mas aconteceu o facto inesperado de o ilustre comandante militar, ter rido da façanha e prestes a deslocar-se à metrópole no gozo das suas férias logo adquiriu novo exemplar.
Aconteceu o mesmo, no aquartelamento do esquadrão eventual na Portugália; uma praça, um homem do Alentejo ousou o mesmo com o Capitão Ferrand de Almeida. Este muito menos dado a rigores de comando, não teve qualquer contemplação e aplicou a pena mais pesada da sua competência: Dez dias de prisão
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 21 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 21

SUBLEVAÇÃO E "CACHIPEMBA"
Tropa instalada em Províncias Ultramarinas, a partir de 1961, tinha sempre a missão de reprimir os focos de sublevação porventura existentes, enquanto ia ocupando o terreno, com o fim de evitar futuras infiltrações.
No destacamento da Portugália, não podia haver diferença, a ocupação tinha também o objectivo de procurar o controlo da região, pela via militar.
Um posto de vigilância na fronteira do Congo, que ficaria a cerca de oito quilómetros da vila, era ininterruptamente ocupada por soldados do esquadrão eventual 350, com substituição diária.
Havia sempre um Jeepão e duas praças, que se rendiam no serviço, para as refeições serem levadas e tomadas ali, em tempo oportuno.
O serviço militar ao aeroporto da Portugália, dedicado à Companhia dos Diamantes, sedeada na cidade do Dundo, relativamente próxima, era também assegurado por aquele esquadrão.
A missão visível, mais importante, era consubstanciada, por visitas a várias fazendas e bairros quiocos, onde foram encontrados alambiques, destinados à fabricação duma droga líquida, a que se dava o nome de "cachipemba".
Dizia-se que a viciação, começava por definhar os consumidores estes, por falta de qualquer assistência médica, acabavam por entregar a alma ao criador.
Tornava-se evidente a necessidade de destruição de tais estruturas e o aprisionamento dos "industriais".
Podia ser vista assim a organização militar:
- Em campanha, um Batalhão comandado um por Tenente-Coronel, estruturado como uma cidade onde, uma vez que se compunha de todo o tipo de estruturas inerentes, com materiais de toda a ordem, desde medicamentos, comestíveis, geradores eléctricos, muitos combustíveis, como gasolinas e óleos, materiais de reparação, desportivos e outros.
Esquadrão, bateria, companhia comandados um Capitão, eram por norma desdobramentos (havia quatro desdobramentos daquele), não eram tão completos, mas usufruíam de grande poder autonómico.
Naquele esquadrão, o Onofre integrava e coordenava um segmento saliente na organização.
Com o encargo dos géneros, juntavam-se muitas outras tarefas quase diariamente, como a da provisão de carnes.
Todos os fins de jantar, elaborava a ementa para o dia seguinte. Tendo em vista a essencial criação, dada a propensão para trabalhar em equipa, ouvia outros, como o soldado que se encarregava da cozinha ou o sargento a fazer parte da equipa, como a missão de escriturar os gastos, porém a tarefa que dizia respeito a todo o aprovisionamento para o rancho, era mesmo inerência de quem liderava o depósito da alimentação das praças.
É chegada a altura de se afirmar que a alimentação era irrepreensível, o que sem dúvida era devido à muita dedicação do cabo Onofre e à boa colaboração do soldado cozinheiro que, ido também do Esquadrão 297, era conselheiro de excelência.
Ficam dois exemplos dessa colaboração: Dias da inevitável dobrada dobrada era esquecida a regra que a "alta" organização militar tinha instituído, da porção destinada a cada homem, reduziam-se as doses, para se poderem aumentar, quando se tratasse de outras ementas, mais apetecíveis. Vinho que, de servido apenas um copo per capita, cada qual passou a poder servir-se do que desejasse, sendo o gasto que era menor, em virtude dos que preferiam regar a refeição com cerveja (era necessário comprar), deixavam de levar a dose da bebida que lhes cabia, para oferecer a um amigo. Afinal ele podia ir buscar mais!...
Refira-se que o trabalho do cabo Onofre e consequentemente, o do rancho não era nada facilitado, funcionando muitas vezes na base de simpatia e da humildade inspirada por este, em virtude do comando nunca ter tomado a iniciativa de, todas as manhãs, manter disponível uma viatura para as deslocações ao Dundo, onde era necessário levantar, sem sobressaltos, carne fresca para ser trabalhada a tempo da confecção dos almoços da tropa.
Era notório um maior privilégio individual dos oficiais do que a atenção devida ao colectivo sendo, por isso mesmo menosprezado por certos motoristas utilizando, sempre que convinha, o serviço do superior, para se escusarem ao trabalho da deslocação.
Algumas manhãs, chegou a instalar-se o pavor de não se poder cumprir, o levantamento do tipo de carne estipulado a servir-se, pelo menos à refeição do meio-dia.
As mulheres nunca deixavam de estar na mente de gente tão nova, como a que formava o esquadrão.
Nas aldeias de indígenas, comentavam as interessadas, que não valia a pena dedicarem-se aos militares, porque afinal os da milícia, além de possuírem mais "alangongo" (dinheiro), eram mais generosos na atribuição de quantias, a compensar "favores".
Aproveitando o tema, não se deixa passar em claro o facto de a Diamang possuir perto da Portugália, um quartel com a sua tropa organizada, como qualquer milícia para defesa.
No tocante ao elemento feminino étnico tudo era diferente do conhecido, na cidade da Gabela. Um belo dia, dois militares, deambulando em busca de sensações amorosas, na periferia da vila, meteram-se com duas mulheres: De imediato saltaram os respectivos maridos e encetaram-lhes uma perseguição, que só terminou, com os lesados à porta das instalações de trabalho do comandante, a quem formalizaram imediatamente queixa, enquanto os fugitivos, com invejável preparação fisíca, se misturavam na caserna com os colegas.
O Capitão Ferrand de Almeida, pouco contente com o sucedido, à hora da refeição do almoço, ordenou a formação de todo o contingente, onde lançou a palavra cobardes, para definir os então desconhecidos abusadores. Os mesmos podiam obter a sua benevolência, se fossem até ele com uma contrita confissão.
- Disse no discurso!
O Onofre sabia de quem se tratava, pelo desabafo de um deles, o Leonardo único conterrâneo e dos maiores amigos.
Conhecendo bem a filosofia do comandante, pensou numa maneira eficaz de defesa dos implicados.
A partir dessa premissa, de imediato foi conferenciar com o Sebastião, outro amigo também conhecedor do "terreno".
Depois de se estabelecerem os prós e os contras, os rapazes foram aconselhados a denunciar a sua culpabilidade.
Tudo correu de acordo com a melhor previsão e antes do repasto da noite, com tudo em formatura, para ouvir o responsável máximo dizer que, afinal detinha o comando de um esquadrão de verdadeiros homens, dos que tinham sabido dar a cara pelos seus erros, pelo que ficara satisfeito.
- Era assim Ferrand de Almeida!...
Como aventuras para reter, mais algumas observações.
- Uma prende-se com o facto de numa ocasião, momento único, ter encontrado uma linda mulher quioca, toda pintada de branco. Indagando o porquê, veio a sabê-lo:
- As mulheres daquela etnia, festejavam e mostravam assim ao mundo, que já tinham perdido o cabaço (virgindade).
Naturalmente com o amado que, gostosamente, contavam passar o resto da vida.
Da seguida contam-se passagens, como a do nosso homem que arranjava contactos femininos, através de um servente local. Com mais experiência de vida, cismaria ter tido à mão um elemento a expiar, ao serviço da subversão. Na sanzala de uma das mulheres, passou uma noite de verdadeira orgia.
Tinha sido uma aventura morta à nascença. Mais tarde veio a saber, por ouvir em forma de lástima, não ter havido dinheiro, nem o militar ficara ao menos conhecido. Já então o Onofre havia passado, algumas vezes pela mulher, ficando a estranheza pela ausência de qualquer temível manifestação.
O Onofre sem se denunciar, soubera disso ao protagonizar outra aventura amorosa numa casa, mesmo em frente.
Mais uma vez, talvez por ausência de disponibilidade temporal, utilizara o servente quioco. Daquela vez o "affaire" correu mal, dado que sofreu um ferimento, do que resultou uma hemorragia.
Dali, foi logo procurar apoio no posto de socorros, mesmo correndo a versão de que, o alferes médico titular, apenas receitava aspirina, para qualquer maleita.
Foi tratado pelo enfermeiro, cabo Simões, também oriundo da Gabela, que desaconselhou contactos com o clínico, Taxativamente recorreria à circuncisão.
Já lhe ocorrera a seguinte questão, em pensamento:
- Pelo perfil, o alferes médico não seria de origem judaica?
Com a indispensável mediação do servente, o Onofre obteve também a experiência de um pequeno, mas inesquecível serão. Num terreiro, apenas com a luz do luar, a em todo o redor muitos anciãos conselheiros reunidos, tratava-se da compra por alambamento de uma rapariga para casar.
Seria mais uma maneira de conhecer, como se processava a união e a resultante actividade sexual amorosa.
Tratava-se da forma usada pelo povo da Lunda, para a consumar uma união. A mesma consistia na introdução de um valimento, a pagar ao pai da miúda.
Na questão, punha-se o problema do futuro noivo não possuir gado ou qualquer produto da terra para o "negócio".
Afinal, tudo poderia ser ultrapassado com dinheiro.
À rapariga, porque era bonita e tinha cabaço, era atribuído um valor de vinte e três mil escudos, um custo importante em 1963!...
A partir dessa interessante "encenação", o Onofre ficou a saber efectivamente, como era a prática do alambamento, dos quiocos.
O facto não passou, obviamente, de uma memorável recordação!...
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

