quinta-feira, 31 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 8

SANTA ENGRÁCIA

O Bairro da Graça, na sua vetustez, pertence á freguesia de Santa Engrácia. Com outros limítrofes, formam um conjunto da Lisboa antiga, digna de ser visitada demoradamente.
No Largo onde se formavam os carros eléctricos, um dava a volta partindo, para o Norte e outro para o Sul ambos, no se vai e vem, em jeito de circunferência por Campo de Ourique. Tinha sempre encontro marcado, em cruzamento, com partida daquele local, passando no Largo do Calhariz, que fica paralelo à Travessa das Mercês.
A caminho do trabalho, João Moisés sempre passava por ali, onde se formavam havia taxativamente muita gente a acotovelar-se, esperando a chegada de um veículo de transporte, depois uma interessante luta para entrar.
Decididamente, após andar cerca de mil e quinhentos metros para chegar aquele ponto, achava mais prático e rápido descer a Calçado do Monte e fazer todo o trajecto locomovendo-se a pé até ao escritório, nos confins do Bairro Alto.
Nesse trajecto atravessava todo o Rossio onde podia ver as letras luminosas do edifício de funcionamento de uma livraria de Diário de Notícias, no mesmo se projectavam essas a dar algumas notícias do dia. Uma espécie de Internet desses tempos. Já ouvira referenciar antes a notável cena.
Estava a morar numa casa onde, com um simples assomar à janela, usufruía a grande luxo de avistar o Tejo, mas a Graça continuou sempre a conter no seu perímetro muitos mais sítios do maior interesse, como o Museu da Água, na Rua do Alviela, à Calçada dos Barbadinhos.
Na freguesia vizinha de S. Vicente de Fora, fica a Igreja de Santa Engrácia do famoso Panteão Nacional. Na altura pelo facto da velha expressão, em certos casos de lentidão dizia-se muito: “É como as obras de Santa Engrácia”!... De facto a sua construção teve início em 1862, no lugar de uma antiga capela com a mesma designação e por vicissitudes várias, só terminou no ano de 1966.
Muito estará por realçar daquele outro centro de Lisboa, como o famoso Largo da Graça, situado numa das colinas da cidade com os seus com os seus naturais miradouros.
Na altura e ainda por muito tempo funcionava ali o grande Quartel da Graça, perto do Miradouro do mesmo nome.
Começa aí a Calçada do Monte, mais propriamente uma rampa que leva à Mouraria, seguindo depois para a Baixa.
Aproximava-se o fim da morada naquela distinta zona, que tem também como vizinhança a velha Alfama, por via de um futuro casamento. Viver a dois, segundo a lei da Santa Madre Igreja e a tradição, era a maneira libertária de se poder viver com uma mulher e gerar filhos, com a aprovação dos deuses.
O frenesim da cartomancia e as pressões tentaram influenciar as escolhas. Jogavam-se boas indicações económicas efectivas ainda, com laços familiares, mas a Rosário tornara-se coisa séria, a levar até ao fim do mundo.
O João Moisés cortara com todas as hipóteses, onde houvesse dúvidas sobre a “honra feminina”, uma condição que lhe era muito cara!... Usava-se!...
Assunto arrumado, o pensamento continuava no trabalho e nas muitas incidências no seio do mesmo, sobretudo no que dizia respeito a gráficas, afinal o mundo que pensava ter merecido conhecer. Parecia estar ali a génese de toda a actividade humana, era no fundo aquele o princípio do desenvolvimento da comunicação de massas, que o homem sempre desejou.
Muitas acções laborais, sem o parecer, mereciam muita atenção de quem alimenta os seus íntimos pensamentos, que a outros podiam parecer inócuos. Pobres deles!... Podia pensar-se, se o tempo não fosse sempre o grande mestre.
Estava-se no tempo do partido único, corporizado na designação de Acção Nacional, donde emanava o Estado Novo, comandado pelo tal “lente”, senhor António de Oliveira Salazar, com olhos e ouvidos a envolver toda a sociedade, como o caso que se passou na Graça. O João Moisés encontrou casualmente um indivíduo que fora seu colega na tropa, o que mereceu a confraternização à roda de uma mesa de Café.
Ao contrário do que era conhecido, numa demonstração provocatória, o antigo colega deu em representar de ébrio para o empregado que servia e sem que nada o fizesse prever, com ameaças de mau gosto, tirou do bolso e mostrou o seu cartão de informador da temível PIDE.
O revelado informador nunca mais foi encontrado, ficou a lição. Naturalmente o que interessava era incutir o medo.
Aconteciam muitos casos a indiciar o objectivo controle da polícia política, como o dos anúncios de jornal a promover o recrutamento de pessoas, que tivessem feito a vida militar, para as várias tarefas nas empresas e sobretudo nas universidades.
Tinha-se iniciado uma forte emigração, onde funcionava muito a clandestinidade, tráfico a que muitos se dedicavam e que conviria ao governo de Salazar. Só alguns iam parar a prisões políticas. Era dado o sinal contrário através de denúncias.
Era neste ambiente que passava uma certa corrupção, sempre em pequena escala. Afinal o chefe da oficina daquela empresa gráfica, além de inegável competência técnica, era altamente especializado em procurar alinhamentos por baixo, para melhor fazer o seu trabalho de controlo, o que lhe dava espaço para o seu “negócio” paralelo interno.
Nem tudo chegava ao filtro investigador de João Moisés, muita acções levadas a efeito, como o afã de angariar trabalhos, nomeadamente de offset, sabendo que a firma não tinha a necessária dimensão para os executar, mas feitos externamente de certo que trariam boas comissões, tanto mais que chamava a si a orientação.
A João Moisés cabia estabelecer todos os contactos e podia apurar, que os desenhadores de fora eram muitas vezes chamados a colaborar. Os clientes ouviam por tradição do grande chefe – “esses senhores debitam alto” – pelo que não sabia o que iria custar cada trabalho de desenho.
Filtrando também por ai, os respectivos artistas tinha de, à partida adicionar o custo de uma comissão destinada ao chefe, mesmo que a obra fosse de pequena dimensão.
Com todas as mais valias proporcionadas, por todos os bónus indevidos, nunca perdia ocasiões de afirmar que a entidade patronal não o remunerava consoante o seu valor técnico, porém a certa altura apresentou a demissão e de imediato foi vê-lo, à partida sem fortuna pessoal, a adquirir a sua própria empresa gráfica.

Daniel Costa – in “JORNAL DA AMADORA”

terça-feira, 29 de julho de 2008

CONTO DE FILATELIA

O VELHO FILATELISTA


Sendo ainda adolescente o destino permitiu que fosse trabalhar para uma freguesia mais a norte do distrito de Lisboa, onde o vinho era uma das riquezas do sítio.
O trabalho era variado, relacionado com a produção vinícola, apesar da juventude, já me considerava um mestre nessas tarefas, no entanto mais um ajudante dos trabalhos do campo, como muitos outros, que havia na zona.
Na localidade, que se chama Miragaia, abundava a uva, da qual se produzia muito vinho tinto carrascão e em época de recessão económica, o lugar acolhia toda a classe de trabalhadores.
Então dizia-se, que ali se secava muito bagaço (casca da uva depois de espremida) e era por isso que se vivia bem.
Portanto Miragaia, no norte do Distrito de Lisboa, era uma localidade onde mesmo os pequenos proprietários, tinham o seu moço. De modo que ter o seu criado – normalmente procedente de fora – significava pertencer a outra classe de poder económico.
Havia criados de servir de distintas categorias, dependendo do nível moral ou riqueza dos amos.
Este criado que vos fala, ao ter como patrão um dos mais recomendáveis era considerado um servente de luxo, era assim que o tratava a patroa, dona Eduarda. Notava-se em ocasiões que o mandava fazer certas tarefas, recomendando:
“A pessoa com que tens de falar é muito entendida!...”
Afinal, o cargo pressupunha algum prestígio a quem o exercia e consequentemente, a quem executava os serviços inerentes.
Ao cair da noite, diariamente, quando haviam acabado os afazeres, ia a uma espécie de café, um local que vendia tudo e durante o serão era ponto de encontro aberto a todos. Ali comprovava-se que democracia, não era apenas mais uma palavra, era a realidade dessa casa.
Convém assinalar que estávamos nos anos cinquenta do século XX.
Aquele local não era, pois, uma taberna qualquer, porque se podiam encontrar, à disposição a maioria dos periódicos, que se publicavam. Eram eles que ali me levavam para ler e andar informado, já faziam parte dos tempos livres.
Naquela época, parecia um trabalhador do campo dotado de grande sensibilidade e talvez devido à singular postura que sempre adoptava, durante essas leituras, numa dessas noites fui abordado pelo senhor Onofre.
Este, desde então, passou a ser grande amigo.
Vendo que me interessava um pouco por selos usados, o que lhe mereceu atenção especial, visto dispor de uma boa colecção de Portugal.
As estampilhas postais fascinavam-me e pensava que, com elas podia organizar uma colecção de muito interesse, mas tenho de reconhecer, que sequer conhecia bem o termo filatelia e desconhecia existirem associações próprias de amigos dos selos.
A partir dessa nova amizade e da gente que vim a conhecer, graças a esse factor, converti-me em filatelista amador, sendo que o velho Onofre foi responsável, de me dedicar mais a esse maravilhoso mundo.
Onofre veio a perder a sua esposa, devido a enfermidade, mas tinha uma filha chamada Ercília, mais velha que eu, mas por quem tinha já uma grande estima, talvez mais uma espécie de amor. Seu pai não me desalentava, pelo contrário.
Daí passei a visitá-los amiúde e era sempre bem recebido. Cresceu a amizade, com a miúda, mas jamais passaria disso.
Depois de ter trabalhado em Miragaia, os regulares encontros passaram a pertencer ao passado, ficou a amizade e a recordação do velho Onofre e essas terras que o tempo acabou imortalizando, pois ali estava o berço dos dinoussários Lourinhasaurus, que pisaram muito essas terras, há milhões de anos atrás.
E o próprio Lourinhausarus está imortalizado pela filatelia, em etiquetas AMIEL.
De tempos a tempos fui visitando aquela família, e quando fui mobilizado para o Ultramar, fui despedir-me. Sempre revia a colecção, o orgulho desse coleccionador. Diria que considerava os álbuns como um símbolo de distinção, dado que era homem do campo.
Herdou muito desse património de um tio, que pertenceu ao exército e desenvolveu a colecção, tornando-a mais atractiva.
De facto, seria a única pessoa a quem a mostrava orgulhosamente, comentando o seu tesouro, formado por toda a série da rainha D. Maria II, os selos do Rei D. Pedro da primeira série de Santo António de Lisboa e muitos outros, tudo novo e impecável.
Passaram uns anos e um dia visitei o velho Onofre. Com grande prazer, esperava o ritual de voltar a contemplar os álbuns. Então pude ver umas fotocópias, haviam substituído os selos, bem colocados como foram os originais.
Ercília olhou-me, com olhos que não sorriam como de costume, mostravam-se inertes e tristes. O meu estado de ânimo também estava em baixo, pois suspeitara de algo, mais tarde compreendi melhor o que ocorrera.
A proverbial placidez manteve-se, habitual nessas situações. Vi então que o velho Onofre havia perdido o sentido da vista, quase por completo e compreendi a via das fotocópias, para representarem os selos, como das peças originais se tratasse.
No final, sendo boa anfitriã, Ercília acompanhou-me à saída e foi quando pude saber o que havia ocorrido.
Devido a doença prolongada, o meu amigo Onofre a perder a vista e ao tratá-la, iam-se esvaindo os recursos financeiros, mesmo bem administrados pela filha escasseavam, pelo que foi preciso recorrer a experts em filatelia, para equilibrar a economia e permitir que o velho pai, vivesse ao últimos anos da vida de forma digna.