segunda-feira, 19 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 20

INDÍCIOS DE TERRORISMO NA LUNDA

Não se tratava de um acaso, que já em 1963 toda a vasta Região da Lunda contava com muitos acantonamentos militares, de todas as Armas, inclusive com artilharia pesada.
Primeiro porque será das regiões de África com o subsolo mais rico, sobretudo em diamantes, depois por fazer fronteira com um país recém descolonizado, o Congo, já a viver a sua independência, com as nefastas consequências, que se conheciam.
Para quem não usasse de alguma bagagem cultural, para encaixar estes factores ou que não tivesse para se ralar com pormenores, estes factos podiam passar à marginalidade.
Na humanidade da sua pequenez, o Onofre usufruía a vivência que a mobilização lhe tinha trazido, na certeza de executar o melhor possível as tarefas que lhe destinavam, tudo no espaço temporal.
Definitivamente constituída a nova manutenção, o dia vinte e seis de Agosto foi de muito trabalho, urgia arrumar todos os géneros trazidos de Henrique de Carvalho.
Sobrou tempo, para assistir à grande festa indígena que, anualmente, se processava no Dundo, com o aval da Companhia Diamang, no seu respeito pelas tradições lúdicas.
Uma festa, deveras interessante, onde eram atribuídas medalhas e prémios monetários a nativos, que comemoravam vinte anos de serviço, após o que eram rodeados jubilosamente pelas suas várias esposas, sendo que na etnia quioca a bigamia estava arreigada na própria natureza humana.
A importância de cada homem, podia ser aquilatada pelo número de mulheres que possuía, sendo cada uma sua trabalhadora, porque no seio daquele povo o labor do campo era mister de mulheres.
A festa continuou, no mesmo recinto da cidade, com banda musical apenas de elementos nativos, com interpretação de ranchos folclóricos nativos, com modas continentais, modernas.
No prosseguimento de novas funções, o dia seguinte, começou pela ida do Onofre ao grande armazém da carne, que servia a Diamang, Companhia a que o agrupamento estava agregado, para se abastecer da maioria dos alimentos, como carnes, peixes, ovos, batatas, vinho e outros.
Na zona qualquer estrutura colonial só podia depender daquela fonte, com vários centros.
O cargo de encarregado do depósito de géneros, fazia o mesmo ter necessidade das visitas diárias ao Dundo, por vezes também à periférica Cacanda, onde se situava o aviário.
No dia vinte e sete de Agosto, houve a ida à noite, ao único cinema existente na cidade, a funcionar apenas um dia por semana, às quartas feiras.
Passou o filme "Duas Mulheres", com Sofia Loren.
No dia seguinte, a primeira quinta feira que o Onofre enfrentou o único, obrigatório portanto, armazém de géneros alimentícios da região dominada pela toda poderosa Companhia dos Diamantes, até em relação à actuação militar, que em nada podia depender do poder civil.
Tudo acabou por andar bem, pois já havia sido entregue a respectiva e necessária requisição dos bens a adquirir, tirada do livro também ali fornecido, que ficara na já posse do mesmo cabo responsável.
O chefe do poderoso armazém, que passara a tratar o interlocutor militar, pelo nome próprio, em conversa aproveitou para desenvolver o diálogo seguinte:
- "Consta ser no seu esquadrão que se fabrica o melhor pão de toda a Lunda!... "
O Onofre nunca atentara naquele grande privilégio, banal por recorrência. De facto os padeiros tinham ido do Esquadrão 297, pelo que sem se dar por isso, mantinha-se a qualidade
Viu uma oportunidade de obter favorecimento. De imediato a explorou, oferecendo àquele chefe a possibilidade de lhe ser fornecido o pão, diariamente.
Claro!... Havia um óbice, visto apenas pelo interessado, era o ter de ser um dos criados pretos a fazer a recolha.
O assunto foi resolvido com facilidade, com um cartão assinado pelo militar e que o responsabilizava, pois no esquadrão não havia problemas de raça, como impedimentos.
A partir daí os padeiros, aquartelados e a trabalhar sempre em forno, no Dundo passaram a contar com um cliente especial e o encarregado obteve a mais valia de tratamento diferenciado. As politicas da Companhia passaram a ser menos fechadas.
O novo cargo exigia muita dedicação, atenuada por ajudantes variados, para o muito trabalho a efectuar, visto que para efeitos de abastecimento de produtos comestíveis, oriundos da manutenção militar, havia dois pelotões instalados e a operar nas redondezas, adidos ao esquadrão a serem, semanalmente, atendidos naquele depósito.
Até que a doze de Setembro, o esquadrão mudou definitivamente para instalações na vila da Portugália, a verdadeira sede do poder local, do estado na zona, pelo que não se tratava de acaso. Tudo o que existia em armazém acompanhou.
A circunstância acarretou uma atenção e trabalho redobrado, até porque o gosto da arrumação era uma faceta do titular.
No dia seguinte de manhã, ainda houve muito a organizar, até que aquele departamento era, consensualmente, o mais bem ordenado de toda a nova instalação militar.
Dia vinte e seis foi recebida a visita do então Ministro da Defesa Nacional, havia que mostrar-lhe algo do novo aquartelamento.
Aconteceu, que só o depósito orientado pelo Onofre foi considerado merecedor da visita daquele alto titular da Nação.
No fundo, tinha-se ali iniciado uma existência em que a propensão organizativa, podia ser exercida com maior consistência.
Foi assim que, a fértil mente do Onofre se entregou a lucubrações mais pausadas, que andavam a assaltar o seu íntimo.
O que levaria a organização militar em 1963, a cogitar a defesa de toda a Lunda, onde não tinha chegado ainda a sublevação, instalando-se em força?
Era notória uma quase repentina cobertura de todo o território de posições militares.
Embora se pudessem contabilizar mais, mencionam-se apenas três factos, que chamaram a atenção do Onofre, para o possível embrião de rebeldia, a médio prazo, naquela imensa região de Angola.
Em primeiro lugar, a atenção recaiu sobre o peculiar da descoberta da actividade revolucionária do mulato, chefe do Correios da Portugália. Inevitável a captura do turra, tanto mais numa ausência do comandante do esquadrão, foi apanhado e aprisionado numa dependência do aquartelamento, onde sofreu sevícias de toda a ordem, de muitos militares.
Nada de estranhar naqueles tempos e circunstâncias, porque a personagem devia ser mesmo terrorista de elevado estatuto, revelando pouca inteligência relativa à posição.
É que os militares, na passagem para o Dundo, em locais, como a cidade de Nova Lisboa, tinham muitos registos, inúmeras fotografias batidas.
Utilizando o mesmo método das anteriores posições, inclusive na zona operacional: Fazer os envios dos rolos de películas, acompanhados das importâncias de custos para fotógrafos de Luanda, embrulhos sem qualquer requinte de correio registado.
Aparecia sempre tudo revelado, assim como as cópias, por vezes com bastantes repetições, sobretudo as mais bem conseguidas, com vista ao envio a familiares, amigos, namoradas e obviamente a Madrinhas de Guerra.
Todos os militares se tinham questionado pelo facto de, repente tudo ter falhado, sem excepções.
Com aquele caso, tinha chegado enfim a resposta, para a grande incógnita.
A vingança fez-se, de muitas torturas corporais, não poderiam haver outras compensações, porque os rolos teriam seguido para células terroristas sedeadas no Congo, a uns escassos oito quilómetros de distância.
O Onofre nunca mais deixou de recordar o rolo, assim desaparecido, tirado na segunda cidade de Angola, Nova Lisboa, pelo menos uma tinha como fundo o imponente busto do seu fundador, o General Norton de Matos.
Conjecturou ainda sobre o atravessamento do caminho, pelos dois pretos armados de "canhângulos", junto ao rio onde se tinha dormido sob a GMC avariada.
A defesa dos tigres teria sido só conversa para branco, pois aqueles senhores não seriam mais do que uma amostragem de células inimigas, latentes naquela imensidão, onde só se avistava atraente paisagem verdejante.
Outro facto muito recente, que Onofre vivera, sem sombra de suspeitas, debaixo de enorme árvore de manga, dentro do perímetro do aquartelamento, onde se colhiam frutos, de quando em vez, para enriquecer as saladas, a servir nas refeições.
Desenrolou-se uma conversa com um nativo, a revelar-se de mente evoluída, mesmo do ponto de vista continental, mostrava um coeficiente de inteligência razoável, o seu português era fluente, além de que também se expressava bem em francês. Era novo com namorada congolesa, pelo que passava sempre os fins-de-semana no Congo, afinal ir lá ou estar para cá da fronteira, era só uma questão de expressão linguística!...
A interessante personagem evaporou-se na noite e ali estava agora o cabo a questionar, se a mesma não teria estado ali na qualidade de espião, antecipando uma futura sublevação, afinal já vislumbrada pelas autoridades coloniais e o exército?
Ficava em aberto a questão!...
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sábado, 17 de maio de 2008

ESQUADÃO 297 EM ANGOLA - 19

ABASTECIMENTO EM SAURIMO
Os componentes oriundos da Gabela, do Esquadrão 297, passaram a ter em mãos o controlo do movimento interno, do novo agrupamento eventual 350, que se formara do Batalhão com o mesmo número, para servir na Lunda Norte.
A fraca mentalidade de muitos elementos do novo esquadrão, era uma fatalidade notada, tornando-se visível, o facto de os respectivos comandantes na origem, quase todos, terem optado por enviar novatos ou tudo o que era material humano de interesse menor, o que tinha de ser entendido como lógico.
No entanto, o caso do sargento que iria coordenar o sector da alimentação já "condenado" a ir embora afim de ser presente a tribunal militar e o mais novo alferes à frente do pelotão do Esquadrão comandado pelo Capitão Alves Ribeiro, este não terá tido esse critério. A nomeação terá obedecido a outros parâmetros, não haveria motivos para discriminações. O pessoal, regra era de primeira, ficou provado.
Ter sido por interferência do Sargento Pinedo, também ido da Gabela, sem mostrar pretensões a qualquer distinção, que a reestruturação foi levada a efeito, com a dignidade que muito devia agradar a Alves Ribeiro, conhecida como era a sua estrutura moral, se tivesse ocasião de observar o feito.
O Onofre tomou o lugar do sargento, já ia proscrito, o cabo que seguira com a especialidade de escriturário, fora substituído pelo Soeiro, para a cantina a nomeação recaiu no Paulo, na enfermaria um especialista, na cozinha um soldado, na padaria também dois militares rasos, tudo lugares que automaticamente revelaram importância para a manutenção da força.
Todos estes postos funcionavam bem. Mesmo muito longe mostravam as virtualidades do agrupamento donde eram originários, o Grande Esquadrão 297.
Depois da reestruturação, a vinte e um de Agosto de 1963, juntara-se nas instalações, que iam servir de quartel na vila da Portugália um grupo a deslocar-se a Henrique de Carvalho (Saurimo), com uma camioneta GMC, composto por um sargento, responsável pelo rancho de uma companhia de Infantaria, um cabo com as mesmas funções, num pelotão de Artilharia e o recente nomeado Onofre, equivalente, do esquadrão eventual além do condutor.
A viagem vai ser contada, porque se tratou do que pode ser vista como odisseia, daquelas que as guerras podem proporcionar, em inóspitas regiões, como foi o caso.
Saíu-se às cinco horas da manhã. Tudo a correr bem, até que às onze e trinta, hora a que se deu uma avaria, na única viatura que seguia, cuja foi remediada no meio de uma tórrida temperatura.
A seguir foi retomado o caminho com o atravessamento, pela ponte de madeira, que servia de passagem sobre um estreito rio, seguiu-se de imediato uma ravina, onde a viatura voltou a avariar.
Uma questão, e os meios para a resolver? Ali estavam os quatro elementos, que compunham a expedição de braços cruzados!...
A única coisa que se podia fazer, era olhar com deslumbramento a linda paisagem. Terra desabitada em todo o vasto redor avistado, muitos quilómetros e sem qualquer meio de transmissão, que numa situação de guerra do século XX, seria da maior conveniência.
O chefe da expedição, que naturalmente tinha de ser o sargento, como era chegada a hora do almoço e em virtude de se estar à beira de um rio, água portanto, um bem essencial, a primeira reacção foi a de se tratar da alimentação.
Uma fogueira, panela com bom bacalhau, batatas, couves e os necessários acompanhamentos, com que todos esses saiu uma lauta refeição, verdadeiramente campestre.
Só depois se equacionou, profundamente, a precária situação!
- Falou o sargento, mostrando-se muito calmo e ponderado, mostrava experiência vivencial, além do posto mais elevado, a sua naturalidade era visível, também porque mais velho e por ser um dos que tinham sido novamente chamados às fileiras, em razão do problema de África. Pelo exposto, as suas palavras e resoluções foram bem aceites, mesmo depois de ter dado a palavra a todos.
Sentenciou que o grupo podia estar ali, como média, três dias até que passasse alguém, em viatura que se deslocasse em busca de socorro.
O assunto ficou por ali, havendo a certificação de que para o espaço de tempo havia alimentos suficientes, ou não se tratasse de uma embaixada constituída por responsáveis pelos ranchos de agrupamentos militares.
O Onofre, como se vivesse uma situação normal, preparou-se sem constrangimento, pois avistava-se um imenso comprimento do rio, de águas cristalinas, a banhar o terreno, o mesmo que se mostrava, atravessando uma paisagem extremamente bela.
Chegou, entretanto, a noite e todos se preparam para a passar, dormindo debaixo da GMC.
Naquele cenário deslumbrante, onde os ruídos que surgiam da floresta, eram como uma música celestial, a dormida daquele vinte de Agosto de 1963, acabou por ser balsâmica.
Só se acordou no dia seguinte, com o nascer do astro rei, após o que atravessaram o caminho dois indígenas armados de "canhangulo" (continuavam as espingardas improvisadas).
Mal sabiam articular algumas palavras em português, mas fizeram-se entender, tanto mais que, se tinha aprendido várias expressões de quioco, a língua nativa da vasta região, o que deu para perceber o que rapidamente articulavam.
Saiu: "Mata" (senhor) arma servir para matar tigres" e depressa se eclipsaram, selva fora, tão rapidamente como apareceram, deixando, finalmente todos apreensivos, pois nunca se tinha pensado em animais ferozes, naquele outro mundo onde a luxuriante vegetação esconderia um reino animal de temer.
Passou uma manhã e chegada a hora, preparou-se o almoço. A panela, a fogueira, na margem do rio. De novo os providenciais, mantimentos como bacalhau, batatas, couves, cenouras, nabos, azeite, vinagre e alhos..
Depois da cozedura estava a passar o que se esperava: Um chefe de posto, um mulato, no Jeep que lhe estava distribuído, já que ocupava um lugar na estrutura colonial, controlando toda a população nativa da zona de Xá-Cassau, onde estava instalado.
Distava cerca de trinta quilómetros do ponto em que ficara imobilizado o núcleo militar em deslocação de serviço.
Aquele elemento estatal prontificou-se a prestar a assistência necessária, até que, por volta das dez horas da noite já se tinha atingido as instalações do seu posto.
Devido ao avanço do dia e a uma maior proximidade do destino, a cidade capital da Lunda, aproveitando a hospitalidade oferecida, jantou-se e dormiu-se em Xá-Cassau.
No dia seguinte estava a tratar-se dos abastecimentos, que nos tinham levado aquela cidade e dado que não se conseguiu resolver tudo no mesmo dia, acabou por se pernoitar num destacamento da Intendência Militar local, equipamento ideado para abastecer toda a tropa estacionada na região.
Veio o dia vinte e quatro do mês de Agosto, às catorze horas, já com todos os abastecimentos possíveis deu-se o regresso.
Faltavam as cervejas "cuca" destinados às cantinas, porque poucas caixas se adquiriram, em virtude de na véspera ter ali passado um Batalhão, com o tempo completo, rumo a Luanda, com destino ao barco que os levaria de volta ao "puto", na versão local, adoptada por toda a tropa, por ser gira e abreviada.
Dava para perceber uma invasão de Angolares, por cada iminente passagem à peluda, pois era normal o pagamento de ajudas de custo aos militares, em fim de comissão, com o natural regresso.
Além de ser o primeiro de passar naquela povoação, de regresso à metrópole, a euforia era tal, que cerca de seiscentos militares, detentores de quantias de avultadas somas de dinheiro jamais detidas por muitos, numa cidade pequena, era lógico o esgotamento de produtos aprazíveis e de consumo imediato, existentes em qualquer cantina da tropa.
Às dezasseis horas, nova avaria na GMC. A tipologia daqueles pesados carros que, cedidos ao exército de Portugal, depois de terem servido os Aliados na Segunda Grande Guerra, que tinha devastado a Europa, havia cerca de vinte anos, estava muito ultrapassada. No entanto a equipa em que se integrava o Onofre, fez chegar o carro ao seguro posto de Xá-Cassau, que se tornara circunstancialmente referência estratégica.
Voltou a pernoitar-se nas suas instalações mais uma vez, retribuída com algumas "cucas", das que se puderam trazer da cidade, onde em cada dez pessoas, com quem se cruzava, nove eram fardadas.
A vinte e cinco, com a pesada viatura a reboque, de uma outra, fazendo parte das duas que, de Henrique de Carvalho, haviam chegado entretanto, em socorro, chegou-se ao rio já referenciado que, ficava sensivelmente a meio caminho do Dundo, onde com receita igual às anteriores descritas, se procedeu ao ritual da refeição do meio dia.
Tudo isto era passado por Onofre, em jeito de bonomia, o pior seria o estado de inveja que poderia trazer a algum adepto do campismo, com o dom da ubiquidade, que pudesse observar a bucólica cena.
Pelas oito da tarde, a GMC mesmo a reboque, teve outro acidente, contou apenas de uma mola partida e mais um pequeno atraso.
Às nove horas, chegou-se enfim, ao aquartelamento de Artilharia, perto do Dundo, deixando na origem um dos cabos que integrava a expedição. Ali se processou o que seria o último jantar do grupo.
Deixando também o sargento, o Onofre pôde dormir na tranquilidade do seu alojamento nas instalações provisórias, próximo do Luachimo.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quinta-feira, 15 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 18

A CIDADE DO DUNDO E A VILA DA PORTUGÁLIA
Depois da instalação do esquadrão eventual 350, junto ao Dundo, cidade onde a actividade era genericamente relacionada com a extracção de diamantes, sendo a função da tropa exactamente o controlo da possível infiltração de actividades terroristas que ali se viessem a verificar.
A classe das praças limitava-se a ver a paisagem e mostrar o seu valor a cumprir ordens, aparentemente só restava viver com alegria, evitando complicações.
Vivendo em regime provisório nos pré-fabricados do Dundo, no dia trinta de Julho de 1963, o Onofre com alguns colegas fez-se a uma passeata pela cidade, apenas vislumbrando o panorama local, muito diferente do que conhecera até ali, o alimentava o seu sonho de aventura, algo de muito pessoal, talvez importante para lhe assegurar a permanente alegria de viver.
No dia seguinte, com o mesmo roteiro, foi percebendo pelas observações, sempre lúdicas, com a componente da tomada de conhecimentos locais, pelo que ia concluindo que ali era outro Portugal. Havia um modo de vida, de estar e de agir algo diferente.
Observava-se o facto de as habitações dos colonos contratados da Companhia, serem todas vivendas de rés-do-chão, rodeava-as bonitos ajardinamentos, com longos espaços arrelvados e um poste com estrutura própria para exercícios de bola ao cesto.
Sabendo-se estar numa cidade ainda nova, da Região dos Quiocos, cuja vasta etnia que a habitava, denominava-se com o mesmo nome.
Logo se começou a verificar-se o estar ali a ser preservada a rica e famosa arte daquele povo, que se estendia para além fronteiras.
Podia reparar-se numa falha, muito cara a um rapaz novo e militar, pelo menos da época. Deambulava-se por toda a urbe e não era possível ver uma miúda, que contasse mais de dez anos. A explicação veio a tornar-se simples: Toda a população branca era, de uma maneira geral flutuante, proveniente de contratos temporários com a Diamang, concessionária da exploração, daquele abundante e precioso minério, em grande parte da Lunda, Distrito maior do que Portugal.
Funcionando com capitais de maioria estrangeira, logicamente valorizavam-se modernas tecnologias, que tinham forçosamente de reflectir o modo de vida da própria população indígena, habitantes apenas da periferia da pequena cidade diamantífera.
Ao passar-se por Saurimo (Henrique de Carvalho), a capital daquele outro "Estado", sentia-se logo o pulsar estrangeiro.
Era assim que o Onofre passou a sentir aquela posição que, efectivamente iria deixar marcas na sua existência.
Valorizava-se muito as visitas de grandes figuras, mesmo militares, que por sua vez tinham apetência para aportar o Dundo. Aconteceu, cinco dias depois do esquadrão eventual 350 ter chegado, estando o Onofre de plantão ao aquartelamento, deu-se a passagem do Comandante do Sector, um Brigadeiro, vindo de Henrique de Carvalho, cidade já transformada em bastião militar.
Naturalmente o Oficial Superior, passou por todos os aquartelamentos, já instados na região e eram de todas as armas, conforme se pôde apurar com o decorrer com o tempo.
Refira-se que a localização era a poucos quilómetros do Congo, recentemente descolonizado pela Bélgica, país até então potência administradora. Muitos brancos tinham vindo, fugidos de avião, para o aeroporto situado perto da Portugália.
Verificavam-se muitos dias de folga, a servir de passeios, horas parar ir cuidando da escrita com as Madrinhas de Guerra e também de familiares e amigos.
Entretanto, o Onofre estava a tornar-se companhia habitual do Soeiro, com quem ia mantendo uma boa relação, em parte devido ao acordo, dos objectivos de coleccionar fotos de artistas do cinema e do "music hall" mundial.
Visitas à casa do Pessoal da Diamang e idas à respectiva sala de cinema, também eram frequentes, sendo tempo de recordar que aquela estrutura era a única existente na cidade, para todos os actos e encontros públicos.
Era ali que as actividades de passatempos tinham lugar, desde jantares de convívio e outros, cujo denominador comum era a obrigação de terem de ser "requisitados" com antecedência, assim como jogos de salão.
Os militares podiam também desfrutar, para o que estavam equiparados a funcionários da Companhia Damang, visto serem continentais e brancos.
Já que se evoca este assunto, torna-se interessante frisar que, depois das nove horas da noite, podia consumir-se, por exemplo cervejas, mas a partir daí era interdito qualquer pagamento, mesmo ao corpo militar, ficava um "tichey" rubricado a atestar consumo, até que um dia se chegasse a horas de fazer a liquidação.
Muitos militares, incluindo o Onofre, chegaram a andar meses a consumir sem poderem efectuar o respectivo pagamento.
Para os funcionários da Companhia, tudo se simplificava, porque no fim de cada mês, aparecia o desconto no ordenado.
Para a força militar, meu Deus!... É de adivinhar, no fim da comissão, terão ficado muitas contas por fazer, pois haveria bons rapazes que, só consumiriam quando chegava a hora de deixar o quadradinho de papel a atestar o acto!...
Assim no fim do serviço na zona, era o tempo de apagar dívidas. Voltava-se à velha forma. A escala de serviço era elaborada, como sempre, por um cabo escriturário, No esquadrão, umas vezes iniciativa a tarefa, logicamente, pelos números mais altos. De seguida porque, naturalmente, "comia formigas", desatava a começar tudo nos de menos valores na classificativos.
Possuindo o Onofre uma boa posição em ambas, só novamente, a quinze de Agosto entrou de serviço. Tratou-se da vigilância ao aeroporto da Portugália.
Logo a dezassete do mesmo mês, a escala nomeava-o para vigia num posto de controlo na fronteira com o Congo.
No Domingo dezoito, como era já permitido, andar trajado civilmente, houve deambulação pela cidade e à noite, com outros colegas, assistiu a uma sessão de cinema, tratava-se do filme "Leito de Espinhos".
Entre vários acontecimentos, passaram-se alguns deveras interessantes. Num dia de Domingo, foram abertas as comportas do rio Luachimo, muitos militares assistiam. O próprio comandante do esquadrão, Capitão Ferrand de Almeida, com a sua espingarda Mauser, mostrou uma pontaria inaudita, pois, aparecendo a descoberto um crocodilo, de imediato o matou com um tiro certeiro.
Sabendo-se que aquele animal é coberto de uma tal couraça de escamas, que só perfurado por bala, em determinado ponto da cabeça é vulnerável tem de considerar-se um grande feito.
Certamente, para todos os assistentes pertencentes á força armada, uma tal visão teria sido única.
Nos mesmos dias o comandante, reuniu toda a tropa possível, sob a sua supervisão (quem estava de serviço, evidentemente, era intocável) e todos sentados nas pedras que, compunham o terreno das traseiras, do improvisado aquartelamento, deu uma palestra a surpreender, pelos seus dotes de oratória.
Versava o problema colonial da Argélia dominada pela França, a que o famoso General De Gaule, como chefe do estado francês, concedera a independência.
A eloquente e única palestra que aquele contingente teve o privilégio de ouvir daquele comandante, frisava ser um mau precedente para todos os países em luta, para manter as suas colónias Portugal incluído por razões óbvias.
Sem saber em concreto, qual missão que lhe era destinada, o Onofre executava tarefas de maior significado, pouco comuns à sua especialidade e até no trabalho da sociedade civil, ainda que se achasse capacitado.
Iniciara-se já, com vários contornos, mas o mais visível foi a ida ao aviário, a funcionar no sítio designado Cacanda, com a finalidade de trazer, sob requisição, os frangos necessários a uma refeição do esquadrão, tarefa que iria fazer parte dos novos serviços que se avizinhavam.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