Daniel Costa

domingo, 27 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 7

ARCO VOLTAICO

O artigo gramatical zincogravuras à simplificação de um vasto mundo de linguagem, que veio a tornar-se acessível a João Moisés. Palavras como foto, correspondem a reprodução em zinco de uma fotografia e a zinco se o original for só traço, foto zinco se o mesmo desenho engloba os dois. Termos iniciáticos de um outro mundo, dentro de um universo de uma grande cidade, como Lisboa.
Arco voltaico volta à ribalta, associando-se às novas tecnologias, mas na reprodução gráfica, pelo menos na gravura era indispensável, pois quando “fechado” por uns elementos, designados “carvões”, lançando uma luz muito intensa sobre as películas dos desenhos ou fotografias, acopladas à chapa de zinco, onde pela acção ficavam impressos.
Embora houvesse muitas actividades laborais interessantes, por onde uma mente sempre ávida de sabedoria entrava num meio ideal para o efeito, havia outro mundo, o da actividade particular, que se tornara paralelo.
A vida amorosa tinha de estar sempre em destaque, no entanto naquela casa, no meio de dezenas de pessoas, não existia nenhuma do sexo oposto para alegrar mais a vida, claro que João Moisés não de poder apelidar de gela corações, mas a sua juventude não concebia a ausência de comprometimento com alguma mulher.
Mesmo em casa o amadorismo da cartomancia versaria muito esse tema, que depois acabada por ser aflorado na conversação., quando se procurava saber, em vão, como andavam os amores, com a estimulações destinadas a saber algo mais do pouco que se desvendava.
Estímulos, para quê? – Se os mesmos existiam sempre, a divulgação é que era considerada desnecessária.
Mas era a certa altura de todos os rompimentos. Chegara-se a empregado de escritório, era o acesso a um patamar mais elevado socialmente, isto tinha de pesar muito no capítulo dos namoricos.
Este pensamento inevitavelmente levado à prática deu como resultado, rompimentos e ao derriço com a Rosário.
De muitas policromias se foi construindo o ambiente, até chegar a uma situação em que a desfloração ainda estivesse reservada, o que mesmo nos anos sessenta, para certas idades, acabava sempre por ser tida como problemática. Só a partir daí foram procuradas outras qualidades de interesse.
É facto que atravessava uma idade propícia de pensar em casamento e como empregado, tinha ascendido a uma posição para proceder a uma escolha com um olhar de futuro. O regresso ao fim do dia acabava por ser encarado com certa modéstia, por João Moisés, mesmo não deixando de haver alguma sobranceria. Ganhara ascendente como familiar, entre outros hóspedes que eram menos da casa, uma vez que se revelara pessoa de valia.
No próprio escritório da Travessa das Mercês, já tinha chegado à consideração de um dos gerentes, Chico Bento que procurava coordenar toda actividade, o outro Robert cuja entrada era sempre tardia, sentando-se de imediato numa banca de trabalho, que tivera o privilégio de escolher, sem se dar por ele, apesar do seu alto e anafado porte, só se deixando notar pela fumarada, saindo do sacramental cachimbo, que sempre usara como imagem de marca.
Um dia João Moisés ao assistir a toda a bem concebida exposição de um novo cliente, fez o seguinte comentário, depois da sua retirada – “hum!... Este não me comprava os frangos”!... O trabalho teve execução, porém o pagamento acabou do esquecimento dos deuses!...
Chico Bento que fixara aquela frase, tique de origem e muito próprio do funcionário, dali em diante, as conversações sobre a acreditação de nova alteração de ficheiro, passaram a ter o protagonismo deste, com “direito” a veredicto final a entrar em conta.
Chegara a um posicionamento tal, para o que não contribuíra, dada a natural modéstia, mas em que muitos eram culpados de erros, em toda a linha por onde tinha passado a obra, sempre acompanhada de boletim especificando a mesma, porém João Moisés granjeara tal ascendente, que nunca podia ter culpas perante o gerente.
Aconteceu um dia ter havido engano em todas as medidas para zincogravuras, vindas da encomenda de um cliente. Um novo produto a lançar no mercado e a ser publicitado por toda a comunicação social. Foi admitido pelo empregado de expediente de escritório, que o erro de medidas tivesse tido origem no boletim de entrada elaborado por ele.
Não se deu novo tsunami em Lisboa, mas ia caindo o resto do Carmo e da Trindade, situados ali perto. Só fulanos de tal e tal podiam arcar com as culpas, pois mesmo que se estivesse passado algo de mal na entrada, eles tinha obrigação de notar o erro, já que desde sempre eram possuidores das medidas da mancha de cada periódico, pelo tamanho do respectivo grupo de colunas apalavradas, a preencher com aquela promoção.
Foram revistados os locais, no escritório, onde havia a possibilidade de haver arquivado algum documento elucidativo, pois ali trabalhava-se com método. O resultado era o esperado, o lapso fora mesmo originado na entrada.
Como não podia ser dito, ficou só a certeza e um interior acto de contrição a servir para evitar novos deslizes.
Acontece que o facto originou grande prejuízo e algum atraso. Tudo imprevistos, originando uma reunião entre gerentes das duas empresas, onde tudo foi sanado com a divisão de perdas.
Depois disso, o gerente apresentou um velho amigo e cliente, este trazia apenas um pequeno original, destinado a mandar executar uma zincogravura a imprimir numa ampola para medicamento: Apesar da recomendação de ser único e muito importante e das inúmeras e constantes recomendações de Chico Bento:
- “Um original destinado a executar uma gravação tem de ser sempre tratado como peça única”, o mesmo foi bem guardado, mas esquecido.
Só num sonho mais tarde, se fez luz sobre aquele assunto. Um lance, podia dizer-se providencial, por isso mesmo a causar natural estranheza!...
Havia que tomar medidas, nada melhor do que pôr o gerente a par da situação, até porque tinha sido ele mesmo a recomendar o subordinado.
A conversa tida, não obstante, foi cordial. Estava resolvido, tudo se passar perante o cliente, como se o amigo de nada pudesse saber.
Ao telefone, o tratamento do assunto também acabou por correr bem, afinal arranjava-se um outro desenho, entrando o trabalho no circuito normal.
Este gerente, tinha de ser considerado um amigo, apesar do chefe de escritório só se lhe referir como “o carroceiro”, geria a empresa com uma maneira peculiar de tratar bem todos os assuntos respeitantes ao funcionamento da mesma.
Um dia apareceram uns senhores, iam recomeçar um Jornal, que tinha já circulado com a denominação de “A CAPITAL”, um deles era Maurício de Oliveira, que dirigia a “Revista da Marinha”, que sendo impressa em tipografia, como a maior parte, senão todos os periódicos da época, era indefectível cliente daquela casa com entrada pela Travessa das Mercês, o João Moisés foi chamado à reunião, que acabou como se ali inesperadamente, tivesse chegado a sorte grande.
“A CAPITAL” ia renascer na Rua do Século, com sede na frente do velho matutino. Ficava quase imediatamente ao virar da esquina, sendo impresso nas oficinas do saudoso “SÉCULO”.
Por ser vespertino e de formato diferente, a nova unidade de comunicação da tarde, não fora considerada concorrente.
Todas as zincogravuras eram executadas sob as ordens do apodado “carroceiro”, para o que havia de estar operacional, nem que tivesse que ser as vinte quatro horas do dia, se necessário, ficando sempre a funcionar como garante o responsável pelas entradas e saídas dos trabalhos.
Isto originava muitas horas extras, por vezes não sobrava mais do que quinze minutos para a refeição. O mesmo se passava depois do horário convencional, a saída do escritório só acontecia depois de um telefonema para o Jornal, pois este pelo caudal de trabalho tornara-se uma parte relevante da laboração.
Há a notar a curiosidade do Bento, que não tinha hábitos de leitura, a partir de então, não desaproveitava qualquer oportunidade de avançar ser “A CAPITAL” o melhor diário em circulação.
No meio dos operários, havia um trabalhador, ajudante embora não sendo muito novo, na secção de montagem das gravuras, que era filiado na “Legião Portuguesa”, uma unidade do “Estado Novo”.
Era assim; aderiam muitos dos que ficavam livres da tropa, como era o caso, para ganhar direito à isenção de pagamento da taxa militar anual, existente na época.
De quando em vez, lá vinha o chamamento para estar presente numa parada. O homem apareceu algumas vezes vestido a rigor, com o seu fardamento castanho da praxe às apresentações periódicas na unidade, para o que a empresa era obrigada a dispensá-lo.
Esse rapaz não passava de ajudante mas era sociável, a tal ponto que por vezes aguentava ditos sobre a filiação e o garbo que a farda lhe conferia.
A sua índole de vive e deixa viver, dava para servir em muitas circunstâncias, apesar de haver um funcionário de serviços externos para recolha de obras e posteriores entregas, surgiam telefonemas de solicitações de imediatismo e o patrão Bento logo se encarregava de chamar aquele empregado.
Se fosse de tarde, era quase certo o mesmo tirar o tempo necessário, para passar num daqueles cinemas rascas de sessão contínua, normalmente o Olímpia da baixa de Lisboa, onde havia vários e assistir a uma exibição.
Depois, muito naturalmente, dando conta no escritório do trabalho que fora executar, entrava na secção na hora de fechar.