terça-feira, 13 de maio de 2008

ESQUADÃO 297 ANGOLA - 17

ATÉ À MARGEM DIAMANTÍFERA DO RIO LUACHIMO
Depois de cerca de quatro meses de mobilização na Gabela, integrado no Grande Esquadrão 297, a servir o exército. Na quarta feira, dia vinte e quatro de Junho, o Onofre e alguns companheiros saíram da escala de serviço, a se prepararem a integrar o pelotão que ia formar o esquadrão eventual 350, destinado à zona onde operava a Companhia Diamantífera Diamang, na cidade do Dundo, com deslocação aprazada para o dia seguinte.
Partiu-se logo às duas da manhã, nas habituais camionetas civis de caixa aberta, com chegada às seis á vila da Cela.
Duas horas depois, deu-se a abordagem ao rio Covo, atravessado de jangada por toda a tropa e respectivas camionetas.
Depois, na madrugadora travessia, a tornar-se mais um motivo interessante, para os eventuais sonhadores, seguiu-se viagem nos mesmos meios de transportes, por picadas.
Às quatro da tarde, chegou-se à cidade de Nova Lisboa e ao grande quartel, que dava pelo nome de Escola de Aplicação Militar, o destino da pernoita.
Logo aí o Onofre, sempre cumpridor, sentiu a falta da disciplina táctica da instalação, muito característica ao comando do Capitão Alves Ribeiro, censurado por muitos, por ser considerado demasiado rígido, mas a sua actuação na circunstância seria a habitual, digna de um grande comandante que instruiria os seus comandados assim:
- "Cada um fica livre para se entreter nesta cidade, como lhe aprouver! amanhã às X horas, apresentar-se-á aqui, para seguimos viagem".
Tal não aconteceu, no fundo, porque o comandante do novo esquadrão, criado a partir do Batalhão 350, capitão Ferrand de Almeida, nem sequer aproveitou aquela pausa, para iniciar a formação do que, deveria ter um espírito de corpo de força militar.
Se, a voz de comando fosse firme, seria tranquilizadora, enquanto moralizava, mas todos foram conhecer a novel cidade, a segunda da Colónia.
O Onofre foi com um amigo, dando a volta sempre objectivando conhecer as mulheres, como qualquer militar na flor da vida e que se prezasse.
Iam deambulando até que, a certa altura, entraram em conversa com duas raparigas, uma preta a outra mais atraente, duma cor acastanhada, não obstante não apresentar sintomas de qualquer cruzamento.
O duo andava em procura de maridos e julgando que estavam com militares, que vinham estacionar ali, concluíram que se tinha feito luz nas suas vidas.
Desejavam veementemente ser levadas de táxi para a casa onde moravam ambas. Como já era noite, começou logo a ser consumado o "casamento", que durou até chegar a madrugada.
Despedidas observadas, os dois amigos logo pegaram um outro táxi, dando-se a entrada no quartel, onde era pressuposto algum tempo de dormida, que não se chegou a efectuar.
Na parada notava-se um movimento desusado, para essa hora tardia, demais num aquartelamento.
Observando o evento, chegado da casa onde pontuava o cabo rancheiro, estando com gente oriunda de algumas povoações localizadas próximo da terra da sua origem decidiu, já que dispunha de géneros alimentícios, festejar a vitória da Volta a Portugal em bicicleta do ano de 1962, protagonizada por seu mano, o consagrado Joaquim Leão.
A origem de um dos dois companheiros era o mesmo concelho, pelo que logo ambos foram convidados, para o petisco pelo eufórico anfitrião.
Já só com o toque da alvorada foi dada por terminada a festa de confraternização. No dia seguinte, aconteceram ainda mais voltas á cidade, onde o Onofre bateu todo um rolo de películas.
Entretanto, num bar teve o grande prazer de encontrar camaradas, com quem tinha convivido em serviço na campanha do Norte, na Fazenda Três-Marias.
Depois veio a hora de formatura, dos dois esquadrões na frente da Escola de Aplicação Militar, onde se apresentou o Tenente-Coronel Spínola discursando, mais para a sua tropa, no seu peculiar estilo populista, visando todo o pessoal em trânsito uma vez, tudo ser de mobilização do Regimento de Cavalaria 3, de Estremoz.
Ainda no dia vinte e seis de Julho, preparam-se ambos os esquadrões na Gare Ferroviária da cidade, para seguir de comboio até à vila do Luso, quando se deparou uma enorme surpresa! A Estação tornara-se pequena para conter tanta gente que ali acorreu, para assistir ao embarque do contingente militar.
Uma despedida, com foros de grande acontecimento, só comparável do embarque na Estação de Caminhos de Ferro de Faro, cujo Grande Esquadrão 297 pomposamente protagonizou.
Foi uma fenomenal surpresa, visto que muito poucas famílias o eram de militares a seguir em viagem, ao contrário do que aconteceu na capital do Algarve.
Por volta das três da tarde, sob enorme ovação, partiu-se numa composição ferroviária tosca e lenta, a ponto de em certa zona, naturalmente de uma razoável população colonial, iam sendo muitos a aplaudir.
Como se tratava de gente, naturalmente com muita garra e força inventiva, não tardou que alguém se lembrasse, que o generoso gesto se havia de materializar com garrafões de vinho.
Contra o que a ousadia supunha, depressa apareceram as tais vasilhas, que o desejo misturado com o calor, logo fez tragar, enquanto ao longo da estrutura rolante, continuavam correndo com as ovações.
O comboio ia com tal vagar, que deu tempo ainda para devolver o vasilhame esvaziado.
Logo após, foram-se desvanecendo os ecos de tanto carinho que, em terras distantes tinham chegado aos que estavam na missão militar, em defesa das Terras de todo um povo disperso.
Há muito o sol tinha entrado na penumbra e de passagem avistaram-se as luzes de Silva Porto.
Depois de passada a noite em viagem, em composições, apenas com uma fila de lugares, por conseguinte, com um corredor junto ás janelas de cada carruagem. Aquela etapa terminou na vila do Luso.
Depois de se dar pouco mais do que uma mirada à vila, seguiu-se de novo em camionetas, por estrada de veredas, até à povoação de Dala, onde houve paragem, afim de se tomar um refresco.
Eram vinte e quatro horas quando o novo esquadrão chegou à cidade de Henrique de Carvalho que na verdade, localmente, sempre se designou pelo apelativo nome de Saurimo, mesmo depois de em 1923 o General Norton de Matos lhe ter atribuído o nome daquele grande explorador de terras africanas, nomeadamente da Lunda, cujo Distrito fundou e do qual viria a ser primeiro governador, em 1845.
Na verdade, com a especialização de cozinheiro da tropa, o que foi pretexto para um resto de noite, de vinte e sete para vinte oito de Julho, ser passada na cozinha, entre muitas recordações e petiscos.
Só às quinze horas acabou por se partir debaixo de um sol abrasador, à africana, sempre em camionetas civis.
Para um observador, como o Onofre, a viagem até Camissombo, fazendo a travessia do planalto da Lunda, apresentava uma vegetação lindíssima a tornar a paisagem paradisíaca. Assistir-se ali, em cima da caixa da camioneta ao Por do Sol, como aconteceu tornou-se deslumbrante, o sonho de uma vida.
Chegadas as vinte e quatro horas, quando se deu a chegada, Jantou-se e depois pernoitou-se, encontrando-se cama no soalho de cimento, numa dependência do aquartelamento daquela localidade, formado por militares idos também da metrópole, o que sempre se tornava evidente, tendo como Segundo Comandante, o mesmo que já tinha exercido essa função na recruta do Onofre em Elvas.
No dia seguinte de manhã foi feito o resto do percurso em estrada de terra, sempre plana e permanentemente ladeada de bambus, outra maravilha para a vista.
Observou-se o impensável, em cerca de apenas de duas horas de viagem - dp Camissombo ao Dundo - bastaram, para dois alferes terem ingerido a grade de cervejas, vinte e quatro garrafas, que tinham adquirido.
Coisa de alarves abastados como eles de facto, eram!... A ponto de um aventar que o dinheiro recebido e era acima da média, não lhe chegava para as despesas feitas em campanha e tanta gente a morrer de fome!...
Destinada à vila da Portugália, periférica da cidade diamantífera do Dundo, antes do almoço logo estacionou, o esquadrão eventual 350, em aquartelamento improvisado de casas pré fabricadas, com localização junto ao rio Luachimo que dera nome a um filme, Realizado pelo conhecido major Baptista Rosa, de promoção da Companhia Diamang, a que também se ia dar protecção.
Daniel Costa –in JORNAL DA AMADORA

domingo, 11 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 16

A MONTANHA E A CIDADE

Além, da montanha onde o comboio, Gabela - Porto Amboim, fazia trajectória, outra de menor altitude, bem visível da cidade que, para o Onofre, ficou como indelével marca da capital do Amboim.
Aquela montanha, juntamente com o cultivo do café, que marcava a grande riqueza da própria cidade da Gabela com muitos "arimbos" em redor, dignos de nota, visto que, mesmo um militar atento, não podia de deixar de admirar e até fixar para uma aprendizagem de futuro, tendo em conta não estar a fazer carreira no exército.
Contribuía também para essa riqueza a forma de alimentação da flora do café, Era feita por meio de folhas dentadas das muitas árvores, que se encontravam plantadas entre os cafeeiros. Estas, caíam no chão, desagregavam azoto e outras substâncias que iam caindo até á raiz das plantas, alimentando-as.
Na altura a população do Amboim, que se estendia por uma área de 9.879 quilómetros era recenseada em 3.076 homens civilizados (leia-se brancos) e 92.176, não civilizados.
Dos não civilizados, alguns também possuiam os seus "arimbos", com plantações de cafeeiros cujo produto de inferior qualidade, no fim era vendido aos vizinhos brancos.
A explicaçao para a inferioridade era a de, os respectivos agricultores não se esmerarem na de manutenção do cultivo. O que a terra dava bastava-lhe para o sustento, pelo que após a venda gozavam o produto monetário, sem outra preocupação do que esperar nova colheita em safra, que apenas o ritmo do tempo haveria de trazer.
Não esquecendo, que o Esquadrão se regia, sobretudo pela actuação militar. Continuavam porém outras sagas, como a das Madrinhas de Guerra, em grande parte objectivando a sua "promoção, como então era voz corrente, cujas podiam almejar ao namoro, o que muitas vezes aconteceu.
O Onofre chegou a receber correspondência de dezassete. Por cada uma que deixada de escrever, o que estava constantemente a acontecer, era mister arranjar duas. Não obstante a Ana Zé, com a juventude dos seus dezasseis anos, com muitas cartas a trazerem alguma conversação sobre lições do liceu que, frequentava, eram de um sabor inebriante, ao serem lidas e relidas com toda a atenção.
O jogo de cartas acabara, definitivamente, as amizades mais próximas, mercê de novo enquadramento, os interesses haviam mudado, se bem que, os amigos nunca tivessem deixados de o ser.
Foi assim que se verificou uma aproximação de pontos de vista do Onofre com o Soeiro, um cinéfilo nato. Ambos começaram a engendrar o coleccionismo de fotografias de artistas. Ao tempo um homem só se fazia, a fotografias de artistas mulheres, Assim, por questões económicas, cada um dos consórcios escrevia a uma vedeta diferente, só depois de uma resposta, o outro avançava com a solicitação.
As moradas eram extraídas, normalmente de uma publicação semanal em revista, chamada PLATEIA , era muito acessível e tinha secção própria de moradas de agentes de artistas a actuar em espectáculos ou a editar discos, onde estavam sedeados os contactos.
Acrescenta-se, para indicar ter o mesmo periódico também secções para os mais variados pedidos, como de namoros, trocas de correspondência, onde em grande parte se incluíam Madrinhas de Guerra.
Enfim, corriam outros tempos!...
Só a vinte e três de Abril, chegou a vez de Onofre entrar de cabo da guarda ao paiol situado, obviamente num descampado, perto das traseiras do aquartelamento.
O serviço era efectuado por um grupo de três elementos, composto por outras tantas praças, uma delas um cabo a comandar a força, que se revezava diariamente, um dos quais aproveitava a noite para a passar no "muceque" onde tinha a lavadeira namorada.
Nesse serviço e em todos coube ao Onofre a primazia, depois era norma este voltar de madrugada.
Mais tarde o estado de graça, iria mudar como se verá.
Nessa altura já o Capitão Alves Ribeiro, tinha reunido todas as praças em formatura, mostrando-lhe o seu apreço e ao mesmo tempo falar do tema "mulheres lavadeiras". Ao contrário do que podia estar nas mentes. o comandante só alertava para a possibilidade de haver desacatos, porque era evidente que em muitas "sanzalas", o dono da casa nunca era visto, ficava voluntária e temporariamente desalojado.
Na alocução ficou dito que, apesar de tudo se viesse a haver algum ferimento, ficaria muito desapontado se acontecesse a algum militar, cujo podia sempre contar com o seu empenhamento pessoal.
Como é evidente, todos se congratularam, porque foi ditada a pena de não poder distribuir uma pistola, para acompanhar sempre cada militar.
Onofre que, se fazia acompanhar de um granada ofensiva, material de guerra que contra as regras, só viria a entregar no Grafanil, no fim da comissão, sem revelar o segredo, concluiu que agia acertadamente.
Os dias de folga eram sempre passados alegremente, das mais diversa formas, mesmo numa cidade que só tinha uma sala de cinema a funcionar apenas um dia da semana que, era de festa e um só café e um só café a trabalhar, para a tropa havia muito para entreter, até os dias em que se alinhava, em tarefas exteriores eram salutares, sobretudo nos fins de semana pois havia o A.R.A. onde se efectuavam bailes.
Era dali que emanavam os desportos, como o basquebol e outros, de que aquele clube, mercê do recrutamento no Esquadrão, passou a vencer tudo em que entrava.
Além, de muitos outros de grande qualidade, no 297 estava um dos grandes basquebolistas do Benfica de Lisboa, cuja mobilização interrompeu a carreira. Ainda havia o Sporting Clube do Amboim, também a beneficiar de grandes jogadores sedeados no Esquadrão da cidade.
Estar de ronda, um sargento a comandar, coadjuvado por um cabo e um soldado raso, serviço de vinte e quatro horas, dava para correr a cidade e aldeias de "sanzalas" periféricas, parar aqui, além e por aí fora.
Em dias de cinema, ou outros eventos, a ronda militar, era-lhe também destinado. Assistia-se à exibição de filmes, sempre de pé, nas alas laterais. Vários acontecimentos, lúdicos atraiam o tipo de serviço, que tudo procurava controlar com a sua presença.
Assim, se podia ir reparando no facto de estes acontecimentos serem apenas destinados a brancos. Os pretos presentes, serviam apenas nos serviços inerentes.
Chegados a trinta de Abril, um pequeno grupo, onde se incluía o Onofre, foi em socorro de um Jeepão que, emanando do Esquadrão, fora de serviço a Quibala e no caminho voltara-se.
Depois de tudo resolvido, só já na manhã de um de Maio, se deu o regresso ao aquartelamento, com duas grandes lebres, primeiro encandeadas com a luzes, a seguir caçadas com o rodado.
No mesma noite, depois de cozinhadas em pitéu à moda africana, foram servidas em verdadeiro banquete aos apanhadores e amigos mais próximos.
A onze de Maio, uma brigada com a inclusão do Onofre, foi destacada para recolher areia, objectivando obras no aquartelamento. Passando na possessão de um agricultor branco, este ofereceu um agradável lanche a todo o pessoal.
Num serviço de ronda, que tinha saído por escala a integração do Onofre, foi apanhado um delinquente, em virtude de ter rapinado setecentos Angolares a um colega do Esquadrão. Como mandavam as regras, fez-se a entrega do rato ás autoridades de policia local, sendo feita a recuperação. Estava-se a dois de Junho de 1963.
No Domingo seguinte, dia dez, veio à Gabela o Capelão, que estava no comando geral em Novo Redondo, celebrar missa por alma do primeiro defunto registado no Esquadrão, morto em combate, cujo corpo ficara a jazer no cemitério militar de Muxaluando. Voltou a registar-se uma jornada de grande consternação.
Em dezassete de Junho, assistiu-se a um jogo de futebol, num campo junto ao "muceque" do Aricanga entre a equipa local e a Cavalaria, tendo ganho obviamente, a tropa por 3 a 1.
A dezanove houve a visita do Comandante Militar do Sector, Brigadeiro Schult, ao Onofre coube integrar o núcleo de militares, que no pequeno aeroporto, guardava o avião que transportava a comitiva, pelo menos evitou o incómodo que é a presença, em formatura numa Guarda de Honra.
No âmbito das habituais festas da cidade da Gabela, houve uma oportunidade de poder assistir-se à exibição de um grupo folclórico, composto por nativos, que interpretaram modas portuguesas e angolanas, mostrando uma boa performance -se. Na sequência, além de muitas actividades lúdicas, assistiu-se a um encontro de basquete entre a Mocidade Portuguesa Feminina e a Masculina.
No dia sete de Julho, Onofre, foi convocado para integrar um grupo pertencente a um pelotão de nativos que, vindo do quartel de Nova Lisboa, estava presente no improvisado alojamento, adido ao Esquadrão.
Só o alferes era branco, de modo que sendo de praxe ter a companhia, nos serviços de um cabo com quem dialogar, assim acontecia.
Saiu-se de madrugada numa missão denominada de psico social. Estava muito frio, não obstante isto passar-se em África. O alferes já habituado, seguia agasalhado com uma manta, conselho que deixou.
Depois tudo correu bem, actuou-se na "libata" (quinta) do Nhuma, a razoável distância da cidade, depois de hasteada a Bandeira Portuguesa, com os dois brancos a fazerem de enfermeiros e psicólogos, ministrando vários medicamentos e verificando que aí o português, era uma língua ainda não assimilada, o que já deixara de ser estranho.
Por fim os titulares "Libata", sempre presentes, mandaram servir uma óptima churrascada, verificando-se que os militares pretos, tropa de segunda, como constava da própria lei militar, tiveram de comer espalhados pelo soalho da sala.
No dia seguinte, o Onofre foi chamado ao capitão, o que nunca constituíra problema para o visado,
Mais uma vez, a convocatória trazia bons augúrios, foi dito:
- O nosso alferes gostou da tua companhia e pediu-me para seres sempre tu a ir com ele, pensei que não te importarias e dei o meu aval. Houve cordialidade, ainda que vinda de um Comandante formado na Cavalaria, parecia elogiosa.
O Onofre por mais três vezes desempenhou com agrado aquelas funções, porque terminavam sempre com a inenarrável churrascada africana e jamais esqueceu a manta, para se agasalhar, nas frias madrugadas daqueles sítios.
No dia dezoito de Julho, o Onofre assistiu a uma sessão de cinema no Salão do "muceque" Aricanga, frequentado apenas por indígenas, onde os militares brancos, da classe de praças, passavam sempre alheios a qualquer tipo de descriminação. Foi exibido o célebre filme espanhol "A Rapariga das Violetas", com Sarita Montiel.
Chegava-se ao fim de Julho de 1963 e era voz corrente, ir formar-se um novo esquadrão a partir de todas as unidades do 350 e outro do 345, comandado pelo Tenente-Coronel António de Spínola, também no Sul, a que afinal tinha pertencido o grande 297, ainda no quartel de Estremoz.
Dos dois cabos especializados em metralhadoras pesadas, dizia-se que avançaria um, pelo que o Onofre, apesar de ser o mais antigo, como indicava o número, não duvidava que, a ser assim, por razões particulares de estratégia, seria o designado para outra grande aventura.
A vinte e três, realmente, foi substituído no paiol, onde tinha entrado de serviço, por ter sido escolhido para o tal esquadrão eventual 350, destinado ao território da Lunda Norte.
Na altura o comandante do Esquadrão viera a saber que em todos os serviços ao paiol era recorrente, haver quem se desenfiasse,
Reuniu todos em formatura, os que ficavam seus comandados para os informar que, a partir daí, qualquer faltoso seria punido.
Sabendo, como a comandante Alves Ribeiro actuava disciplinarmente: Quando avisava, esquecia todo o passado, daí para a frente era como "S. Vicente não perdoa a são nem a doente", ouvindo um cabo "tipo chico esperto", ainda com pouco tempo de Esquadrão, com tarimba de cidade dizer que, não seria bem assim, o Capitão não podia ver tudo.
Ao mostrar tanta insensatez, mesmo depois de aconselhado, acabou por ser o primeiro, quiçá o único, a apanhar os respectivos dez dias de prisão, cujos efeitos em clima de guerra, só se faziam notar, no acto de receber o pré, visto esses sairem brancos, para o efeito
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sexta-feira, 9 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 15