Daniel Costa – JORNAL DA AMADORA

sexta-feira, 25 de julho de 2008

POEMA EXCLUSIVIDADE

ESCLUSIVISMO

Há inúmeras manias
Por vezes são fantasias
Tenho a minha bizarria
Delas falaram-me um dia
No momento uma tara definia
Desde então sempre a revia
Falar dela me comprazia
Talvez devido ao novo século
Que chegou um dia
Do anterior não ficou dor
Não ficou de samor
Questiono se fiz
Se a conjuntura o fez
Algo de exclusivismo
Anotei uma vez
Aos dezasseis anos
Ganhar jorna de homem
No Casal Torneiro
Terá sido favor que um deus fez?
Aventura, força de querer, sensatez?
Estimulante talvez
Porque cavei
Acima da média, a jorna, ganhei
Em três concelhos do Oeste
Peniche. Bombarral e Lourihei*
No campo, de sol a sol trabalhei
Na guerra de Angola
À coordenação do rancho cheguei
Em Lisboa, trabalhando, estudei
Nos trabalhos dirigi e coordenei
Que mais sei?
Ou por outra, quanto mais observo
Quanto mais procuro, menos sei
Mas este é o meu tempo
O de me achar com direito
A alimentar a mania
Da exclusividade do dia


* NOTA: O EI era muito, da fala popular,
no meu Oeste natal.
Aqui refere Lourinhã.


Daniel Costa

quarta-feira, 23 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 6

O MUNDO DAS FOTOGRAVURAS

Foi sem qualquer preparação técnica, que João Moisés realizara o sonho de se tornar empregado de escritório.
A certa altura deu consigo a controlar todo o expediente de entrada de originais, para a execução de zincogravuras e da saída das mesmas, depois de prontas as obras.
Uma ocupação interessantíssima, que o conduziria a conhecer todo o maravilhoso Mundo das Artes Gráficas, incluindo o dos próprios jornais, à altura a indústria dominante de todo o Bairro Alto.
Naquele meio estavam a passar-se lances interessantes, pelo menos para quem gostasse de ocorrências consideradas menos vulgares, dignas de serem seguidas com atenção, por ser ter dado ainda havia pouco o início de segunda metade do século XX, com um país real considerado de analfabetismo confrangedor, muito notado até no meio de oficinas onde se dava o florescimento da cultura.
Ao tempo era nas gravuras que podiam começar os livros, assim como iniciativas conducentes à criação de muitas outras obras de impressão, como as grandes campanhas publicitárias criadas em Agências próprias, que depois as faziam distribuir por jornais e revistas, para atribuírem ao produto a necessária visibilidade.
Isso fazia parte, regra geral, da grande azáfama desenvolvida, o interessante eram as peripécias ocasionadas no dia a dia.
Começo, pelo chefe de escritório, tudo leva a crer que sofreria de uma doença muito em voga, a esquizofrenia, por outro lado teria tendência a ser delator, sobretudo de chefes a superintender nas oficinas, portando técnicos com alguma classificação.
Algumas vezes mesmo sendo admoestado, por sócios gerentes, levou bastante tempo a insistir, até que aprendeu a lição, não era que fugisse à verdade, mas devia reparar que estava a pôr em casa a própria administração, a quem cabia zelar pela boa harmonia de toda a produção.
A personagem em questão, dava pelo nome de Moura Jorge e a sua malévola estrutura mental, quiçá o seu negativismo já tinha dado origem a alguns pedidos de demissão de alguém, a quem bastava o trabalho para lutar. Na primeira oportunidade apresentavam a renúncia, porque não estavam aturar maus fluidos.
Aconteceu que João Moisés pela sua docilidade, podia dizer mesmo jeito para as relações humanas, passou a ser tratado pelo chefe com grande deferência.
Muitas vezes desceram ambos o Chiado e havia dias em que Moura Jorge, passava o caminho apenas a maquinar o desdobramento dos números do totobola para jogar com acerto, sendo o fim em vista a riqueza que o levaria a poder abandonar aquele emprego considerado execrável, pelo facto de ter ficado excluído de dar palpites, que refutava de inerentes à sua condição na chefia do escritório.
No entanto, dava para aprender muito com ele, pela negativa claro! Magicava grandes evoluções, uma altura pensou em desenvolver o seu francês e nada melhor que oferecer morada a uma professora da língua, em troca de lições pessoais daquele idioma.
Para uma dessas sessões convidou o novo subordinado. A docente depressa opinou que aquele conhecia mais do idioma que o aluno efectivo.
As relações, como seria fácil de prever, não eram muito católicas, pela razão simples de várias ausências da mestra, que parecia mais meretriz do que professora de francês.
Em resultado, o acordo foi efémero.
O totobola continuou semanalmente, lá vinha o matraquear habitual, a tripla estava sempre certa, o pior eram os símbolos duplos, que falavam muito, pelo que a independência económica nunca mais chegou.
Um dia deu entrada ao serviço daquele escritório um novo funcionário, como veio através da velha “cunha”, nada mais do que da herdeira de um sócio maioritário da casa, o rapaz de nome Martinho exibia uma péssima caligrafia, além das poucas qualificações para o desempenho do trabalho.
Mesmo assim o chefe nunca o hostilizou, sabia que isso seria o tratamento do seu fim, no entanto a confiança e a amizade dedicada a João Moisés, leva-o a comentar: Não é ainda este que me virá substituir!...
Apesar disso, de seguida demonstrou o talento do poder de negativismo humano, nem conjecturou o facto de nos cemitérios dar entrada diariamente cadáveres de insubstituíveis!...
Programou férias, comentando várias vezes para o colega de confiança, ser a maneira de repararem no vazio que constituiria a sua falta.
O programa tinha, por força de ser mau: Houve a necessária inter ajuda, como é habitual nestes casos e a gerência nem terá notado a sua falta, que não fez mais forçar a inevitável queda.
Queda que já era previsível, tanto mais que o sistema neurológico o levava a consultar periodicamente um médico do foro.
Não obstante, iniciara correspondência com uma Inglesa, com o objectivo de desenvolver o idioma. A súbdita da Rainha Isabel, sendo viúva de idade relativamente mais avançada e como estava descomprometida, depressa programou férias para Lisboa.
Logicamente foi o correspondente na capital de Portugal que tratou do aluguer da casa na cidade, onde havia de passar a seroar, enganando a própria esposa de que já tinha um filhote.
Entrou pois num namoro, suposto só ser conhecido em pormenor por João Moisés, o único colega confidente e a ter o privilégio de visitar a casa durante as férias, nunca falou a ninguém sobre o assunto, porém deu-se o caso de querendo fazer o papel de bom cicerone, levava a mulher até ao Largo de Camões onde, na hora do almoço, passavam sentados e enlevados, como dois adolescentes.
Sendo perto do local de trabalho, era uma evidente exposição da sua surpreendente mancebia, uma vez que se postavam muito próximo da Travessa das Mercês.
Logicamente que para ali se viravam muitos olhares dos passantes, alguns trabalhadores da empresa vindos da principal refeição, com espanto podiam observar o quadro.
Lisboa sempre albergou casos muito interessantes, embora haja a pretensão de divulgar alguns, o facto é que, quem sabe é sempre tudo é toda a humanidade, como diria um habitual cliente daquela verdadeira fábrica de zincogravuras, para todo o tipo de impressão, o dorminhoco Rocha de Oliveira, detentor já de respeitosa idade.
Sendo um típico alfacinha, enquanto esperava pelo acabamento da encomenda, o que acontecia amiudadas vezes, deixava os seus conselhos.
Depois, sentado no banco habitual, batia uma soneca!...

Daniel Costa –in JORNAL DA AMADORA

segunda-feira, 21 de julho de 2008

VIDAS - POEMA

VIDAS

Há sempre alguém
Pior que nós
É dolo
Não se é tolo
Não serve de consolo
É estímulo de nova encarnação
Sigo na segunda
Não a conheci imunda
Apenas soube de escolhos
Da transição passei incólume
Veio novo mundo de sonhos
Tal como na primeira
Procuro a verdade inteira
Muitos outros sonhos
Outra maneira
A minha glória é esta
Sempre os sorrisos
O optimismo
A hipertensão verdadeira
Como se fosse bebedeira
Sorrirei e lutarei
Na procura da verdade
A vida inteira

Daniel Costa

sábado, 19 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 5

A TRAVESSA DAS MERCÊS


O aspecto de deixar a subida diária da Avenida da Liberdade, não significava melhoria no esforço quotidiano de João Moisés, ele era mesmo indomável a fazer grandes percursos a pé, mas a sua existência citadina melhorara a olhas vistos.
Saíra de um emprego, menos conceituado, de madrugada e era o primeiro a perfilar-se á entrada do escritório, onde ia principiar ocupação de outro relevo. Começava de novo do zero, embora tivesse andado a preparar-se, mental e intelectualmente, para desempenhar tarefa de certo modo mais elevada.
Tudo lhe parecia adequado, a empresa era de razoável dimensão, a perfeição nunca chegando a existir, tem de ser sempre a procurada por mentes irrequietas; é assim que deve ser encarado o mundo, onde se encontram figurões a tentar que o alinhamento se faça sempre por baixo, afim de tirarem partido das fraquezas.
Nunca havia desânimos para João Moisés, mas começou por sentir a insegurança de, nunca ninguém o ter posto ao corrente do trabalho a executar, porém em breve entendeu o que dele se esperava e assim deu início ao que lhe pareceu ser necessário fazer, para atingir o tal paraíso que encerrava a cidade de Lisboa.
Devido a uma questão de proximidade, relativamente ao local onde morava, já conhecia o arruamento chamado Paraíso, o tal que nunca deixou de procurar, mas o escritório de apoio à indústria gráfica com sede últimos números da grande Travessa, com grandeza mais própria para ser denominada Rua, estava longe de constituir esse espaço sideral.
Agora o Chiado era a grande encosta que, diariamente, acrescentara por duas vezes ao percurso e foi nesse, que um dia na volta atirou uma moeda ao ar.
Como a mesma se comportasse assim decidiria, se sim ou não, a sua vida iria mudar de novo.
Porque o diabo da peça numismática caíra com a face que previa alteração, afinal a pretendia, isto porque embora se passasse pela Travessa dos Fieis de Deus, para chegar ao escritório, o trabalho que se desejava harmonioso, para ser bem compreendido e depois frutificar, tornara-se um verdadeiro Inferno.
No dia seguinte, o João Moisés tal como indicou a face da moeda, foi ao “Diário de Notícias” e lá encontrou um anúncio a pedir empregado de escritório.
Respondeu e depois do horário laboral, com vários testes, que incluíram uma carta em francês, foi imediatamente admitido, ficando de apresentar no próximo dia o pedido de demissão, para passar à secretária do novo escritório de uma empresa de aprestos marítimos, ao Cais do Sodré.
Vertical, como prendia ser, acabou por logo no dia seguinte, via telefone apresentar escusa.
Passava-se o interessante, na Travessa das Mercês, por já ter dado nas vistas, então aquela renúncia caíra como uma bomba.
Na tentativa de evitar a dissidência, houve reuniões ao mais alto nível, até de sócios, que João Moisés nunca chegou a conhecer pessoalmente.
Foi o douto Guarda-Livros, sim porque nessa época nenhuma empresa funcionava sem esse alto quadro técnico, a encarregar-se de resolver a situação, em representação de todos os associados da empresa.
Embora já tivesse na mente o porquê, era patente, atirou uma pergunta a apontar, propositadamente, em sentido contrário, porém não estava em frente de um delator e recebeu como resposta um sorriso e a frase: Com esse até aprendi muito porque querendo mostrar os seus conhecimentos, em vez de levar a correcções directas, comentava os normais eros com: “Afinal julgava que era de certa maneira, mas estava enganado”!,,, Referia-se a ordens escritas, recebidas do escritório, num boletim de trabalho.
O refutado técnico deu-se por satisfeito, ficou com certezas.
De pronto deu mostras de ter resolvido o problema, que para ele se resumia a uma subida de mensalidade e atirou:
- Só dizes quanto queres ganhar mais por mês. Deixou assim o interlocutor sem imediata reacção, este ponderou que afinal a questão do trabalho lhe agradava, achava malévolas as interferências a degradar o ambiente.
Ficando certo, que estava a dialogar com quem tinha interesse em resolver a questão, pediu apenas um modesto aumento.
Pareceu tudo a contento, para o que terão contribuído todos os Fiéis de Deus, que davam nome à Travessa, onde se passou todo o diálogo.
A empresa não sofreu o revés de perder o servidor e este pareceu sentir-se mais seguro, porque aconteceu realmente deixar de ser, como que humilhado pelo chefe laboral, a personagem, que por conveniência pessoal, alimentava a confusão nos serviços de expediente, com a finalidade de alinhamento por baixo,
Tudo ficou realmente melhor, a muita labuta diária não assustava o novo funcionário. Trocava no entanto a possibilidade de continuar a frequentar aulas de liceu, pela mais valia remuneratória e das próprias horas extraordinárias, pagas a dezoito escudos e setenta centavos cada, que ficara com a autonomia de fazer, quando achasse necessário.
Como se isso não bastasse, o próprio chefe oficial, num determinado Sábado, à tardinha, fez-se encontrado e levou o novo trabalhador, do expediente de escritório. até à Cervejaria Trindade onde, entre uma amena cavaqueira, mandou encher uma mesa de marisco com umas imperiais, para que não ficassem dúvidas, nas boas relações ora encetadas entre ambos.
João Moisés também tinha tido em conta, a óptima colocação para investigar casos interessantes, porque afinal a obsessão por essa faceta, transversal a grande parte da sociedade, nunca podia ser abandonada.
No fundo, tinha sido despoletado um factor de agrado em toda a linha.
O lance, sem qualquer programação, vistas as coisas pelo lado positivo, mostrava-se deveras promissor e as diárias caminhadas, em duplicado, a pé do Bairro Alto até ao da Graça, continuaram na mesma, mas a serem encaradas com a típica alegria de viver, do homem que estava a gostar muito de palmilhar a Rua Garrett, na altura fervilhante de transeuntes, a proporcionarem casuais e agradáveis encontrões.
Era o saudoso Chiado da época, onde todos os dias à tarde se podia presenciar uma mostra, em passeio, da beleza feminina de Lisboa. Ainda funcionava o famoso café “Os Irmãos Unidos”, que passando ao rol do esquecimento, embora mantivesse exposta a famosa tela do poeta Fernando Pessoa, saída das mãos do memorável mestre Almada Negreiros.
As refeições eram, invariavelmente, tomadas em casa, após o que seguiam algumas leituras depois do jantar.
Por não haver em casa ainda aparelho de televisão, quando estava anunciado um programa de agrado, era dada uma saltada a um estabelecimento de café, para assistir à transmissão.
De regresso, muitas vezes, lá estava montada uma sessão amadora de leitura de cartas de jogar.
Vá lá saber-se a que existências eram dedicadas!... Talvez tivessem a ver com certa pessoa, suposto hóspede, que á vista era tratado como tal, mas era um privilegiado comensal.
Sabia-se que dormia com a dona da casa, mas tendo o seu dia de folga às quartas-feiras, passava-as com almoços e em de sessões de cinema, com uma elegante e antiga cliente do atelier de alta-costura da anfitriã.
Mesmo com muitas zangas, nesses dias, a vida continuava igual.
Ainda não chegara a liberalização do sexo, era assim que se procuravam manter as aparências em Lisboa.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quinta-feira, 17 de julho de 2008

FIDALGUIA NO PORTO

CONFRATERNIZAÇÃo

No dia seguinte à festa de noivado, a seis de Abril de 2008, o casal constituído por Jorge e Né, aproveitando a deslocação dos familiares desta, ao Porto, para a festa matrimonial do seu filho Jorge, juntaram as famílias e ofereceram um lauto almoço de confraternização.
O anfitrião, que o bem receber, era-lhe reconhecido refinaria o esmero nesta agradável recepção, com contou com os Cordeiro Costa, familiares próximos da Né, idos de Lisboa e arredores, do Bombarral, da Coimbrã e da Bufarda, Peniche.
Do Porto, estavam presentes os Montenegro Chaves, familiares do Jorge, mais os simpáticos pais da noiva, e os próprios noivos, uma outra festa onde a amizade esteve sempre patente, como era tradicional.
A ementa principal, era constituída por um divinal arroz de gambas. Antes aperitivos de variadas espécies, mesa farta, capaz de agradar aos mais exigentes paladares. Vinho de colheita antiga, da própria garrafeira do anfitrião, que a vai revitalizando e acariciando, como se de um tesouro se tratasse.
Para culminar, um Porto velhíssimo, também da garrafeira própria, que era servido de garrafas de cristal, apropriadas, o que lhe realçava aquele sabor digno de ser degustado por apreciadores, como certos bons escritores policiais.
De facto um néctar, com a dignidade de fazer parte da garrafeira de um conhecedor Montenegro Chaves. Um daqueles de cheirar requintadamente, beber um pequeno gole e sentir-lhe o agradável paladar, voltar a sentir-lhe o maravilhoso aroma, depois de novo o divinal sabor.
Deus no céu, e aquele vinho do Porto cá na terra!... E foi assim, que Deus foi louvado por aqueles Montenegro Chaves, que ao mesmo tempo honraram as famílias.
Um encontro inesquecível!
Como confraternização, não haveria melhor, para fechar com chave de ouro a aliança, entre pais e familiares dos noivos.
Ao fim e ao cabo, todos ficaram honrados, mas os pais e noivos em especial, não podiam desejar melhor festa de parabéns!
E honra para o Jorge, que se sabia ser bom anfitrião, porém terá havido, de facto, esmero especial!
Sinceramente, obrigado Jorge!...



Um Miminho...

Este lindo miminho oferecido pela Naela!!!
Obrigada amiga

DE FACTO, A NAELA, TRANSMITIU-ME O MIMO.
DADO, NÃO O TER CONSEGUIDO POSTAR, FICO ETERNAMENTE GRATO.
DEIXO OS NOMES ESCOLHIDOS.

A amizade vai para os seguintes:

Laura
José Torres (xistosa)
Sorrisos
Bandys
Menina do Rio
Bandys
Olhos de Mel

terça-feira, 15 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 4

PARQUE MAYER


Depois foi destinado pela firma, a trabalhar na Avenida da Liberdade junto ao importante Café Lisboa, implantado num prédio que fazia esquina, com o beco a dar para o Parque Mayer.
Naquela década de sessenta do século XX, era onde se processava toda a vida nocturna lisboeta, tanto mais, que as mais importantes casas da vida da noite também marcavam a sua presença a sua presença, quase em exclusivo, nas proximidades. Ao tempo, o mais famoso seria o Fontória, mas havia outros como o Maxime, o Passa Poga., assim como a casa de fados Márcia Condessa.
Sem razão para nostalgias, porque se sabia que a sociedade estava já em mutação e a energia a ser produzida com essa lenta mas verdadeira revolução, haveria de aniquilar tudo o que ia construindo.
Quem sabia aproveitar as oportunidades da mesma, depressa partiria para outra. Caso contrário ficaria banalizado e podia mesmo fenecer, o talento e a capacidade empreendedora dos que procuravam estar em destaque no seio de novos impulsos.
Faziam ainda fervilhar, na noite o Café Lisboa, duas tabacarias no mesmo prédio, uma pertencente à mesma empresa da Ginjinha Avenida, a outra integrada no próprio Café, o Bar Cantinho dos Artistas, sendo parte do Parque, mas com a entrada por fora deste, a Cervejaria Ribadouro, outro requinte nocturno, em actividade pela noite dentro, ali numa esquina a dar para a Rua do Salitre.
Foi destinado a servir naquele bar de Ginjinha pequeno mas conotado como um santuário por João Moisés, pois achava-o o máximo para o que pretendia. Ao iniciar o dia de trabalho, ocupava-se de tudo o que havia a fazer normalmente, a seguir dispunha numa gaveta o que tinha a decorar, a fim de ter tudo na mente para as aulas de liceu destinadas à manhã seguinte, isto em virtude de por aqueles sítios, a clientela ser rara a tal hora.
Depois do jantar e de, a intervalos de um dia, frequentar aulas de Inglês, chegava o verdadeiro serviço de atendimento e consequentemente o muito a observar.
Algumas vezes passavam fugazmente artistas de palco conhecidos, como o Tristão da Silva ou António Mourão ou outros ainda no início de uma carreira de que falava e que não chegaria a frutificar.
Um dia apareceu o Francisco José, já célebre a tal ponto que, vindo de actuar no Brasil, no fim de um concerto, como se diria hoje, em directo na Radiotelevisão, se surpresa desatou a reivindicar dos baixos “cachets” pagos a artistas nacionais em relação a estrangeiros.
Todas as incidências do transcendente acto foram contadas ao vivo, para uma pequena mas interessada plateia, ali junta ao acaso, em jeito de reunião.
Do que fora “escândalo”, ali tratado parecia de efeito contrário, o artista à saída dos estúdios da Televisão, encontrou já vário elementos da PIDE, que o levaram de imediato para interrogatório policial, onde mostro logo que o que ia ser pago seria destinado na totalidade, a uma instituição de caridade, portanto até se podia dar ao luxo de fazer um acto de justiça, vedado a artistas sem a sua cotação.
Foi a última actuação na Televisão Portuguesa, de microfone aberto em directo, para evitar tentações futuras, como aquela do inimitável cantor romântico.
Durante a tarde, mesmo assim, apareciam por ali clientes de rosto familiar, que se tornavam previsíveis quanto a preferências, como o senhor Garcia, do Hotel Vitória, trabalhadores locais com as mais variadas ocupações e outros que diariamente passavam, além de forasteiros ocasionais.
Pela noite, era interessante o desfile de muitos trabalhadores do Parque Mayer, como os celebrados cenógrafos Pinto de Campos e Mário Alberto, que eram habituais. Também os empregados de mesa do famoso Café Lisboa, aproveitavam tempos menos preenchidos, para uma bebida, invariavelmente uma ginja com ou sem elas.
Servia-se um “cokteil”. Dito especialidade da casa e apareciam casais, relativamente novos, socialmente avançados na época. Os homens, num sussurro solicitavam o néctar, depois enquanto decorria o preparado voltavam a segredá-lo às mulheres, que pelo menos fingiam achar muita piada
Era então celebrado “meninete”, uma palavra imprópria para ser pronunciada em público, demais na presença de senhoras!...
Faria já parte como actualmente d linguagem de alcova.
O Parque com os seus teatros de Revista á Portuguesa, os restaurantes e o majestoso Café Lisboa subjacente eram, naqueles anos sessenta, como um eixo dum espaço onde começavam aqueles que faziam da noite o modo de se divertir e não só, porque também elementos da PIDE sempre de olhos abertos e ouvidos à escuta, ali iniciavam o trabalho. Alguns eram tão habituais que conseguiam tornar conhecido o seu modo de vida, outros menos vistos entravam num tipo de provocação, fingindo-se ébrios, tentando ouvir algo que os encaminhasse a iniciar investigações.
Estávamos em plena guerra de África, a viver uma República, apelidava-se de Estado Novo, tendo como Presidente Américo Tomás e Presidente do então chamado Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar que, por força, tinham de estar sempre representados e nada melhor do que ter alguém, com ferocidade suficiente em todos os lugares onde houvesse portugueses.
Daquela esquerda da Avenida da Liberdade, perto de grande Estátua aos Combatentes da Primeira Grande Guerra Mundial, podiam sair textos, que a dona Censura podia deixar passar, interpretados pelos elencos teatrais das Revistas, podiam fazer um explosivo a precisar de uma vigilância imbatível e constante.
Que passava de vez em quando era um engraxador, como tantos que actuavam sobretudo na baixa de Lisboa, tinha sido pugilista de mérito, Belarmino Fragoso.
Já exibido o comentário, que já tinha protagonizado simplesmente designado por Belarmino, realizado por Fernando Lopes, baseava-se precisamente no desporto que o mesmo praticara.
Conheceu algum êxito, se considerarmos os poucos meios e o espaço cinematográfico nacional.
OS comentários que passavam eram de que o realizador tinha ganho bom dinheiro, enquanto o artista principal nunca passou de uma pobreza envergonhada.
Podendo não ser acertados, estes não deixavam de ser atirados, mesmo nas barbas de agentes da polícia política, já que em nada beliscavam o regime vigente.
Entre os vários acontecimentos, que se podiam observar com faro de investigador, João Moisés reteve o de um casal de Ingleses. Estariam instalados num hotel da vizinhança.
De entre os prazeres proporcionados por uns dias de férias na capital europeia de Portugal, à noite contava a degustação de um saboroso licor, junto ao Parque de todos os sonhos.
Fazendo-se entender somente na língua de William Saskepeare, o homem travava certo entendimento com a, senhora engraçada e de fácil trato obviamente, sem que a simplicidade escondesse qualquer intenção, porém as boas gratificaç~es não se faziam esperar.
Passaram uns meses, a mesma senhora entrava com outro acompanhante, mesmo não sendo necessário qualquer aviso, já a dama estava, por detrás a exibir o sinal para não haver palavras, sobre o passado.
A partir daí o novo par constituído apareceu por mais dias e a senhora voltou ao fraternal bate papo habitual.
Isto foi sempre lembrado, porque aquele tipo se “serviço” ainda estava longe de ser vulgar, mesmo na grande Lisboa de sessenta do século passado.
Um dia à tarde apareceu outro tipo de cliente, nunca tinha sido visto por ali, vestido a rigor, de facto a sua aparência mais a de provinciano tipo “Chico esperto”, empunhando a sua bebida, solicitou o empréstimo de certa quantia em seu abono, dizia-se oficial do exército, prestes a ter um encontro com uma miúda e faltava-lhe dinheiro.
Obviamente obteve uma negativa, alegadamente por o João Moisés não possuir a quantia. Sugeriu o impensável:
- Retirar a importância da caixa registadora!...
Para a sua propensão a investigar certos factos gregários, todas as noite, depois das duas da madrugada, durante meses, descia a Avenida da Liberdade, onde tomava o rumo do Largo Martim Moniz a caminho do bairro da Graça, localização da sua morada.
Devido ao avanço nocturno apenas encontrava algumas meretrizes, em fim de trabalho nos Restauradores, que procuravam a oportunidade de insinuar-se, Nunca se meteram, deviam conhecer o habitual transeunte, que não era parte dos ocasionais clientes.
Embora o João viesse amando a doce existência naquela ocupação, onde era tratado como achava merecer, tendo adquirido mais formação académica, com ambições mais elevadas, em breve encetou novos voos.
Depois foi destinado pela firma, a trabalhar na Avenida da Liberdade junto ao importante Café Lisboa, implantado num prédio que fazia esquina, com o beco a dar para o Parque Mayer.
Naquela década de sessenta do século XX, era onde se processava toda a vida nocturna lisboeta, tanto mais, que as mais importantes casas da vida da noite também marcavam a sua presença a sua presença, quase em exclusivo, nas proximidades. Ao tempo, o mais famoso seria o Fontória, mas havia outros como o Maxime, o Passa Poga., assim como a casa de fados Márcia Condessa.
Sem razão para nostalgias, porque se sabia que a sociedade estava já em mutação e a energia a ser produzida com essa lenta mas verdadeira revolução, haveria de aniquilar tudo o que ia construindo.
Quem sabia aproveitar as oportunidades da mesma, depressa partiria para outra. Caso contrário ficaria banalizado e podia mesmo fenecer, o talento e a capacidade empreendedora dos que procuravam estar em destaque no seio de novos impulsos.
Faziam ainda fervilhar, na noite o Café Lisboa, duas tabacarias no mesmo prédio, uma pertencente à mesma empresa da Ginjinha Avenida, a outra integrada no próprio Café, o Bar Cantinho dos Artistas, sendo parte do Parque, mas com a entrada por fora deste, a Cervejaria Ribadouro, outro requinte nocturno, em actividade pela noite dentro, ali numa esquina a dar para a Rua do Salitre.
Foi destinado a servir naquele bar de Ginjinha pequeno mas conotado como um santuário por João Moisés, pois achava-o o máximo para o que pretendia. Ao iniciar o dia de trabalho, ocupava-se de tudo o que havia a fazer normalmente, a seguir dispunha numa gaveta o que tinha a decorar, a fim de ter tudo na mente para as aulas de liceu destinadas à manhã seguinte, isto em virtude de por aqueles sítios, a clientela ser rara a tal hora.
Depois do jantar e de, a intervalos de um dia, frequentar aulas de Inglês, chegava o verdadeiro serviço de atendimento e consequentemente o muito a observar.
Algumas vezes passavam fugazmente artistas de palco conhecidos, como o Tritão da Silva ou António Mourão ou outros ainda no início de uma carreira de que falava e que não chegaria a frutificar.
Um dia apareceu o Francisco José, já célebre a tal ponto que, vindo de actuar no Brasil, no fim de um concerto, como se diria hoje, em directo na Radiotelevisão, se surpresa desatou a reivindicar dos baixos “cachets” pagos a artistas nacionais em relação a estrangeiros.
Todas as incidências do transcendente acto foram contadas ao vivo, para uma pequena mas interessada plateia, ali junta ao acaso, em jeito de reunião.
Do que fora “escândalo”, ali tratado parecia de efeito contrário, o artista à saída dos estúdios da Televisão, encontrou já vário elementos da PIDE, que o levaram de imediato para interrogatório policial, onde mostro logo que o que ia ser pago seria destinado na totalidade, a uma instituição de caridade, portanto até se podia dar ao luxo de fazer um acto de justiça, vedado a artistas sem a sua cotação.
Foi a última actuação na Televisão Portuguesa, de microfone aberto em directo, para evitar tentações futuras, como aquela do inimitável cantor romântico.
Durante a tarde, mesmo assim, apareciam por ali clientes de rosto familiar, que se tornavam previsíveis quanto a preferências, como o senhor Garcia, do Hotel Vitória, trabalhadores locais com as mais variadas ocupações e outros que diariamente passavam, além de forasteiros ocasionais.
Pela noite, era interessante o desfile de muitos trabalhadores do Parque Mayer, como os celebrados cenógrafos Pinto de Campos e Mário Alberto, que eram habituais. Também os empregados de mesa do famoso Café Lisboa, aproveitavam tempos menos preenchidos, para uma bebida, invariavelmente uma ginja com ou sem elas.
Servia-se um “cokteil”. Dito especialidade da casa e apareciam casais, relativamente novos, socialmente avançados na época. Os homens, num sussurro solicitavam o néctar, depois enquanto decorria o preparado voltavam a segredá-lo às mulheres, que pelo menos fingiam achar muita piada
Era então celebrado “meninete”, uma palavra imprópria para ser pronunciada em público, demais na presença de senhoras!...
Faria já parte como actualmente d linguagem de alcova.
O Parque com os seus teatros de Revista á Portuguesa, os restaurantes e o majestoso Café Lisboa subjacente eram, naqueles anos sessenta, como um eixo dum espaço onde começavam aqueles que faziam da noite o modo de se divertir e não só, porque também elementos da PIDE sempre de olhos abertos e ouvidos à escuta, ali iniciavam o trabalho. Alguns eram tão habituais que conseguiam tornar conhecido o seu modo de vida, outros menos vistos entravam num tipo de provocação, fingindo-se ébrios, tentando ouvir algo que os encaminhasse a iniciar investigações.
Estávamos em plena guerra de África, a viver uma República, apelidava-se de Estado Novo, tendo como Presidente Américo Tomás e Presidente do então chamado Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar que, por força, tinham de estar sempre representados e nada melhor do que ter alguém, com ferocidade suficiente em todos os lugares onde houvesse portugueses.
Daquela esquerda da Avenida da Liberdade, perto de grande Estátua aos Combatentes da Primeira Grande Guerra Mundial, podiam sair textos, que a dona Censura podia deixar passar, interpretados pelos elencos teatrais das Revistas, podiam fazer um explosivo a precisar de uma vigilância imbatível e constante.
Que passava de vez em quando era um engraxador, como tantos que actuavam sobretudo na baixa de Lisboa, tinha sido pugilista de mérito, Belarmino Fragoso.
Já exibido o comentário, que já tinha protagonizado simplesmente designado por Belarmino, realizado por Fernando Lopes, baseava-se precisamente no desporto que o mesmo praticara.
Conheceu algum êxito, se considerarmos os poucos meios e o espaço cinematográfico nacional.
OS comentários que passavam eram de que o realizador tinha ganho bom dinheiro, enquanto o artista principal nunca passou de uma pobreza envergonhada.
Podendo não ser acertados, estes não deixavam de ser atirados, mesmo nas barbas de agentes da polícia política, já que em nada beliscavam o regime vigente.
Entre os vários acontecimentos, que se podiam observar com faro de investigador, João Moisés reteve o de um casal de Ingleses. Estariam instalados num hotel da vizinhança.
De entre os prazeres proporcionados por uns dias de férias na capital europeia de Portugal, à noite contava a degustação de um saboroso licor, junto ao Parque de todos os sonhos.
Fazendo-se entender somente na língua de William Saskepeare, o homem travava certo entendimento com a, senhora engraçada e de fácil trato obviamente, sem que a simplicidade escondesse qualquer intenção, porém as boas gratificaç~es não se faziam esperar.
Passaram uns meses, a mesma senhora entrava com outro acompanhante, mesmo não sendo necessário qualquer aviso, já a dama estava, por detrás a exibir o sinal para não haver palavras, sobre o passado.
A partir daí o novo par constituído apareceu por mais dias e a senhora voltou ao fraternal bate papo habitual.
Isto foi sempre lembrado, porque aquele tipo se “serviço” ainda estava longe de ser vulgar, mesmo na grande Lisboa de sessenta do século passado.
Um dia à tarde apareceu outro tipo de cliente, nunca tinha sido visto por ali, vestido a rigor, de facto a sua aparência mais a de provinciano tipo “Chico esperto”, empunhando a sua bebida, solicitou o empréstimo de certa quantia em seu abono, dizia-se oficial do exército, prestes a ter um encontro com uma miúda e faltava-lhe dinheiro.
Obviamente obteve uma negativa, alegadamente por o João Moisés não possuir a quantia. Sugeriu o impensável:
- Retirar a importância da caixa registadora!...
Para a sua propensão a investigar certos factos gregários, todas as noite, depois das duas da madrugada, durante meses, descia a Avenida da Liberdade, onde tomava o rumo do Largo Martim Moniz a caminho do bairro da Graça, localização da sua morada.
Devido ao avanço nocturno apenas encontrava algumas meretrizes, em fim de trabalho nos Restauradores, que procuravam a oportunidade de insinuar-se, Nunca se meteram, deviam conhecer o habitual transeunte, que não era parte dos ocasionais clientes.
Embora o João viesse amando a doce existência naquela ocupação, onde era tratado como achava merecer, tendo adquirido mais formação académica, com ambições mais elevadas, em breve encetou novos voos.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