A CIDADE DA GABELA
Tinha chegado a altura de todo o Batalhão 350 regressar, por dois dias, ao Grafanil, local de passagem para Quanza Sul, onde ia estacionar em serviço e ao mesmo tempo gozar, como de um prémio, pelo tempo em operação a Norte, onde se estava a desenvolver o terrorismo, uma das causas próximas, que vieram a originar a Revolução de Abril de 1974.
Ainda a sete de Abril de 1963, toda a gente, mormente o pessoal do Grande Esquadrão, em formatura ouviu ordens e boas palavras do respectivo comandante, para gozar bem, a breve estadia na cidade de Luanda. No mesmo dia em que o Onofre, com a sua camaradagem, experimentou as delícias de um jantar num bom restaurante da cidade, a mesma que num exame de instrução primária, naquele tempo chamado de segundo grau fazia lembrar, complacentemente na oral a certo examinando, a capital de Angola com o trocadilho - "terra onde a lua-anda".
No dia seguinte, deu para verificar, que o inóspito Grafanil de Janeiro de 1962, em que eram estreadas as primeiras casernas, em 1963 podia ser visto como uma grande cidadela.
Já não havia carros civis a parar a toda a hora, junto aos portões, prontos a transportar soldados disponíveis até à cidade, nem as camionetas militares, a hora certa, para condução do pessoal que desejasse passar as horas de folga nas delícias da civilização.
Havia casas de banho, em lugar de sentinas e ainda duas salas de cinema a funcionar diariamente e como a exigência se avolumara, lá se formavam carreiras regulares de "maxibombos" (autocarros), para a terra que os militares estavam a transformar numa novíssima "Somorra", bem enquadrada pelo Atlântico, naquela baía africana linda de morrer.
No dia seguinte ainda se dormiu em pleno Grafanil e como, ao fim e ao cabo, o que havia ali mais a fazer, era gozar o máximo na capital portuária da África Ocidental Portuguesa, foi esse o estímulo que cada qual concedeu a si mesmo.
Na madrugada do dia nove, por terminado o efémero idílio, o Esquadrão retomou a sua rota para o concelho do Amboim, com a capital sedeada na cidade da Gabela, onde estacionou o grosso, com o comando.
Para o Onofre, toda a novidade era aventura, estava a dar-se uma nova fase da mesma, para o que contribuía, todo aquele magnífico cenário africano.
Do Grafanil passou-se pelo Dondo, onde teve lugar o almoço, depois aproveitou-se para uma visita à famosa barragem de Cambambe, donde se seguiu viagem até Quibala, com a passagem da noite, em cima das caixas de camionetas civis, com algum frio, a parecer estranho em África, além da habituação, em contraste adverso no norte.
Às quatro da manhã seguiu-se até ao destino, a cidade da Gabela.
Na entrada do que sendo uma cidade ainda nova, não deixou de se anotar, o desencadear de uma chuvada, que obrigou toda a tropa a ter de esperar que secasse o trilho de terra batida, que provia o seu acesso, para conseguir percorrer as poucas dezenas de metros que levavam ao primeiro edifício, a servir de quartel, enquanto a companhia a substituir se encontrava instalada noutro local, com o fim de transferir o material e naturalmente a missão.
O contingente substituído, mesmo a nível de praças novas experiências transmitiu.
A grande e interessante surpresa, tinha a ver com as facilidades encontradas no relacionamento com mulheres,
Ainda estava longe de ser conhecida a revolução sexual, que já era factual por aquelas paragens.
Agora, com a acomodação no edifício, que fora um antigo presídio colonial, cujos desterrados, da metrópole motivaram, dizia-se, a fundação da Gabela, apontava mesmo a origem de alguns comerciantes estabelecidos, o próprio Onofre tinha tido como companheiro de trabalho, um ex presidiário que fora parar naquele desterro.
Estava-se pois, na capital do Amboim, na província do Cuanza Sul, uma das zonas agrícolas mais ricas de Angola. Além de muitos "arimbos" (fazendas), onde se cultivava uma das melhores variedades de café do mundo, integrava a grandiosa C.A.D.A. - Companhia Agrícola do Amboim, servida por comboio até à vila de Porto Amboim, na orla marítima, com o seu porto para escoar a grande produção verificada.
Após a definitiva instalação, os militares, tudo jovens rapazes, evidentemente -"com eles nem o diabo quer relações" - começou a ser posto em prática tudo o que ali se tinha á aprendido, extra obrigações militares.
Em breve, cada qual tinha a sua lavadeira num dos "muceques" (aldeias de sanzalas) periféricos e a consequente "cubata", onde passar a noite comunhão idílica, com a preta, que passara a tratar da sua roupa.
Tudo se iniciava assim:
- Queres ser a minha lavadeira?
- "Eu querer minino, mas só lavar roupa, pés não lavar, não ser dessas"!...
Era a deixa essencial, para a mulher se fazer conquistar, pois nessa mesma noite já a "cubata" estava à disposição para o lava-pés, uma maneira mais airosa de referência ao acto sexual.
Assim quem não tinha o nome na ordem de serviço, podia ser encontrado a passar a noite numa das "palhotas" do bairro Sousa ou do Aricanga em companhia feminina.
Chegou o Dia de Páscoa, a catorze de Abril de 1963 e a escala de serviço, apontava a nomeação do Onofre para Cabo de Dia, o que dava como consequência o ficar a exercer um serviço interno ao Esquadrão, provocando a impossível de saída, facto que diferenciava bem o tipo de trabalho, em quartel de uma cidade, em que tudo podia ser programado, ao invés do exercido em pleno local de intervenção de guerra, onde a ordem podia ser alterada, pelos mais variados imprevistos, causados por alertas, que poderiam surgir a qualquer momento.
De qualquer modo, a estabilidade era uma nova evidência a que todo o pessoal se estava a adaptar, entre o exercício dos mais variados serviços e os dias de folga, em que se podia visitar a cidade, estar no único estabelecimento de café existente, ir à sessão semanal de cinema, ou a jogos de campeonatos distritais disputados no A.R.A. - Associação Desportiva do Amboim, à piscina municipal e ao interessante Mercado Municipal.
Ao domingo, uma das opções, era a visita aos "muceques" que se situavam em redor da cidade, sobretudo ao do Aricanga, que dispunha de uma sala de cinema, destinada a índigenas, mas em que os militares, da classe de praças, não menosprezavam assistir à sessão domingueira.
Também se voltara tornar usual ir dominicalmente à missa, na bonita Catedral da cidade.
A dezasseis de Abril o Onofre, por escala, constituiu um grupo de serviço de patrulha, como sempre, composto por três elementos: Sargento, cabo e soldado raso, montados em Jeep, a tarefa era vigiar tida a cidade, em que se incluiu a Roça dominada por Covil do Perigoso, onde foi oferecido um lanche aos militares, com a inclusão de umas "cucas" fresquinhas que foram divinais, num dia que se apresentava tórrido.
Das tropas estacionadas na Gabela, faziam parte núcleos militares, nas vilas de Quibala e Porto Amboim, daí que surgissem também viagens de serviço, normalmente transporte de informações, necessárias a todas as redes de operação dos exércitos.
Em vinte de Abril um Jeepão com pequeno grupo de militares, onde ia integrado o Onofre, foi designado para se deslocar a um desses destacamentos, em Porto Amboim: A operação acabou por se gorar, devido a uma tempestade que passara pela zona, fragilizando ainda mais, uma velha ponte de madeira do caminho, que não aguentou a passagem da viatura.
A tropa, com o seu próprio esforço, conseguiu retirar o veículo. Mesmo assim a missão ainda seguiu em frente até ao grande colosso da C.A.D.A. onde se almoçou o inefável pacote de ração individual de reserva.
Depois o comandante, um sargento, devido ao dilúvio que por ali tinha passado, verificou não haver condições de prosseguir a viagem e optou pelo regresso à base.
Ficou contrariado o grande desejo aventureiro do Onofre, de lhe calhar em sorte uma missão à vila portuária de Porto Amboim, mas mesmo assim, detectou motivos de nota.
A determinada altura, estava-se como que sem orientação. Abordado um nativo, à pergunta:
- Porto Amboim, ainda fica longe?
- Fica sim!...
- Feita a mesma, ao contrário, Porto Amboim fica perto?
- Fica sim!...
A interpelação foi feita a outros transeuntes nativos, sempre com o mesmo resultado.
Ficou logo a certificação, que os indígenas a viver mais afastados dos centros dominados pelos colonos, só sabiam alguns monólogo da língua portuguesa.
Verificou-se o grande desenvolvimento agrícola, que realmente existia na Província do Cuanza Sul , pois grande parte do caminho estava bordejado de laranjeiras, que na circunstância e com a colaboração do condutor, a acção dos militares fazia juncar de laranjas o estrado da viatura, que depois transportou para o quartel, tudo executado em andamento.
Anotou-se posteriormente, que as missões seguintes, do Esquadrão à vila da beira-mar, foram feitas no comboio do Amboim.
Ouvir descrever as peripécias de quem efectuava a viagem era, como que, ouvir um conto de aventuras.
Cabe descrever o elevado tempo gasto, para andar, naquele comboio, cerca de cento e vinte e quilómetros de linha, ida e volta. Tinha de andar em volta de uma montanha, por onde passava, ainda próximo dos laranjais.
Dava o tempo necessário, aproveitado nas calmas, para encher o bornal de frutos daquelas árvores e depois de devidamente abastecidos, voltar a tomar o lugar na viatura do caminho-de-ferro.
Estava-se perante parte do folhetim da vida que se oferecia a quem estacionava em serviço militar na Gabela.
Isto e muito mais, fazia o Onofre, oriundo de meios modestos, recordar o título e o conteúdo do livro de Camilo Castelo Branco - "Riquezas do Pobre e Misérias do Rico"!...
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 7 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 14

O MÍTICO MORRO
DA PEDRA VERDE
No dia cinco de Abril do longínquo ano mil novecentos e sessenta e três, todo o Batalhão espalhado por Fazendas na vasta região dos Dembos, a norte de Luanda, deixou essa zona de intervenção, para depois de cumprido ali o tempo de guerra, se ir instalar mais a sul, onde o serviço era destinado apenas a salvaguardar, com a sua presença, a soberania portuguesa no território, enquanto se ia dedicar a uma acção psico social mais calma.
A verdadeira aventura do Onofre, começou logo nessa manhã, no corredor entre o Tari e o Mucondo, num sítio onde se evidencia uma curva, a ideal para os terroristas da UPA planearem uma emboscada ao Esquadrão, de modo que durante quarenta e nove minutos, estalaram inúmeros disparos, por parte das tropas atacadas em movimento.
Pela única vez o Esquadrão se viu envolvido num ataque de tal envergadura. A estrada tomava o aspecto de uma verdadeira batalha, em que o armamento disponível era desusado, mesmo para o tipo de guerrilha a despontar, já que era o proveniente da substituição, composto por Mausers e metralhadoras ligeiras.
Onofre, especialista em metralhadoras pesadas, do que sempre fora acompanhado, foi com certa surpresa, a destreza evidenciada, primeiro com uma espingarda Mauser, depois como ajudante de uma ligeira, já que o respectivo apontador, a trabalhar individualmente com aquela arma, por muito bom que fosse e provou-o, a funcionar como atirador e a municiar, não podia extrair o rendimento devido.
A nova dupla acabou por funcionar em pleno. Parecia que tinham treinado juntos a acção, pois o fogo a sair do cano da arma passara a ser muito denso.
O ataque acabou por ser mais longo do que o conhecido, usualmente, em que a técnica usada era o "bate e foge"!
Aquele, porém foi muito vasto, porque era a retaliação reservada ao 297, uma vez que o Esquadrão tinha sido considerado, pelo inimigo, como inacessível, ao poder militar da força terrorista da região.
Ao avaliar os estragos, houve quem subisse de novo às camionetas e ainda visse fugitivos muito ao longe, a lei da balística contrariava as hipóteses de os atingir, não obstante ainda saiu bastante tiroteio, á mistura com contundentes imprecações direccionadas aos "turras" em debandada.
Aconteceu uma verdadeira tragédia de guerra, que se irá contar sem truques de ficção, como é recorrente desta narrativa.
Começa pelo Comandante do Esquadrão, Alves Ribeiro, a subir à camioneta civil, principal acidentada, porque terá entrado na zona mais nevrálgica, atingida por uma granada incendiária. Transportava
Onofre sempre atento a todos os pormenores, que alcançasse pôde testemunhar esse verdadeiro acto de bravura, deixando assim de ficar ignorado, como muitos outros o foram nas últimas campanhas militares, que a juventude protagonizou durante cerca de treze anos em África.
Foi uma grande odisseia este cinco de Abril, porque se passava o dia mais marcante em más recordações, para todos os intervenientes do Grande Esquadrão. Transportava apenas sacos de campanha e algumas, Mausers.
Quando ainda não havia total conhecimento da dimensão da batalha, em relação à força militar, de outro lado, pode considerar-se actuação de bravura a do soldado Dimas, que com as muitas imprecações evidenciadas, a esvair-se em sangue dos membros inferiores, continuava a disparar, tiro a tiro, com a sua Mauser, em ritmo frenético no abre a culatra, fecha a culatra e dispara.
O Dimas, já depois de passada a mobilização, ainda se encontrava em Lisboa, a receber tratamento no hospital militar, o que aconteceu durante muito tempo, acabando por ficar com um certo grau de invalidez.
No terreno, muitas observações podiam ser apontadas. O transporte era efectuado por viaturas alheias a serviços de guerra, em campanhas militares. Não obstante a Companhia de Transporte Militares Elefante, que também participava, com camionetas blindadas, ostentando o paquiderme como emblema, a torná-la muito conhecida nos meios.
Debaixo de um desses, um furriel pertencente, com o bronzeado de verdadeiro veterano, manejava a sua arma automática com grande destreza e a escorrer muito sangue pela testa. O Onofre quase lhe rezara pela alma, mas felizmente não era caso disso.
Verificou-se que tinha sido atingida, mas só de raspão, o suficiente para sangrar e o deixar marcado por levíssimo ferimento sem consequências.
Um sargento falava para um gravador as suas impressões relativas ao momentoso acontecimento.
Perto, o Onofre sempre acompanhado dos inseparáveis papéis e caneta, também tomava as suas notas, para quando possível, adicioná-las ao seu Diário.
Com razoável rapidez chegaram meios aéreos, já desnecessários, mas não deixando de marcar presença com o despejo de alguma artilharia.
Chegou a altura de conferir, não só a devastação, mas tomar conhecimento de outros casos, como o espantoso do Alípio, atirador cuja formação profissional e dotes foram aproveitados para tarefas administrativas.
Por não ter chegado a pertencer à tropa de guerra, foi-lhe destinado lugar ao lado do motorista numa viatura civil. O condutor foi abatido, ao atirar-se para o chão.
Presume-se que o lado do Alípio também estava no ponto de mira - abria a porta e seria mais uma baixa mortal. Tal não aconteceu, o militar mostrando um coeficiente de inteligência muito elevado, saltou para o lado contrário, ainda que, por cima do cadáver.
No momento seguinte a outra porta da mesma viatura, que não se abrira, foi cravejada de balas!
Anotadas as respectivas baixas, cifravam-se em seis mortos, entre eles o condutor civil e doze feridos.
Reparadas as viaturas acidentadas pela violência, eram quatro horas da tarde, o pessoal apenas tinha ingerido um madrugador pequeno-almoço e assim foi retomado o rumo.
Uma viatura transportava os cadáveres a sepultar na Fazenda Mucondo, os feridos já tinham sido evacuados, por helicóptero para o Hospital Militar de Luanda.
O dito - " um mal nunca vem só" - nunca terá sido tão bem adaptado. Depois de tudo resolvido reiniciara-se a marcha e por ser época de tempestades tropicais, desatou a chover e ao contrário do habitual, a chuva, durou até ao dia seguinte, o que causava enorme lentidão dos transportes.
A certa altura, chegou-se à ex povoação do Quicunzo e houve necessidade de ser mudada a estratégia da progressão.
Em resultado, a viatura que transportava a esmo, os corpos dos falecidos, passou a formar uma coluna avançada, com escolta própria a que foi adicionada uma outra força, incluindo o próprio Onofre, que nessa noite de seis de Abril, ainda esteve em movimento, andando apenas alguns quilómetros, até se chegar á fazenda Bombo, onde se esperou pela restante componente daquele movimento militar.
O Onofre, mesmo sempre debaixo de chuva, talvez por estar esgotado das muitas emoções, dormiu profundamente, na camioneta civil de caixa aberta, em que viajava armado, no serviço de guarda aos cadáveres.
Chegada a coluna, que tomara a dianteira, à grande cantina da Fazenda, cessara a chuva e a vontade de ingerir alimentos, em virtude de prolongado jejum até os produtos menos atraentes se esgotaram, pelos componentes daquele grupo avançado, que acabou por ignorar o conjunto das muitas unidades militares que o antecediam.
Com a melhoria, evidente das condições atmosféricas, após ser feita a junção das tropas naquela Fazenda.
Foram então os feridos evacuados e a coluna passou a seguir de novo unida até ao próximo acampamento militar, o Mucondo, onde estacionara um outro esquadrão da mesma Cavalaria.
Já a sete de Abril os mortos, com a assistência militar disponível, ficaram ali sepultados.
De seguida, foi retomada a ida para o Grafanil - Luanda.
Aquela viagem de tragédia, iria passar por estrada alcatroada, trabalho de engenharia militar, coisa que durante treze meses esteve vedada à maioria dos militares que compunham a coluna, como se estivessem a entrar no éden do planeta terra.
Rumando em estrada pavimentada, logo quase de inicio, deparou-se à esquerda o morro da Pedra Verde, agora pacificado e altaneiro, como um ícone dos alvores do terrorismo, tomado nos mesmos tempos, com os foros de heroicidade e a mesma euforia verificada com a reocupação de Nambuangongo.
No mesmo dia, finalmente, por todo o Batalhão perpassava a alegria do regresso a conhecidas terras de Luanda, capital da Província.
Ia dar-se começo a nova fase da grande aventura do Onofre.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

segunda-feira, 5 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 13

COMUNICAÇÕES OPERACIONAIS
Todas as tropas regulares apresentavam serviços de Transmissões, assim como as companhias militares eram acompanhadas de grupos próprios de comunicações.
O Esquadrão, que era denominado pelo número 297, não podia estar fora de tão elementar regra e apresentava o seu grupo, comandado por um sargento especializado, com curso militar próprio.
Além do responsável, o núcleo era composto por outros especialistas entre soldados e cabos onde, um era formado na decifração de mensagens codificadas.
Da parte da UPA, o grupo opositor, na altura e na região, forçosamente, tinha os seus modos de comunicar entre as diversas posições e comandos, estes normalmente situados fora das fronteiras do território.
Com a colaboração do "arrependido" Lopes Cabanda, conhecedor da zona envolvente, suas picadas e respectivas movimentações, numa operação concebida para capturar dois elementos que serviam de "correios", no caminho a percorrer na execução rudimentar daquela normal missão de transporte de informações.
Sob o comando do alferes Ribeiro, o seu pelotão levou a cabo a missão de capturar os dois elementos encarregues da importante tarefa.
A determinada altura surgiram dois vultos, personificando o motivo da emboscada, À ordem de paragem não houve cedência tanto bastou, para que, uma saraivada de balas das G3, perfurassem ambos á altura do tronco. Como será de imaginar, vieram a tornar-se em mais duas baixas infligidas aos rebeldes.
A parte interessante do episódio, foi um dos protagonistas do tiroteio, que tinham chegado ao Esquadrão na zona operacional, por castigo e consequente expulsão aplicados na origem
Um deles, talvez já por deformação, apresentava ares de verdadeiro terrorista, mas todos deram na presença dos ainda moribundos, uma de bonzinhos, exclamando!... "Levantam-se que a tropa é amiga e trata bem os doentes"!...
Obviamente, não demorou muito a que se registassem as duas baixas.
A operação foi concretizada dentro do previsto.
Só que depois de geralmente conhecidos os contornos, chegou a ocasião de ser encontrado ali um motivo de piadas de divertimento e os protagonistas principais, durante algum tempo ouviram, com gozo, a glosa:
- "Levanta, que a tropa é amiga... pum... pum... pum!...
Coisas, que iam aparecendo e serviam de motivos de brincadeira, no obrigatório isolamento, davam o passar mais despercebido.
Deve estranhar-se esta operação ser considerada importante e de êxito total, mesmo só com as baixas dos dois únicos "turras" emboscados, por todo um pelotão de cerca de trinta homens. Como todas as outras eram sempre de fraca produção, assim determinava a própria natureza do conflito, levado a cabo sempre em meio dominado por uma exuberante vegetação.
A quinze de Fevereiro, uma coluna do Batalhão, sedeada na Fazenda Mucondo, em deslocação para Muxaluando, no caminho sofreu um ataque de apenas um tiro, dirigido a um Jeep, transportando o alferes Ferrão, no comando da coluna.
Foi este oficial a baixa registada, já no posto médico do Tari, depois de ser tentada a reanimação.
Os guerrilheiros da UPA estavam a entrar numa táctica selectiva, a coberto da vegetação: Um tiro, uma baixa, visando normalmente o militar de patente mais elevada, que seguia no Jeep da frente, que embora blindado, passava a ser o alvo a atingir.
Chegara uma nova fase da insurreição! Tinha entrado em acção o que depois veio a ser referenciado por "mata alferes", o desertor do exército português António Fernandes, no aproveitamento da sua excepcional pontaria.
No dia vinte e três ainda em Fevereiro, reuniu em formatura o Grande Esquadrão para ouvir a leitura, pelo próprio Comandante, de um louvor colectivo que lhe fora atribuído por relevantes serviços, pelo comandante em chefe de Batalhão.
Nesta altura já o jogo de cartas, com imensa pena do Onofre, era outro, o do "abafa", talvez por influência de novos elementos, das várias proveniências, que foram chegando ao Esquadrão, normalmente na sequência de castigos, por ser zona de intervenção e naquele tempo a considerada de maior perigosidade.
O novo modelo de jogo tornava-se perigoso, pois via por vezes, boas somas de Angolares em cima da banca, era mesmo brincar com o dinheiro. Já não era para "intelectuais", como o Onofre que se poderia considerar um bom jogador de sueca, visto memorizar as cartas saídas, pelo que com com os trunfos divididos, como se dizia, ele e o Picão ganhavam sempre.
Outra coisa recorrente, até depois durante toda a comissão, foi o reparar-se serem os frigoríficos alimentados a petróleo, onde uma torcida acesa provocava o funcionamento do motor, a gerar o frio, tal como eram alimentados os candeeiros a alumiar ainda as casas da maioria das aldeias metropolitanas.
Em zona de mato os indispensáveis serviços eléctricos eram da proveniência de potentes geradores.
Chegados a seis de Março, em mais uma acção levada a cabo por tropas do esquadrão de comando, houve a baixa de um furriel, havendo ainda a assinalar o ferimento de um soldado.
Idas a Nambuangongo e à Fazenda Beira Baixa, em conjunto com outras continuavam. Algumas vezes, tendo-se como alimentação as caixas de ração de reserva, concebidas como uma refeição substancial, o que não se podia negar, mas por demasiada utilização, eram detestadas.
Entre os mais variados serviços de escoltas, por todo o género de picadas, sobretudo dentro do capim, mais alto e a sobrepor a própria viatura, chegou mais uma a dezanove de Março, a acompanhar camaradas de regresso de mais uma operação, em que não foi avistado qualquer elemento da insurreição.
Mais uma vez chegara o tempo das grandes tempestades tropicais, muito visíveis, por se tornarem frequentes naquela zona Norte de Angola, entre os inúmeros casos cita-se o de um dia em que integrado numa escolta a Muxaluando, Onofre e camaradas chegaram ao Tari pela noite dentro, denotando a falta de jantar.
Aí revelou-se a atenção do comandante do Esquadrão, Alves Ribeiro que, vindo a acompanhar via rádio, a penosa progressão da coluna, recebeu os comandados e assistiu ao jantar, mandando distribuir bagaceiras e cafés, no fim, a todos os que viveram a odisseia.
Aconteceu mais a demora porque, uma camioneta GMC, como se tornara habitual, para aguentar eventual impacto de minas, encabeçara a coluna e ao passar por uma subida bastante inclinada, face ao terreno empapado da persistente chuva dificultava extremamente a progressão.
A vinte e sete de Março chegou, finalmente uma companhia a render o Esquadrão do Lifune Tari.
Em vinte e cinco ainda foi feita uma escolta de viaturas civis, pela esquadra da Breda e elementos do respectivo pelotão a que pertencia o cabo Onofre, à Fazenda Mucondo.
Como o dia se apresentava ainda chuvoso, por aquelas verdadeiras veredas, o serviço numa extensão a rondar os trinta quilómetros ou seja sessenta, ida e volta demorou todo aquele dia.
Logo no seguinte começava, de facto a tão almejada rendição com a entrega da metralhadora pesada montada em Jeep blindado.
A verificação do contador de quilómetros, deu que Onofre e colegas especialistas daquela unidade pesada, porque tinham tomado conta da viatura com zero quilómetros, pudesse ver haverem percorrido naqueles terrenos dos Dembos cheios de irregularidades, cerca de oito mil quilómetros.
Até então só tinha pressentido três tiros, de canhangulo.
Tão dissuasora arma era trocada por uma espingarda Mauser, para servir no que a revelar-se na mais atribulada viagem, o regresso a Luanda, com destino posterior a uma região livre de terrorismo.
Ainda no dia vinte de Março objectivando uma cerimónia do render, com certa dignidade, elementos do Esquadrão fizeram o acompanhamento da nova companhia a uma operação, de que resultou uma baixa de uma baixa rebelde e a apreensão da respectiva arma.
Já a quatro de Abril formou todo o Esquadrão, afim da formalidade militar de cumprir a praxe de prestar honra à Bandeira Pátria, descerrada de seguida, visto que, no dia seguinte deixávamos definitivamente o Lifune Tari.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sábado, 3 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 12