domingo, 13 de julho de 2008

SERÁ NOSTALGIA

NOSTALGIA

Doce recordar, Será magia?
Será a doce nostalgia?
Será a doce lembrança?
Do amor de algum dia
Do amor que não esqueceu
Um amor que não morreu
Gravado sempre ficou
Jamais deixar de recordar
Essa ternura de amar
Recordar esse farol
Como marinheiro do alto mar
Deuses!... Como consola amar
Ternura que se estendeu
Esse alto mar não perdeu
A ternura, a nostalgia, a esperança
Sempre o acto de muito amar
Pensamento a navegar
A nostalgia nunca vai minar
A grande ternura de amar
Esperança e nostalgia,
Podem encerrar magia
O tranquilo acto de amar
De alguém que está a regressar
De novo o alto mar
Por perto seria mais fácil amar
E, de novo a doce nostalgia
De ter amado alguém um dia

Daniel Costa

sexta-feira, 11 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 3

AVENIDA DA LIBERDADE

Nos ano de l994 e parte do 1965, Lisboa de João Moisés, não passava muito do Bairro da Graça onde vivia, da Avenida da Liberdade, que subia diariamente, por ser o local de trabalho e da zona da Praça do Chile, onde em dois locais distintas, fazia os seus estudos.
Ao fim e ao cabo, parecia não ser existência muito auspiciosa, embora tudo corresse sobre rodas, porque ainda no primeiro ano e perto do local de trabalho, o Teatro D. Maria II sofreu um grande incêndio. Estava com representações de peças teatrais, da programação da grande actriz Amélia Rey Colaço, que passou a trabalhar no então Teatro Avenida. A reconstrução veio a durar até 1978, altura em que reabriu as suas portas.
Não obstante, a vida continuava, o espaço comercial da Rua da Portas de Santo Antão era frequentado, durante o período da tarde, por todo o tipo de pessoas, entre outros um vendedor ambulante de gravatas, cuja montra consistia numa tábua dependurada ao pescoço com as ditas à vista, um senhor forte, de certa idade a quem muitos encomendavam um tipo de bisnaga de creme de barbear, um indivíduo que fora jogador de futebol do Barreirense, durante anos a militar na primeira divisão, um cromo oriundo de famílias abastadas, que o exército expulsara com o posto de capitão, uma verdadeira chaminé fumante, que chegara ao limiar da pelintrice. Para fazer durar alguns trocos oferecidos por amigos, em tempos de mais penúria usava cigarros Kentuky, a que com um certo toque de ironia, apelidava de Phillip Morris. Tabaco de importação e vedado a pobres, pelo preço proibitivo. Aquele custava apenas oitenta centavos por embalagem.
Davam ainda muito nas vistas, um empregado numa firma de distribuição de filmes, de passagem e permanência “obrigatória” à saída do trabalho, um arrumador de sala do cinema Éden, que passava a tomar ginja, antes de entrar no trabalho e era sempre atendido pelo encarregado, a quem deixava taxativamente cinquenta centavos de gorjeta, o que naquele tempo se poderia considerar elevada, para uma despesa de um escudo.
Também muitos empregados de estabelecimentos vizinhos faziam parte da frequência.
Durante um certo tempo, apareceu à noite um casalinho a consumir o licor Natal, a bebida da casa, de fabrico próprio. Davam bom ambiente, pois até metiam conversa o que sempre agradava, tratando-se de uma hora em que a clientela se ia desvanecendo.
Um dia porém, de certeza tinham gasto as últimas economias e fizeram a rábula do esquecimento da carteira. Estava presente, a fazer o lugar de chefia, o filho do dono da casa que, marcava sempre presença, para o fecho da mesma e de boa vontade assentiu que a conta fosse paga no dia seguinte.
Para aqueles clientes, não chegou a haver o dia depois, nem mais nenhum, deixaram de ser vistos definitivamente.
Os turistas eram em pouca quantidade, mas iam adquirindo ali os agradáveis licores, que a casa fabricava, em local próprio: Por vezes pediam para serem entregues no Hotel da sua estadia, normalmente um dos próximos.
Um dia coube a João Moisés fazer uma dessas entregas. A hospedagem era no grande Hotel Avenida, quase imediato, na grande artéria do lado oposto, no início da Praça dos Restauradores, Aí ficou a saber mais sobre o mesmo, tinha constituído um verdadeiro ninho de espiões da Segunda Guerra Mundial.
A sua abertura já datava de 1898, a privilegiada localização e ocupação prestava-se à recolha de todo o tipo de informações que, durante alguns anos interessavam os contendores dos dois blocos, que mantiveram a Europa a ferro e fogo, num conflito armado, sem paralelo ou antecedentes de tão grande belicismo.
Quem, como era o caso, estivesse atento á diferenciação que a grande sociedade humana produzia, a partir daí podia idealizar estudos dedutivos.
Aquela visita era o máximo!...
Realmente João Moisés, começava a ver mais do que, justificada a sua grande vontade de viver numa cidade de grandeza europeia, como Lisboa e lembrava-se muito do dito que antes ouvira:
- “Terras pequenas não fazem homens grandes”!...

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 9 de julho de 2008

PARA LÁ DO MARÃO... III

JERUSALÉM DE ROMEU

Romeu é sede de freguesia, do concelho de Mirandela. Dela apenas 30l residentes fazem parte.
Porém ir a Mirandela e não tomar conhecimento visual da sua antiguidade, de ir tomar um refeição no seu antigo restaurante “Maria Rita” de seguida visitar o Museu de Antiguidades contíguo, observar a paisagem circundante. Atrevo-me a dizer: “É como ira Roma e não ver o Papa”.
De facto, almocei no “Maria Rita”, no dia 05/06/2008, na primeira vez, que passei na região Transmontana.
Não negarei que cultivo o prazer da mesa, faço-o moderadamente. Nessa base a refeição, para mim foi sempre um ritual, uma condição que ali o restaurante satisfaz plenamente, senão veja-se:
Tudo ali está muito bem planeando na antiguidade, que se pode respirar plenamente. Logo na parede da sala de entrada uma placa grossa de madeira diz assim:
“… CHEGUEI À POVOAÇÃO DO ROMEU ÀS 4 HORAS DA TARDE DO DIA 18 DE MAIO DE 1874, PROCUREI UMA ESTALAGEM E ENCONTREI A ÚNICA QUE LÁ EXISTIA E QUE ERA A DA SRª. MARIA RITA, QUE, POR SINAL, NADA TINHA QUE NOS DAR DE COMER. MANDEI ENTÃO ASSAR BACALHAU ACOMPANADO, A PRIMEIRA VEZ PARA MIM DE PÃO NEGRO DE CENTEIO…”
CLEMENTE MENERES
( C ) Daniel Conde 2005
Sentados em cadeiras, a uma mesa, na sala a seguir, com toada de linho e guardanapos do mesmo tecido. A própria sala decorada, entre os vários adereços antigos, continha ainda o seu ancestral forno de lenha.
Domina a ancestralidade, consubstanciada na própria apresentação da ementa, cujo aperitivo principal, é um pequeno pratinho quadrado, de uma alva brancura, contendo azeite, para molhar no pão.
Foi escolhido o prato principal – “Bacalhau à Maria Rita”. Consiste naquele peixe desfiado em pedacinhos de couve, passado pelo forno. Numa próxima visita degustarei o “Bacalhau à Romeu.” Outro item para considerar.
Acompanhou um óptimo vinho, própria Quinta.
À saída, numa outra sala, mais propriamente um salão, uma grande mesa oval serve para uma maior enchente, que se dará mais nos meses de Verão, ou para festas diversas. Decoração sempre à antiga.
Segundo o casal que nos levou ao sítio, pela morada de proximidade, tem ido ali de vez quando emquando, declarando, que a estalagem existe desde há quinhentos anos, por ser local de passagem de espanhóis e naturais de Bragança, sede do Distrito.
Depois uma visita ao “Museu de Curiosidades” contíguo, onde estão patentes automóveis antigos, telefones, gramofones, grafonolas, aparelhos de rádio, relógios, bicicletas, biciclos, máquinas de costura e por aí fora. Tudo dos primórdios e dignos de ser apreciados.
(“Foi preponderante a acção e a generosidade da D. Maria Isabel Bacelar para a abertura do Museu de Curiosidades".
“Clemente Meneres foi um homem influente e de grande inteligência e empreendimento. Oriundo da Vila da Feira, negociava em vinho e cortiça para a Europa e Brasil, tendo empreendido viagens ao Brasil, Norte de África e Médio Oriente, tendo um seu stand participado na Feira de Osaka de 1903. Com o sucesso e crescente aceitação destes produtos, procura não só comercializar como produzi-los também. Nesta sua demanda, chega pela primeira vez a território transmontano em 1874, procurando por supostos sobreirais subaproveitados, acabando na zona do Romeu. Pouco tempo passou para que adquirisse esses sobreirais, e fundasse a Quinta do Romeu à qual se seguiria a Companhia Meneres. O seu interesse pelo cobre ainda as vinhas e os olivais, que adquire e melhora. No Romeu monta ainda uma fábrica de rolhas de cortiça, toda esta exploração existe ainda, sendo visível o IP 4, que corre ao lado desses terrenos, considerado os mais ricos de Trás-os-Montes, de onde sai azeite reconhecido além fronteiras.
Foi depois deste empreendimento que Clemente Meneres se percebeu da importância vital de poder escoar de forma rápida os seus produtos, e, depois da Câmara Municipal de Mirandela se mostrado interesse em trazer o comboio à Terra Quente Transmontana, fez todos os esforços possíveis para exercer pressão com a sua influência e da Associação de Comércio do Porto para que esta obra se concretizasse. Mais tarde, a via-férrea chegaria finamente às portas da sua Companhia no Jerusalém do Romeu, em Agosto de 1905, ficando a estação do Romeu de frente para o seu armazém, permitindo a carga e descarga de matérias e produtos. Não obstante, deixou ainda uma Escola Primária, para a qual alojou e contratou professores, e oferecia o almoço às crianças.
Por tudo isto a linha do Tua não seria o que foi e o que ainda é, sem a intervenção enérgica deste homem de negócios, com uma visão decidida sobre o futuro.
NOTA: Este último texto está numa web da Internet e será devido a Daniel Conde, nome que se encontra gravado entre um traçado retangular e que escrevi acima. O mesmo vem na respectiva tábua a finalizaz.
Daniel Costa

segunda-feira, 7 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 2

SANTO ANTÓNIO DE LISBOA


O grande Santo nascido em Lisboa, tão venerado na cidade que realiza em sua honra marchas populares, na noite de doze para treze de Junho, em grande apoteose, não podia passar despercebido.
João Moisés, apesar de se achar evoluído, por ter começado a trabalhar desde muito novo, gostava deveras do elemento feminino.
Estava instalado numa morada que se prestava aos mais arrojados pensamentos, ainda que vindos daí, mesmo assuntos de carácter religioso, eram de interesse para vasculhar, como vai ficar demonstrado.
Acontecia todos os dias passar algum tempo na sala dedicada ao atelier da anfitriã, onde trabalhavam várias costureiras, que já eram suas amigas, uma delas de certa idade, vivia ainda com o pai, sacristão na capela de Santo António, na Rua do Vale do Santo do mesmo nome.
Em conversa com a senhora, que também ajudava nos arranjos da igreja, veio a revelação surpreendente de que a mesma era a genuína e situava-se no exacto local onde, de facto nasceu o Santo casamenteiro.
A constatação era interessante para investigar, porque era dado como consumado o Taumaturgo lisboeta ter nascido junto à Sé, onde se encontra o grande templo que lhe é dedicado.
O assunto levou João Moisés a muitas pesquisas e afinal nenhuma dava a zona do Vale de Santo António, como o sítio do seu nascimento, no entanto nunca a sua mente deixou de achar verosimilhança no caso, muito pensou no que poderia ser uma hipotética verdade, que não é descabido fomentar e até propor, para uma moderna consideração.
Começou por ser imaginar nos longínquos anos do nascimento do Santo, em que o Vale poderia ser considerado perto da Sé, em que o caminho, de certa maneira curto, era feito a pé.
Pensando bem naqueles tempos, em que por ali tudo eram campos, o Convento de S. Vicente de Fora, onde fizera estudos, que como sempre se situava a meio do percurso, não custava admitir essa versão, que os vizinhos capela do Santo, no Vale tinham arreigada, tanto assim que se estava perante um templo minúsculo e menos pomposo do que o vizinho da Sé e de maior antiguidade, criado antes e também para assinalar o lugar do nascimento do que foi baptizado com o nome de Fernando e mais tarde a pregar em Itália, ao mesmo tempo que veio a Lisboa depor, em tribunal, pelo pai.
Tão bem terá feito a defesa que conseguiu provar a inocência do progenitor, livrando-o de uma condenação certa à morte. O caso faz parte da história da vida do pregador que jaz em Pádua, porque se fosse tomada como verdadeira, estava-se na presença de um invulgar caso do dom da ubiquidade.
A conjectura, não passará disso, mesmo tendo em conta a tradição local e o assunto analisado por alguém que se estava a dedicar ao estudo de todas as coisas, mesmo as vulgares a parecerem comuns, porque ninguém lhes dava importância, mas tinham por onde pegar.
Voltar a estar acordado, na grande mansão da Graça, era interessante porque ali, a par dos serões de cartomancia, muito haveria a contar, como o caso de um casamento e outro de uma espécie de mancebia.
Tratava-se de duas irmãs, uma mulher interessante, mas não bonita, casou com um rapaz a dever pouco à preciosidade de ter inteligência, a outra extraordinariamente bela, a tal ponto que o amante, homem de fortuna, acabou por gastá-la toda à conta daquele enlevo.
Apesar de não haver mulher que valha tal, o certo é que também muita gente daquele sexo contribuiu, para o rápido esbanjamento.
No fundo João Moisés, cuidando do seu futuro, divertia-se naquela verdadeira vida e lá descia, pelo menos, duas vezes ao dia para trabalhar e estudar, a íngreme Calçada do Monte, que leva ao Largo da Graça, mas achava-se fadado para observar os minúsculos actos que a própria labuta de relações públicas traziam à superfície.
Foi assim que, ainda na Rua das Portas de Santo Antão, ao tempo trabalhava numa dependência predial, por debaixo da antiga sede do Sport Lisboa e Benfica, num daqueles Bares de ginjinha, que aliás era de própria designação, a Ginjinha Popular. Não obstante, quando chegava a canícula funcionava e para isso estava preparado, o serviço de venda de capilés, salsaparrilhas, groselhas, bem como limonadas, tudo dissolvido em água com soda, em copos bojudos, de vidro muito grosso.
Era nesse tempo que sempre aparecia um dos porteiros do Clube, homem forte e de grande vozeirão, pedia invariavelmente um capilé à Benfica, numa repetição diária, que o tornava engraçado, enquanto fazia propaganda às virtualidades que achava do Clube seu patrão.
Passava por ali muita classe de gente, um ensaio feito e logo aprendido, é que não se podia guardar fosse o que fosse de qualquer forasteiro, dos muitos que vindos de fora, que aportavam ao local.
Era o tempo da Guerra Colonial, pelo que a senhora dona Censura se mostrava tenebrosa, até mesmo nesses aspectos.
Aquele tipo de policia, sem se dar a perceber, estava sempre presente pelo que nunca se sabia quem era quem, num sítio onde passava todos os tipos de gente.
Já tinham acontecido factos inacreditáveis, no aspecto, embora não se passando mais do que serem levados a interrogatório alguns clientes, que apenas ficavam com ficha na PIDE.
Depois, o João Moisés teve ocasião de observar uma tentativa de jogo da vermelhinha, era uma época em que uma nota de cem escudos se tornava quantia interessante, para aquele verdadeiro conto do vigário.
Passou assim: Um par de homens entrou e solicitou ser servido com ginjinhas de cinquenta centavos. A tentativa de pagamento foi feita com uma cédula de cem, depois de estar o troco pronto, um dos comparsas lá arranjou a moeda de escudo, para a liquidação, então preparava-se para ficar com a nota primitiva e o respectivo troco.
Deu-se de imediato e intuitivamente a descoberta da tentativa de logro, sendo abortada a bem congeminada vigarice.
Desde que abraçara a vida de Lisboa e como só se entendia bem na cidade, onde lhe agradava passar despercebido, tinha terminado uma relação amorosa que ainda possuía na zona de origem.
O trabalho não era encorajador para novos intentos, porque era apenas preenchido pelo género masculino, mas conseguiu a sua primeira namorada, que talvez por imaturidade citadina depressa o trocou. Convém verificar que como não havia chegado a revolução sexual, nem mais ou menos, a abordagem era mais complicada.
Na escola arranjou uma namorada, nada devia a uma mente bem esclarecida, como conviria e depressa teve de ser esquecida, nem o nome Emília dizia algo, já que João Moisés era exigente.
A seguir, foi mesmo ao balcão que catrapiscou uma nova miúda, acompanhada por familiares, a quem veio a conquistar algum tempo depois, em separado, era a Joana e tudo corria bem. Parece que se haviam encontrada duas almas gémeas, mas ainda não seria o fim dos derriços, apesar de o namoro parecer reunir condições para frutificar.
Refira-se que, até então tudo não passou de entendimentos entre jovens, à moda daqueles tempos, porque actualmente, namoro equivale de imediato a uma vida a dois, sendo que os processos de agora, se tirar fora os excessos são mais atraentes, evitando muitos sofrimentos, afinal escusados.
Nessa época, sempre se apresentavam muitas noivas vestidas de branco, que escondiam o seu desfloramento das vistas do público, com um manto constituído também pelo tradicional ramo de flores de laranjeira, o sinal certo que evidenciava a consumação do matrimónio apenas na noite de núpcias, só depois da indispensável bênção divina.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sábado, 5 de julho de 2008

FIGURA INESQUECÍVEL (Brasil) . I

AMÉRICO TOZZINI
Na verdade há pessoas marcantes na nossa vida. É o caso do Américo Tozzini. A amizade não chegou a este século, segundo julgo, o motivo foi a inevitável viagem ao mítico mundo dos falecidos. Afinal sabia que estava já na presença de um homem de idade avançada, por outro lado a sua escrita denunciava decrepitude.
Mas devo render-lhe a minha homenagem, porque ao iniciar-me como Director e Editor de uma revista filatélica, logo recebi o apoio dele. Alguém de longe e enquadrado em assunto tão especializado, como é do vasto mundo comunitário da filatelia.
A minha intenção era abranger tudo o que fosse comunidade de língua portuguesa, incluindo o Brasil. E daquele país estendiam-me logo uma mão.
De facto o Tozzini fazia uma coluna especializada no Jornal de São Paulo e o "Cinco Minutos com a Filatelia", no programa radiofónico "Pulo do Gato", da Rádio Bandeirantes.
Passei a receber, entre o vasto correio, regularmente o daquele amigo, sempre com as novidades brasileiras do âmbito e o importante estímulo.
Passou a tomar iniciativas, sem me consultar, fazendo publicidade à minha publicação, com a oferta de assinaturas aos ganhadores de um concurso que promovia no "Cinco Minutos com a Filatelia" mencionando a Revista e promovendo-a entre os muitos jornalistas brasileiros da especialidade, que nas sua colunas da especialidade lhe faziam referência. Numa pasta especial guardo os recortes, que me pareceram mais significativos.
Fazia muitos comentários, a propósito e atirava expressões, como fulano é daqueles que se "põe em cima do muro, espera que a procissão passe, para saltar para a frente". Achei este dito o máximo, adequava-se perfeitamente às pessoas em questão, segundo fui conhecendo melhor a comunidade do dirigismo filatélico.
Como Director, em tudo o que escrevia, usava o pseudónimo de Miguel Foz, por admiração familiar, talvez como homenagem, sobre isso escreveu: "Você com um nome tão machão, como Daniel Costa não precisa nada de pseudónimos". O pseudónimo estava devidamente registado e lá lhe expliquei os meus porquês da utilização.
Cheguei, mesmo a ter uma pasta especial onde arquivava essa vasta correspondência. Actualmente mantenho vários documentos e são bastantes, por serem peças de filatelia.
Por fora das cartas, sempre me referenciava, com as palavras Jornalista, ou Editor.
E uma inconfidência, em poucas crónicas que me remeteu usou o pseudónimo
Durante cerca de trinta anos, durou a troca de correspondência, até que se calou.
Daniel

quinta-feira, 3 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ -1

CAFÉ LISBOA

Não pode haver dúvidas, Lisboa é uma cidade encantadora, o João Moisés levou uma mocidade inteira a sonhar com uma vida na capital. A ideia não provinha dos deslumbramentos que a paisagem pudesse provocar, pois até à idade adulta nem dela se aproximou! Mas sim dos forasteiros nela a viver, que visitavam a aldeia situada no ameno Oeste, sobretudo por festas populares ou outras do calendário litúrgico, como Natal ou Domingo de Páscoa,
Destacavam-se sempre dos habitantes locais por uma postura mais urbana, patenteada desde logo pela indumentária que exibiam, talvez de modismo mais adequado.
Para já, não achava ter nascido para agricultor, como o Estado Novo catalogava todos os que viviam uma agricultura de subsistência. Como era o caso.
Considerava-se capaz de fazer outras coisas mais importantes e logo na adolescência começava a movimentar-se nesse sentido.
Só no decorrer do ano de 1964, depois de uma cumprida obrigatoriedade militar, entre a qual vinte e sete meses de mobilização em Angola, tempo que considerou serem a únicas verdadeira férias passadas até então, chegou a oportunidade de se fixar na cidade com que sempre sonhou, a formosa Lisboa.
Foi em Abril, o primeiro que o governo de então considerou especial, dedicando-o ao início oficial da indústria turística em Portugal.
O Algarve que tem hoje importância, nessa florescente actividade a todos os níveis, era ainda mal conhecido e do aeroporto existente actualmente na cidade de Faro, estrutura fundamental para o objectivo, havia ainda só o terreno e um projecto.
O centro da cidade era pujante, o Chiado fervilhante foi eleito para uma maior visibilidade turística, com a distribuição de flores aos forasteiros que vinham conhecer o País.
Tinha sido feita além fronteiras, para a divulgação das virtualidades de Portugal na vertente do bom Sol e os próprios Correios apondo sobre os selos das cartas uma flâmula, em francês, cuja mensagem era apenas a seguinte: “Avril au Portugal”.
Por ironia meteorológica, o mês que costuma ser já muito solarengo no rectângulo mais a Sudeste da Europa, apresentou sempre o céu cheio de nuvens e aguaceiros, tudo o que encobria o Astro Rei.
Foi nessa bruma, que João Moisés iniciou a sua nova vida. Pensava-se muito capaz, porém apesar de já contar com alargada experiência de vida, arreigada em muita labuta, seleccionou o trabalho que achou melhor se coadunar com o que pretendia – estudar afim de vir a entrar noutro mundo mais excitante.
O eleito foi o lugar de barman, para todo o serviço, já que a sua experiência de empregado de balcão era a de estreante, tinha vinte e três anos apenas, mas demasiada idade para iniciar do zero, tal carreira.
O local era a baixa de Lisboa, tal como desejava, na Rua das Portas de Santo Antão, ainda designada por Eugénio dos Santos, pois teve como patrono esse grande nome da arquitectura Pombalina,
A altura do ano escolar já estava longe do início e dedicou-se a pequenos cursos que estavam já a deixar de fazer sentido, mas que se revelaram muito benéficos para a integração num mundo novo, o de estudante trabalhador.
Continuando a laborar na mesma entidade patronal e acabando por evoluir rapidamente, foi transferido para outra casa do género, na Avenida da Liberdade, junto ao parque Mayer, na altura um local também de grande bulício da Lisboa nocturna do tempo e como só se trabalhava bem depois das dez da noite, dava para que antes pudesse haver alguma dedicação ao estudo.
As aulas decorriam a bom ritmo, melhor do que João Moisés podia ter sonhado. No caso eram dedicadas a adultos, havia alguns polícias com intuitos de concorrem a inspectores da Judiciária e foi desses que saiu a grande desilusão:
- Para ter acesso àquele Corpo Policial era necessária determinada estrutura física, o ter sido apurado para servir no exército, a condicionante que só por si não bastava.
O seu problema baseava-se em que tinha sido mobilizado por obrigação e fora do mesmo, sem mais outras aptidões físicas, não podia haver seguimento de carreira.
João Moisés “teimoso” como era e muito dado a leituras policiais, sem ter em conta que os cenários se situavam sempre na América do Norte, logo atentou na possibilidade de vir a tornar-se investigador privado. Como se haveria de ver!
Ter chegado a Lisboa, trabalhar e estudar, constituía o princípio do cumprimento dum grande sonho, uma realidade que se estava a concretizar, isso era para já o que importava.
Estava hospedado numa grande mansão, no famoso Bairro da Graça, mais propriamente na freguesia de Santa Engrácia. A casa era de uma grande modista, senhora que, por seu turno a tinha herdado dos pais, cujo elemento masculino tinha pertencido a um Corpo Policial, antecessor da Judiciária, falecido na cama repentinamente na mesma noite, que lhe tinham dedicado um jantar, em virtude de ter subido na carreira.
Guindara-se a um posto mais elevado, pela sua inteligência e estrutura moral, o que orgulhara os inúmeros familiares, que não viviam na cidade. Estes aventaram que talvez alguns colegas roídos pela inveja lhe tivessem administrado, naquele jantar de homenagem algum ingrediente fatal, afim de passar a haver na Corporação um alinhamento menos ambicioso.
Havia já muito tempo que o caso se passara, mas era para ainda dar que pensar.
Não havia professores Karambas ou Alages, vastas publicidades a cartomancias, ou a várias “leituras”, mas a hospedeira de João Moisés, nos tempos livres, entretinha-se ao estudo da vida das pessoas deitando cartas. Além de ser engraçado, porque em muitas coisas ditas, algo aparecia de verosímil.
De concreto as predições só serviam mentes fracas, como todos os prognósticos pessoais.
No fundo, muitas coincidências apontavam que se mantivesse o gosto de investigar a fundo muitos assuntos, tanto mais que o trabalho junto ao Café Lisboa, o local onde funcionavam os Teatros de Revista, uma Broadway à portuguesa e ainda a proximidade da maioria das casas de vida nocturna, a sua labuta até às duas da madrugada, o saber ouvir o que se comentava, muito característico dos profissionais de balcão ou de mesa, da indústria hoteleira, eram os ingredientes ideais para perseguir o objectivo.
Foi assim que num belo dia, depois de terminado o trabalho da noite, ao chegar às quatro da madrugada a pé, passando pelo Martim Moniz e Rua do Benformoso, uma resolução foi definitivamente tomada: O João Moisés em pensamentos, sempre íntimos e positivos, mesmo àquela hora tardia, tomou uma resolução, a de passar a investigar virtualmente certos factos, que lhe parecessem relevantes.
No fundo, sempre praticara a ideia de deitar os olhos por tudo o que lhe parecesse razoável, mas para objectivar mais a ideia.
Planeara encomendar e mandar fazer um novo fato, dirigiu-se ao grande estabelecimento, quase em frente ao Hotel Mundial, a tal casa que as rádios anunciavam como a de – “três entradas para uma saída feliz” – denominada “Lanalgo2 e depois de ter feito a compra, de imediato e por já ter entrado a época de fazer aquisições de vestuário para o Inverno, procurou adquirir uma gabardina que lhe conferisse um toque policial. Consegui-o; era de uma cor azul escuro, cinto do mesmo tecido, com ombros adornados de platinas metálicas, como se pertencesse mesmo a algum policial, com a notória diferença de possuir fivelas de metal prateado a fechar.
João Moisés, tomou ainda a firme resolução de continuar os estudos, para vir a ter um melhor emprego, mas sempre compatível com uma área que lhe permitisse estar atento a qualquer desvio gregário ou algo fora da normalidade comum.
Qualquer defeito vivencial humano que pudesse vir a detectar!...
Daniel Costa – in “JORNAL DA AMADORA

terça-feira, 1 de julho de 2008

SERÁ LOUCURA

LOUCURA

Dizem que sou louco
Dizem
Que me importo
Convivo feliz com a loucura
Amo o mundo
Amo a ternura
Esse manto de brandura
Afastando sofreguidão
Não…
Não vivo num universo
De ilusão
Sei que muitos choram
Porque não têm pão
Encolhem ombros, que mansidão!
Será hipertensão?
Doçura, remédio na escassez!

Deixem-me ser louco
Digam-me que os grandes
Se preocupam um pouco
Apelo à humanidade
Enquanto justiça do alto espero
Esperar humildade e candura
Dos grandes que apenas almejam
Fazer figura
Fazer da justiça bravura
Bendita loucura
A denunciar um mundo de loucos
Fingindo que pensam
Muitas promessas
Para muito arrecadar
Depois muito a poucos dar
Oh loucura!
Olhai a robustez
A dos loucos de vez

Daniel Costa