TRÊS-MARIAS – LUACA
Um pelotão, vindo do quartel de Nova Lisboa, estava estacionado na Fazenda Três-Marias, objectivando fazer parte da logística do Esquadrão 297.
Não estava enquadrado com armas pesadas, pelo que logo do comando operacional, avançou para a nova força com essa componente.
A catorze de Novembro, a nomeação chegou ao pelotão a que pertencia o Onofre, para preencher essa lacuna, com o consequente novo destacamento da respectiva esquadra.
A metralhadora pesada Breda, era como que indispensável, em qualquer aquartelamento, em virtude da eficácia que lhe era atribuída.
O serviço nunca precisou de mudar, a vigilância nas viagens entre as Três-Marias e Tari, sempre em todo o caso actividades dissuasoras, era no fundo uma das missões obrigatórias, levar a cabo naquele terreno.
Assim, no dia dezoito, ainda no mês onze, deu-se a primeira deslocação à Fazenda sede do Esquadrão, foi a oportunidade de, pelo apelidado "jornal de caserna", serem postos em dia acontecimentos de toda a índole, a informação era indispensavelmente desejada.
A vinte e dois de Novembro a rádio difundiu o estranho assassinato em Dallas, do Presidente dos Estados Unidos. Era Jonh Fitzgerald Kennedy, exactamente o governante, de uma das maiores potências mundiais. Onofre muito dado a estados nostálgicos, apenas por pensamento, porque nunca divagava para além de se questionar sobre o andamento dos acontecimentos, mesmo de âmbito mundial.
Foi assim que nesse dia, logo concluiu que a guerrilha iria durar mais alguns anos, porque desaparecera um governante de muita influência nas políticas mundiais, mostrando de várias formas, da sua aversão ao colonialismo, porque continuava a motivar o racismo.
Entre as operações de caçadas, sempre infrutíferas, parecia que a guerrilha com os muitos tiroteios, também tinha afastado os animais de caça, que só uma ou outra vez se deixavam ver, a não ser o caso de se apanhar de uma ou outra pacaça, a servir de rancho, onde se verificou ser de carne dura.
A nomeação para serviços, mesmo os dedicados à caça, que poderiam ter a conotação de lúdicos, sempre eram rodeados do necessário aparato militar e bélico, permanente indispensável.
No dia cinco do décimo segundo mês de 1962, soube ter-se a lamentar mais três baixas no esquadrão do comando.
Na Fazenda Três-Marias as deslocações eram em menor quantidade, houve algumas a Quimanoche, para trazer materiais destinados a melhorar aquelas instalações paramilitares.
A maior parte destinavam-se a viagens ao "velho" Tari. Nessas, mais uma vez se reparou na habitual passagem, por um grupo de árvores, em que podia ser observada a graciosidade dos macacos, tipo saguins, que se exibiam entre pequenos ramos, executando um espectáculo inolvidável.
Aquele género de símios, eram já conhecidos em cativeiro na metrópole, mas vistos no seu babitat natural, em grandes grupos era diferente, deveras interessante o seu equilíbrio e como os ramos, mesmo os de diminuto porte os suportavam!...
Dos muitos quilómetros percorridos, só ali se encontrava a espécie.
Foi também, relativamente perto, na fazenda Lifune, onde se podia ver um desses exemplares em cativeiro, que se havia tomado conhecimento da forma de apanhar vivo um desses buliçosos animais.
Munia-se o caçador de uma cabaça previamente tornada oca, com algumas pevides no interior, uma cavidade própria onde o símio pode deitar a mão ao petisco, de que é extremamente guloso.
Sendo um tipo de animal com características de muita esperteza, nesse particular é incapaz de intuir que, só largando as sementes, que apanhara, tornando a mão maior do que o buraco, por onde a fizera entrar, se conseguirá libertar.
Como teima, em não largar o pecúlio e em manter-se na posse do mesmo, facilmente é apanhado vivo pelo caçador!...
Foi na posição Três-Marias que se festejou o Natal de 1962, houve diferença, em relação a outros dias, o rancho do jantar, constituído por galinha corada, foi melhorado, tendo em conta a degustação, no fim um bom brandy.
A apoteose esteve a cargo dos militares nativos, com a execução de um batuque que durou até alta madrugada.
Chegou o fim de 1962, com tempos passados perto do rio de referência, do nome da Fazenda, o Luaca vagueava perto, entre inolvidável paisagem, com inúmeros fraguedos, várias vezes visitado para banhos, com o indispensável acompanhamento bélico, para fazer face a qualquer surpresa.
Nada aconteceria, por aqueles sítios de ataques armados, houve dias em que o labor se resumia a leitura e... "esperar com impaciência as horas da comida"... mais ou menos, como o escritor se referiu a um frade, cuja frase é pouco abonatória, para a espirítualidade do pastor de almas, onde era citado, em criação, Frei Januário,
Um de Janeiro de 1963, entrava-se num novo ciclo anual, para lembrar o Dia de Ano Novo, o rancho foi apresentado com uma soculenta carne, proveniente de matança de porco, um bácoro que por sorte tinha sido apreendido algures em posição terrorista.
A sete do primeiro mês de sessenta e três, o Esquadrão, sempre em serviço, numa das habituais batidas de limpeza, viu-se obrigado a infligir várias baixas, além de que capturou dois rebeldes.
No seguinte, doze, em mais uma batida, numa outra operação, novo êxito em baixas humanas, no campo terrrorista e a captura de vários elementos, entre eles dois considerados muito perigosos e activos.
Por esta altura, o Major Caldeira, entretanto Comandante interino do Batalhão de Cavalaria 350, em virtude de baixa por doença do Tenente-Coronel Costa Gomes, que logo mostrara aversão ao Esquadrão 297, já que o mesmo tinha sido formado de outra incorporação anterior, considerado mais apto, em virtude de ter passado três meses, adido ao Regimento de Infantaria, na cidade de Faro, onde esperou embarque, sempre em preparação militar adequada à guerrilha, o que bastava para detestar qualquer soldado que informasse ter passado aquele tempo adido no sul do país.
Porém, o Major com as provas da acção no terreno, com o notável comando operacional, um dia foi ao seio do Esquadrão para participar numa batida, uma vez que era, agora para ele, no Tari que havia guerreiros a sério.
Lá foi fazer parte do que seria uma grande operação, comandada por um alferes que, talvez por ser familiar do General Governador de Angola, estava a preparar a sua desvinculação do serviço militar.
Esta terá sido uma das circunstâncias do relatório a mencionar a impraticabilidade de prosseguir a operação, por o inimigo se apresentar com efectivos bastante superiores às tropas, que este comandava.
Assim, o Oficial Superior, em Comandante do Batalhão nada viu, porque quem competia conduzir a acção, recusara manifestamente a sua cumplicidade.
Como epílogo, diga-se sem receio, "farsa fardada", o Major Caldeira, o tal "pai da cuca", em conjunto com o Capitão Alves Ribeiro, criaram problemas ao alferes, que depois de deixar o Esquadrão, já estando no aeroporto pronto a embarcar para a metrópole e ver-se livre do serviço militar, acabou nas fileiras, mais propriamente no R.I.L - Regimento de Infantaria de Luanda, que também funcionava como depósito de Adidos, por mais algum tempo.
No fundo, o Onofre apesar da natureza de aventureiro e de ser dado a muitas reflexões, já tinha reparado no caso de, como militar, não ter permanecido mais de três meses seguidos no mesmo local.
No dia vinte de Janeiro, à passagem das onze horas de Domingo, a tropa conheceu um alerta de se manter preparada para qualquer eventualidade, pois havia chegado denúncia, via rádio de aproximação de novas actividades terroristas.
Não havendo algo de anormal, chegou a altura de baixar a guarda.
Na Fazenda o pólo vivencial das actividades, civis de laboração, distava quinhentos metros do núcleo do aquartelamento militar e era cercado de arame de cobre, de noite ligado à electrificação, para uma primeira defesa. Inúmeras vezes ali se encontravam serpentes electrocutadas, ficavam presas. Mais nenhuma espécie do reino animal conheceu ali o seu fim.
A catorze de Novembro, exactamente dois meses, após a chegada à Fazenda, que se situava perto do Rio Luaca, a guarnição de apoio ao pelotão que viera da cidade capital do Huambo, Nova Lisboa, foi rendida por outra de colegas do mesmo Esquadrão.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA