domingo, 29 de junho de 2008

RÁDIO ANTIGA

O QUE É UMA GALENA?
Muitos não saberão o que foi um aparelho radiofónico, que julgo ter sido pouco utilizado, o qual tomou o nome de GALENA.
Pensando no assunto e porque me coube o privilégio de usar um desses receptores, proporcionando-me um período de rara felicidade, nos meus tempos de juventude.
Tentarei descrever o aparelho.
Verificando vários dicionários e enciclopédias, não encontrei este nome, senão mencionando um metal como sendo um dos mais vulgares dos minerais de chumbo. Por outro lado, fazendo uma recolha, pude verificar serem os cristais de galena usados como detectores na T.S.F.
Depois destas breves pesquisas conclui, que a denominação de GALENA para o citado aparelho emissor de ondas de rádio, vem do metal galena, visto ser um pedaço desse, o principal elemento funcional da citada peça radiofónica.
Nos tempos em que utilizei o tal aparelho, porque foi na década de cinquenta, só a Emissora Nacional possuía capacidade de difusão, para se fazer ouvir com tão rudimentares recursos, que dispensava energia eléctrica. Lembro contudo de ter conhecimento da Rádio Graça, a difundir da Rua da Verónica e dos Emissores Associados de Lisboa. De certeza haveria outros, ainda não existia TV em Portugal e a rádio sendo já uma "senhora", era uma coisa de real sedução.
Por isso a GALENA era uma verdadeira atracção, até pelo gozo que proporcionava, uma vez que era um autêntico "faça você mesmo". ainda muito rapazola lidava bem com a atraente geringonça!
Primeiro estendia um longo fio desde o cocuruto de uma árvore até uma janela, que havia no sótão. Antes da entrada, três elementos de louça ligados com a ponta do fio, evitavam qualquer contacto entre a parede e o mesmo, daí derivava a ligação para o interior. Depois uma extensão segura a uma pedra enterrada no chão, fazendo a necessária "terra" a completar o exterior. Chegado o Verão, tornava-se necessário regar o chão, afim de ser criada a humidade necessária ao contacto com as ondas de rádio.
Aquilo era de uma simplicidade que, por falta de uma parte dos elementos, começou por funcionar apenas com fios, com ligações aérea e terráquia, a uma ficha cada, uma das quais ligada a um pedacinho de galena, a outra estabelecia o contacto com a Emissora, com a busca de qualquer saliência a dar essa possibilidade. Um auscultador apenas fazia chegar a emissão ao tímpano respectivo, que por sua vez só era audível com aquele elemento pegado mesmo ao ouvido.
Mais tarde chegou o resto do material, que se resumia a quatro tabuinhas, com as quais foi montada uma caixa própria encimada com um pequeno rolo de vidro, onde era introduzido o tal pedaço de galena e uma espécie de monitor, composto por um fio de forma encaracolada. Ficava mais prática, rodando a peça, a forma de entrar no som do posto da Rádio Nacional. A mesma estrutura ficava a constituir o rudimentar rádio tinha acopladas as respectivas ligações referidas anteriormente.
Evidentemente que hoje, por puro entretenimento, ainda se podia montar um destes sistemas tanto mais que já cheguei a ver apresentado um exemplar num célebre programa de televisão, que dava pelo nome de 1-2-3.
Claro que para montar o esquema, seria necessário espaço abundante fora de zonas citadinas, porque nestas é reduzido.
No entanto com a vivência dos dias de hoje não se pode pôr algo do género em equação, basta ver que a rádio de há cinco décadas, nem funcionava todo o dia, não havia ainda satélites, para se ter no ar todas as transmissões efectuadas actualmente, por tudo e por nada, em todo o mundo moderno.
Daniel Costa, in JORNAL DA AMADORA - 10/11/2005

sexta-feira, 27 de junho de 2008

AMIZADE - I

MEMORIAL A ROUSSADO PINTO
Recordar o passado não é viver apegado somente a más memórias se, se tiver uma mente optimista, tendo em conta que prestar a devida homenagem a quem merece ser lembrado, pelo espírito empreendedor e aberto, pode ser ainda uma maneira de encarar a vida pelo lado positivo, mesmo pensando em alguém, com quem chegámos a conviver com admiração, mesmo em momentos fugazes, e que deixou de pertencer a este mundo, como é o caso de José Augusto Roussado Pinto, finado em 03/03/1986, já vão 22 anos.
Fazia o favor de ser um bom amigo, segundo expressam alguns livros da sua autoria que me fez chegar com significativas dedicatórias.
Profícuo jornalista e autor multifacetado, incansável elaborou e dirigiu durante vários anos, o que considero a sua maior obra, o "JORNAL DO INCRÍVEL", que muitos ainda recordarão. O semanário sempre me foi amavelmente remetido até ao número 278, edição de 9 a 16 de Março de 1985. Aquele número tinha já a direcção da sua filha Zaida Roussado Pinto, dava conta da morte do seu criador aos 58 anos.
Nessa edição vinha reproduzida a última maqueta do finado Director, que quase sozinho dava semanalmente conta do hérculo trabalho de pôr de pé um periódico da envergadura de um "INCRÍVEL".
Há também a destacar "JORNAL DA SEXOLOGIA", figurando como Directora a sua filha, porém era visível a concepção e a criatividade de Roussado Pinto. Foram sempre saindo outras realizações, no campo literário, sobretudo Policiais, revistas de fotonovelas, contos vários, autoria de textos de Banda Desenhada, etc.
Sabendo-se que usou dezenas de pseudónimos, em livros Policias, "Westerns", Espionagem, Amor, Aventura, segundo me foi afirmado, de viva voz, pelo que seria sempre difícil proceder à contabilização.
Trabalhou em vários jornais, como o "DIÁRIO ILUSTRADO", que existiu há várias décadas, de cujas reportagens concebeu livros como "EU FUI VAGABUNDO" e outros, com assinatura própria ou "A CABEÇA DA OUTROS", uma interessante compilação de pensamentos de vários escritores e até de anónimos, assinado com o pseudónimo de Steve Hill. Estes livros foram editados, pela Portugal Press, situada na Rua Coelho da Rocha, 28 em Lisboa, de que era sócio, creio que com todos os poderes.
Revistas de fotonovelas como "CARÍCIA" ou "IDÍLIO" em que utilizou um pseudónimo, que se tornou muito comum, de Edgar Caygil. Curiosamente privei com várias personagens, antes e depois da existência dos títulos, até com o muito conceituado fotógrafo, J. Nunes Correia, falecido em aparatoso desastre ao serviço da extinta revista "FLAMA".
Publicações, em edição da Palirex, Rua Padre Francisco, 14 em Lisboa, de que também fez parte, compondo um trio de associados, todos com poderes administrativos.
O pseudónimo de Ross Pynn, talvez tenha sido o que mais utilizou, nas suas inúmeras produções.
Também foi incansável como autor e cronista de Banda Desenhada, como " O PLUTO", "MUNDO DE AVENTURAS", "TITÃ" e outros onde teve como companheiro um criador de desenhos, da envergadura de Victor Peón, com quem vim a falar já depois da Revolução de Abril, no seu regresso a Portugal, outra morte prematura.
Roussado Pinto, assim como se dedicou a várias compilações, editou bastantes romances Policiais, curiosamente muitas vezes, com cenários da América, assinado com nomes a dar a ideia de um americano, nato conhecedor daquele país, deixando assim a impressão de se movimentar naqueles meios. De facto o autor nunca terá visitado aquele Continente, disse-me um dia que inventava e imaginava os locais com as suas habituais leituras.
No entanto como tenho predilecção por romances Policias, desfolhei alguns assinados com nomes americanos, sempre conhecia quando eram daquele autor. Até sabia que em ocasiões de produzir mais um volume, era muito capaz de se isolar, um fim-de-semana, num qualquer hotel algures e saia a produção.
Da saudosa memória foi a revista "SELECÇÕES MISTÉRIO", de que foram publicadas nove números, onde Roussado Pinto colaborou quase sempre com contos Policiais inéditos, que me era dado ler como toda a revista, publicação do também incansável Lima Rodrigues, que me convidou a participar, portanto vim a receber toda a edição, depois de enviar as minhas produções para um jornal que ele havia adquirido, no entanto fui apanhado em altura de estar a sustentar a criação da minha própria revista o que me privou de alinhar com parceiros de valor dos que ali pontuavam.
No número seis de Novembro de 1981 foi publicada a realização de uma festa homenagem, mais que devida a José Augusto Roussado Pinto. Teve lugar num restaurante de Santarém, reunindo cerca de cento e cinquenta amigos que quiseram preitear-lhe a grande admiração, entre eles contavam-se nomes como o de Artur Varatojo, recentemente falecido, já com oitenta e um anos, Lima Rodrigues e muitos outros, nomeadamente vários policiaristas.
Foi apresentada uma exposição de trabalhos seus e entre vários discursos, assinalou-se o evento com a entrega ao homenageado, pelo seu neto, de uma salva de prata.
Sobre assuntos, sobretudo alguns dos muitos que abordava no seu jornal, cheguei a questioná-lo por os mesmos me parecerem ficção. A resposta era sempre igual, tudo o que ali era dito partia da veracidade. Mesmo tendo em conta o momento actual em que a ficção por vezes ultrapassa a realidade, tenho de equacionar a grande capacidade criadora ficcionista de que era detentor José Augusto Roussado Pinto.
A fatalidade chegou com a terceiro colapso, que se pode entender pelo grande apego à realização patenteada, que o levava a trabalhar muitas horas.
Pouco depois do segundo colapso do género, que o levou ao hospital em 1982, o primeiro ocorrera em 1975, casualmente encontrei-o nos Restauradores e falei-lhe pela última vez. Ali conversámos e como era bastante mais velho, além de focar o acidente que sofrera, achou por bem fazer-me recomendações sobre esse bem que é a saúde, parece que adivinhava porque o fazia. Concluo agora não ter sido por acaso, visto conhecer-me bem e de longa data.
Depois do segundo acidente voltou, com a "febre" que o caracterizava, ao "INCRÍVEL".
No seu mapa astrológico já devia estar inscrito o sinal a indicar o fim do grande trabalhador da arte pela escrita.
Daniel Costa - in "JORNAL DA AMADORA" - 23/11/2006.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 26

EPÍLOGO
Julgo que haverá vários ineditismos, neste trabalho, na medida em que, será a primeira vez a aparecer em público, em livro da Guerra de Angola, da autoria de uma praça. Afinal uma classe muito numerosa a ser mobilizada.
Há vários trabalhos de autores conhecidos, apenas tropa de galões. Muito fundo político e ficção, ficando de fora o lado humano do grosso composto pelas praças, que raras vezes tiveram voz.
No fundo a base de toda a mobilização foram as praças, os muitos homens, que começaram aí a libertar-se da miséria das suas terras, deixando ao mesmo tempo, muitas vezes um vazio nos orçamentos familiares, porque se está a equacionar o Portugal real dos anos sessenta.
O que fariam os oficiais subalternos e superiores, se não dispusessem de um grande exército de praças para comandar?
Então porque é a RTP 1, pagos os seus serviços pelos impostos desses, os eternamente esquecidos, dá tempo de antena a estrangeiros?
Estiveram nessa guerra, é certo, mas beneficiaram da oportunidade de conquistar as independências para os seus países e é aos órgãos da comunicação social desses, que deverão pedir a palavra.
Um dia ouvi a um eficaz comandante militar: Nós temos direito à vida, porque somos novos e apenas mobilizados, ao serviço da Pátria.
Não terão esses milhares de praças, direito ao respeito sincero dessa mesma Pátria a que foi “oferecido” o sacrifício de muitas vidas?
Deve ter-se em boa conta os adversários de ontem!
- E nós?
É apresentada uma versão mais de caserna, outro ineditismo!
Fala A.M. e muito bem, na sua apresentação, que designou por: DUAS PALAVRAS – de escrita diarista, de facto os créditos são devidos ao meu diário pessoal, rudimentar é certo, porém só conheço a existência de mais um, o do actor Pedro Pinheiro, que o mostrou na Televisão.
Portanto, estará aqui outro ineditismo!
Há todo um desfile de factos reais, só possíveis de mencionar com datas certas, porque foram anotados no local respectivo. Só os nomes da praças e sargentos são ficcionados ou omitidos.
Os nomes dos oficias subalternos, do 297 e os dos Comandantes sãos reais.
Omitidos os do eventual 350, são a revelação da admiração pelo profissionalismo dos primeiros a contrastar com o dos segundos.
Aparece o apelido do sargento Pinedo, uma pequena homenagem que lhe é devida, um merecimento, que ninguém lhe terá reconhecido.
Os quatro sub grupos, constituídos nos Batalhões, para as Guerras do Ultramar, formaram sempre companhias. A designação ESQUADRÃO é atribuído a Cavalaria. Como os oficias eram todos oriundos da Arma, e estava-se no princípio, utilizaram sempre as vozes de comando inerentes e até a postura foi sempre a transmitida.
O cabo Onofre, assim como todo o seu primitivo pelotão tinha a especialidade de Armas Pesadas, da Cavalaria. Foi já adaptado no Grafanil, ficando uma secção, de doze homens, em esquadras de três, uma de Metralhadora Pesada Breda, outra de Morteiro, e uma outra de Bazuca, a pertencer a cada pelotão.
Um paradigma importante é do caso do soldado raso, que vindo da Portugália a Luanda, para se apresentar numa parada, afim de receber a Cruz de Guerra, de Ferro por acto de bravura em guerra, ter regressado em estado de desnutrição, a ter de receber tratamento médico.
- Então um herói não merecia receber tratamento como tal?
- Por exemplo, ser acompanhado por um superior e estar à sua disposição uma avioneta ou outro transporte condigno, para a deslocação.
- Presente a banalização de condecorações!...
Daniel Costa
Fim

segunda-feira, 23 de junho de 2008

ESQUADRÃO 297 EM AGOLA - 25

O REGRESSO DE ANGOLA
No dia vinte de Março, com a integração de todos os elementos nos esquadrões de eram originários, o eventual naturalmente deixou de existir, com o normal reagrupamento.
No mesmo dia procedeu-se à devolução de todo o equipamento militar, corolário eminente do regresso à tão desejada vida civil, para o que havia um Oceano de separação, além de outras formalidades, a constituírem outras tantas provações.
Nessa tarde o Onofre almoços com vários camaradas, num restaurante de Luanda, depois de passaram o resto da jornada visando as últimas compras, com outros entretenimentos, na maior descontracção, visto o dever estar cumprido.
Ainda no Grafanil, a vinte e dois, o Onofre conheceu a inesperada felicidade de receber a visita do irmão, que já tendo assentado praça na marinha, tinha sido mobilizado para Moçambique, cujo navio fundeara no porto de Luanda.
Passava ali o dia todo e depois de apresentado a vários companheiros, serviu de companhia na última jornada de gozo na capital de Angola, enquanto havia muitas aventura e novidades, para trocar.
Um dia inesquecível, por assaz interessante!
Chegou, finalmente o embarque de regresso, era outro dia memorável, o vinte e três de Março de 1964. De manhã cedo foram ordenadas todas as bagagens, que se fizeram de imediato chegar ao transatlântico “Vera Cruz”, que as havia de levar de regresso a Lisboa, com mais cerca de dois mil militares, em fim de comissão.
Vieram então as ditas provações, que aquela tropa bem podia dispensar, embora tidas como “honras militares”. Consistiram numa aparatosa parada de despedida, ainda em pleno campo do Grafanil.
Duas longas horas sob um calor intenso, em formatura, para ouvir a historiografia das actividades exercidas durante vinte e sete meses, para o caso do Batalhão 350, de que o Onofre fazia parte.
Foi, realmente, uma grande apoteose de despedida, contando com a presença do General Comandante da Região Militar de Angola, a comandar depois um desfile militar de grandiosidade, pelo número de unidade envolvidas.
Por fim, todos os intervenientes, que deixavam as obrigatórias funções, que as tivessem desempenhado melhor ou pior, receberam um diploma individual, com a assinatura do citado oficial, Comandante Superior, em carimbo aposto, depois de dactilografado o nome pessoal e da Unidade a que pertencia, cada qual e por fim a frase: “Atestado o seu apreço pelo brio profissional e valentia com que se bateu pela Pátria em terras de Angola”.
Seguiu-se de imediato o embarque num comboio, em gare criada para o efeito no próprio Grafanil, que fez o transporte de todo o pessoal, para o porto da baía de Luanda, afim de que o paquete “Vera Cruz” zarpasse até Lisboa, repleto de homens fardados.
Enquanto no transporte ferroviário ia marginando a cidade, o Onofre não deixou de reparar nas sanzalas que a rodeavam, algumas com brancos, aqueles que porventura não haviam conseguido a qualidade de vida almejada, pelas mais variadas circunstâncias.
Pelas três da tarde já com tudo a bordo, podendo ver-se muita gente no cais, fez-se ouvir o toque de despedida pela fanfarra do Regimento de Infantaria de Luanda, à partida do navio.
Apesar da muita felicidade motivada pelo regresso, a cerimónia não deixou de causar um frémito de emoção em muitos corações sentimentais, tal como o do Onofre.
Os dias que pareciam infindáveis, na viagem de regresso, passados em alto mar. Quando se chegava à amurada só se avistava água, por vezes havia o recurso à leitura, também se efectuavam longas conversas, em que eram abordados reluzentes projectos de vida futura.
Muito dado a reviver um passado, ainda que recente, como o era o a comissão imposta e a terminar, o Onofre rememorava muitas incidências vividas em África, como as relativas a Madrinhas de Guerra, no fundo uma agradável maneira de trocar correspondência e sobretudo o facto de durante os treze meses passados na zona de guerrilha ter dormido com arma ligeira, uma pistola metralhadora, que lhe fora atribuída para defesa pessoal, sempre debaixo do travesseiro, destravada em ponto de disparar de imediato, caso acontecesse o sempre previsível ataque.
No dia vinte e seis um remédio, uma espécie de purga geral, criou mau estar, o que continuou na jornada seguinte.
Já no dia vinte e oito, mazela esquecida, cabeça rodando com os balanços nave, à noite pôde assistir-se à exibição do filme “Quatro Raparigas”.
Celebrava-se a Páscoa a vinte e nove de Março, a bordo a monotonia e o veemente desejo do cabal regresso. Começou a sentir-se frio, para quem deixara para trás vinte e sete meses de clima tropical, notava-o mais acutilante, já em atmosfera europeia e porque o fim daquele mês de Março estava agreste, o mar tornara-se muito agitado e o navio balançava bastante.
Como resultado, o grande salão da classe turística, destinado às refeições das praças durante aqueles dias ser utilizado, por apenas dois passageiros, entre os quais os Onofre, que utilizava uma das mãos para a estabilização do talher, sem o que o mesmo dançava por toda a mesa, num vai e vem, em frenética agitação.
A trinta soube-se estar-se de passagem junto da costa das Canárias, a demonstração de que se aproximava o porto de Lisboa. E o mar continuava no seu frenesim de bravura.
Finalmente, no dia um de Abril de 1964, o “Vera Cruz”, manhã cedo acostou à Gare Marítima de Alcântara, na capital de Portugal.
O dia apresentou-se sempre sob uma arreliadora chuva miudinha e fria, impróprio para a celebração de quem chegava de cumprir serviço militar em Angola e eram cerca de dois milhares de homens que tinham servido ali de guerrilheiros a bem da Nação.
De imediato se processou o desembarque e forças metropolitanas do exército apresentaram sacos individuais de comida, que servia de alimentação naquele dia, para todo o contingente.
Até à uma da tarde deambulou-se, cada qual deu a volta que entendeu. Procedeu-se depois à inevitável cerimónia de desfilar perante um Senhor Oficial General, sempre a chuvinha miudinha e fria a cair. Só então se a mais uma etapa, o embarque no próprio perímetro da Gare, em comboio especial, que iria levar toda a tropa do Batalhão 350, ao Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, onde havia sido feita a mobilização.
Ainda mais um desfile, da estação ferroviária local. Destroçou-se junto ao refeitório, onde foi servido pelo exército o último jantar.
Ainda, nessa noite se procedeu ao espólio, muitos já se tinham munido de roupa civil.
A seguir, em união com colegas de proximidade, encheu-se um táxi, para transporte de novo ao seio paterno.
Fica aqui patente a grande saga do Onofre, na guerrilha de Angola!...

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sábado, 21 de junho de 2008

POEMA

A VIAGEM

Num dia de solidão
Concebi uma viagem
Desde então a minha vida
Conheceu uma viragem
Esvoacei até ao infinito
Avistei um mundo esquisito
Um primeiro a apregoar milhões
Povo apenas com miragens
Onde apenas chegam tostões
As farturas no reino
Pareciam ser tantas
Eram bravatas afinal
De quem veio falar de beatas
Aconteceu em Portugal
Um país de beleza natural
Onde há homens
De tamanha pequenez
Foi assim que Deus os fez
A apregoar riquezas
Onde apenas há mesquinhez
Que caminho segue Portugal?

Daniel Costa

quinta-feira, 19 de junho de 2008

ESQUADRÃ 297 EM ANGOLA - 34

DA PORTUGÁLIA AO GRAFANIL
Num Domingo, quinze de Março de 1964 às cinco da manhã, o esquadrão eventual 350, partiu finalmente da Portugália, rumo ao Campo Militar do Grafanil, às portas de Luanda. A viagem foi feita em camionetas civis de caixa aberta.
Seguiu-se a estrada, uma recta sem qualquer asfalto, ladeada de bambus, até ao destacamento militar do Camissombo, onde se encontrava estacionado um Batalhão. Chegou-se sem qualquer incidente, logo às sete da manhã, com a habitual paragem, afim do respectivo comandante receber o testemunho do responsável da tropa que ali passava.
Cumprida a praxe, com pequenas avarias mecânicas, atingiu-se Henrique de Carvalho às seis da tarde do mesmo dia, onde se pernoitou, com exposição ao luar, dentro do grande complexo militar, com os mais variados serviços respeitantes ao Sector ali existente.
Entretanto, o Onofre com alguns amigos, aproveitaram a jantar num dos restaurantes da cidade. A certa altura discutia-se se a região também era dominada pelo dialecto quioco. Podendo o facto ser testado visto o empregado de serviço ser indígena, de imediato se utilizou o procedimento seguinte:
- Genarié (como te chamas)?
- José, mata (senhor).
- As duas palavras, algumas das que tinham sido aprendidas daquele dialecto, deram resposta à questão equacionada, Henrique de Carvalho, pertencia ainda à vasta região onde todo o povo se expressava em quioco. De facto estava-se na capital da Lunda, cuja criação foi defendida em Lisboa pelo oficial do exército português e grande explorador, desse nome, que em 1928, Norton de Matos, o Alto-Comissário de então, atribuíra à cidade.
No dia seguinte, pelas quatro da madrugada, debaixo de chuva intensa, estava o comboio militar, de novo, na rota da viagem, que o havia de conduzir ao Grafanil.
Conseguiu-se alcançar a povoação de Cocolo, onde se procedeu ao almoço, que em trânsito consistia na usual ração de reserva.
Para o Onofre, cozinheiros, sargento escrevente do rancho e outros, que faziam parte dos amigos mais próximos ainda havia restos de chouriço enlatado e outros produtos de longa duração, que conseguiu reservar.
Ainda exposto à intempérie, o numeroso grupo retomou caminho, para uma etapa atribulada, com o atascar de várias viaturas, acabando por pernoitar naquele caminho, sempre de terá areenta e batida, perdida algures, ainda em pleno distrito da Lunda.
A dezasseis, sempre debaixo de chuva, conseguiu-se a libertação da lama e de novo se deu o seguimento da viagem.
Perto da povoação de Quissange, na aproximação da hora de almoço, um dos carros onde na cabine, viajavam o médico e a esposa, com o respectivo motorista, carregado com um pesado gerador eléctrico, acabou por tombar numa ravina, não houve danos nem ferimentos.
Habituados àquelas variações atmosféricas tropicais, os homens civis do volante, conseguiram impor os seus apelos, perante o comandante da coluna, capitão Ferrand de Almeida, para que mandasse parar todo o contingente, até que o terreno enxugasse.
Era assim, que as grandes viagens, naqueles terrenos e com condições atmosféricas adversas, os haviam traquejado!
Arreados os seus equipamentos de viagem, enquanto os militares iam tomando a refeição do meio-dia, a partir das caixas de rações individuais, cozinharam as suas batatas com bons nacos de bacalhau, em fogueiras improvisadas.
Depois de tudo saciado, como por encanto parara de chover, mediando o espaço de tempo suficiente, para que o caminho enxugasse, como se as bátegas de água caíssem sob sol ardente, porque em pouco verificara-se a total secagem do terreno.
Chegou, pois, o tempo de erguer a viatura caída, parecendo que a tragédia assolara aquele contingente militar, em movimento.
Tudo foi resolvido, com a astúcia dos profissionais civis, utilizando o cordame, que sempre os acompanhava, como medida preventiva. Fez-se jus ao dito popular: “Muita gente faz a guerra”! Um deles postou-se a comandar a melindrosa operação, pois todas as mãos se agarravam a cordas, amarradas de todos os ângulos, a fim de se estabelecer equilíbrio.
Com a grande força exercida, em pouco tempo estava a viatura levantada e em condições de seguir viagem.
O Onofre teria de confessar ter aprendido ali muito, de como era o modo vivencial daqueles destemidos motoristas da África negra.
Ainda a dezoito de Março, estando-se no ano de 1964, passou-se por Nova Gaia, além de várias povoações. Era já noite estava-se a entrar os portões do aquartelamento de Malange, já em novo Distrito de Angola, com sede naquela cidade, onde se fez a refeição, recorrendo á famigerada ração de reserva.
A dormida dessa noite teve também lugar naquelas instalações e de novo junto das respectivas unidades de transportes.
Chegados às dez da manhã do dia seguinte, dezanove, perto de onde existem as grandes cataratas de água de cento e oito metros de altura, uma das jóias de Angola, proporcionadas pelo caudal do rio Lucala, na altura designadas por Duque de Bragança.
Depois atingiu-se a picada que ia dar a Cacuso, com a inevitável deslocação ao aquartelamento local, pelo comandante para deixar as saudações militares. A oportunidade foi aproveitada pelo Onofre que, por correspondência, tivera conhecimento do facto de ai estacionar um primo, a que fez também a visita.
Tendo havido pouca demora, seguiu-se a viagem, com passagem por Lucala e Salazar, onde Onofre teve outro casual, encontro com um conterrâneo, que fez chegar à família o estado em que o encontrou: Cheio de pó, mal dormido, no fundo relatou a odisseia.
Não seria para menos, se bem que para o visado, não passasse de mais uma aventura para contar.
Depois da passagem por Dondo e Catete, povoações já conhecidas, finalmente a vinte, já entrada a noite, chegou-se ao Grafanil.
No famoso campo militar, ponto de chegada e abalada da maioria dos elementos que, iam fazer frente à guerrilha. O esquadrão eventual 350, ficou abruptamente sem qualquer cadeia de comando, como se entrasse na orfandade, ninguém mais se preocupou.
Então, cada qual procurou os colegas do Esquadrão de origem, a eles se juntando, para orientações.
Posto isto, depois das respectivas e necessárias providências pessoais, cada um tratou de respirar fundo e passar uma noite de tranquilidade, dormida no chão, sob abarracamentos provisionais militares.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

terça-feira, 17 de junho de 2008

PARA LÁ DO MARÃO... II

PRINCESA DO TUA

Bela Mirandela
Onde se espraia o Tua
A ribeira do Carvalhão
Passando serena
Nele desagua
É num recanto
Formado pelos dois
Que majestosa em pedestal
A princesa a domina
No seu porte magistral
Parece orgulhar-se de que a apelidem
De Princesa do Tua
Entre serras Mirandela
Como és serena e bela!
Bastaria as águas límpidas
Do teu Tua
O Rio a formar-se
Nos não longínquos
Rabaçal e Tuela
Que se juntam a formar
O sereno lençol de água
Que o Tua apresenta a Mirandela
A Princesa contempla
Benditos os olhos
Que miram o conjunto
Embevecidos olham outros adereços
A velha ponte romana
Mais os seus nichos
A formar a velha entrada
Mais o repuxo
Sonhadora Mirandela
Com o lendário Tua
Tens tudo para seres tela
Serena e assaz bela.

Daniel Costa

domingo, 15 de junho de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 23

LOUVORES EM FIM DE COMISSÃO
Havendo responsáveis, com formação própria em todos os aquartelamentos, no caso do esquadrão eventual 350, o Onofre tinha substituído o nomeado, para o que dizia respeito à manutenção do refeitório, assim como outras necessidades inerentes, porém havia um sargento para a escrita, por já ter protagonizado uma mobilização em Moçambique, onde exercera funções idênticas.
A repartição militar em Luanda, responsável por todos os impressos necessários, fornecia os mapas e outros documentos necessários para os movimentos de géneros alimentícios, de cuja administração era responsável. Uma empresa bastante complexa como se pode imaginar!...
Deste modo o superior mais directo no rancho, seria o dito sargento, que não merecendo a conotação de "fixe", foi contudo , um bom amigo do cabo Onofre, já que este depressa adquiriu prestígio, o que sempre servia o seu interesse.
O sargento sempre aparecia de tarde batendo com uma varinha na perna, para participar em sessões de petiscos.
Em muitos princípios de noite chegavam alguns amigos do citado, para os aperitivos de antes do jantar, nas instalações dos géneros de alimentação .
Contavam-se entre eles quatro elementos, normalmente em dias diferentes, eram dois da polícia judiciária, que faziam parte de quadros instalados no Dundo, no serviço de investigação de possíveis movimentos clandestinos dedicados ao tráfego de pedras preciosas, um outro colono e um militar da milícia, todos com funções na Diamang.
As "tapas" eram constituídas normalmente por rodelas de chouriço, que chegava da manutenção militar enlatado, era de boa qualidade e constituíam um manjar acompanhadas do tal casqueiro (pão) fabricado no esquadrão e o bom vinho fornecido pela organização diamantífera.
Aquele militar da classe dos sargentos, tornara-se um sério amigo do Onofre, por vezes conveniente, como uma mais valia nas relações públicas, pois andava a remoer, havia tempos, que num almoço, havia de ser servido arroz de pato. De facto um menu bastante apreciado, mas como conseguir aquele galináceo, pois os pretos nada vendiam à tropa e a companhia não os tinha para fornecer?
Por outro lado, esta proibia aos colonos, embora com muito espaço junto das vivendas, que lhe eram atribuídas, a criação de qualquer ave de capoeira.
A ideia parecia impossível.
Um certo dia apareceu o sargento com o problema resolvido, o colono habitual dos petiscos, na entrada da noite, da sua improvisada e clandestina capoeira, de conluio com outros colegas, arranjaria a quantidade de patos necessária, para um almoço farto de todo o rancho.
Não havia dinheiros em jogo o que facilitava tudo. As latas de chouriço, com a tara de cinco quilos, fornecidas pela manutenção militar, eram ali um bem tão precioso, que serviam como boa moeda de troca.
Foi daí que algumas dúvidas do Onofre começaram a esclarecer-se, aparecendo a resposta ao problema da proibição. É que os galináceos tinham a capacidade de armazenar nas goelas pedras preciosas, tornando-se um meio eficaz de tráfico.
Como se tinha podido verificar a proibição era letra morta!
Por esta altura, não tendo chegado ainda a televisão às guerras de África, depois de debitadas para microfones, em fila indiana formada por militares para os sacramentais cumprimentos de Natal. Dedicados à família, namoradas, Madrinhas de Guerra e amigos, com o obrigatório; "adeus até ao meu regresso" - chegara o tempo de alguns tropas, que se inscreveram para a visita a uma rádio da Lunda afim de gravarem a sua mensagem, que depois a Emissora Nacional difundia.
Pelo segundo ano da estatal obrigação de passar pela guerrilha, o Onofre ignorou a prerrogativa, porque a achou sempre sem sentido.
Depois de, na Casa do Pessoal da Companhia dos Diamantes, ter assistido ao filme "A Roda da Sorte", o Onofre, por inerência, começou a preparar a noite de consoada.
O serão de Natal desse ano de 1963, decorreu no refeitório com interesse, até às duas da manhã, havia de ser a última, que o homem do rancho usava farda, este sentia-se mesmo na plenitude da mocidade, fatigado, porque levava talvez demasiado a sério qualquer intervenção exigida da sua competência.
.No dia de Natal, cumpriu-se o desejo do Capitão Ferrand de Almeida, constituído por um cozido à portuguesa.
Mais uma vez, não havia disponível a necessária carne de porco, porque não havendo fornecimento da mesma, pela poderosa Diamang os quiocos também não a vendiam, pelo menos a militares.
Valeu, um dos motoristas - "malandro" - que muitas vezes lhe calhara transportar refeições a colegas de serviço no posto fronteiriço do Congo. Propôs-se, numa dessas a entrar com a viatura num terreiro, onde estivessem animais domésticos. Aconteceria um desastre onde ficaria imediatamente muito ferido um porco. O dono aflito, viria a correr fazer queixa e o remédio era pagar-se o prejuízo, ficando-se com o animal.
Tudo correu bem, deu-se o premeditado acidente, o dono do animal foi recompensado e o almoço daquele último Natal em comissão militar, reforçou o optimismo, tanto mais que houve interferência do sargento a dizer: "Um cozido à portuguesa a sério tem de levar carne de galinha", o que efectivamente aconteceu, mais uma vez funcionou a troca com o colono amigo.
O filme intitulado "A Grande Guerra" e uma exposição de trabalhos infantis, tudo na Casa do Pessoal, a grande estrutura lúdica, da Companhia dos Diamantes, foi a parte de gozo do Onofre de vinte e oito de Dezembro.
A noite de S. Silvestre, que transpôs o ano de 1963 para o de 1964, foi igual a qualquer outra, apenas a transição é assinalável, em virtude de se ter chegado ao último ano de permanência em solo africano.
Por esta altura, mesmo com o tempo bastante ocupado, o Onofre amando conhecer o máximo, na qualidade de praça já tinha efectuado a visita às tascas dos pretos, por um lado, por outro a da comunidade Cabo Verde, como conhecia bem a dos brancos consubstanciada na Cada do Pessoal.
Entre pretos e brancos, a separação era evidente, já que aqueles só se encontravam a servir, mas a comunidade da outra colónia, de modo algum, se misturava com os angolanos, o que não parecia lógico. Ficou sempre a impressão de existência de racismo, mas quem mais o praticaria seriam os naturais de Cabo Verde, porque até as tascas tinham existências separadas,
Em dezanove de Janeiro de 1964, depois da recolha de víveres no Dundo, por avaria de viatura, houve que arranjar boleia para regressar às instalações da Portugália, em busca de transporte para efectuar o necessário reboque.
Dia vinte foi recebida a visita do Governador-Geral de Angola. Mais uma vez foram privilegiadas as instalações onde se arrecadavam os géneros de alimentação, para mostrar a tão ilustre personalidade, ficando mais uma vez demonstrada a capacidade organizativa do inofensivo Onofre, que no fundo procurava apenas executar bem a tarefa que lhe tinham atribuído.
No mesmo dia teve lugar a assistência ao filme, desta vez intitulado "Escândalo ao Sol".
A vinte e quatro de Janeiro, foi o Onofre surpreendido pelo seu amigo Soeiro, que apareceu exibindo, dactilografado um louvor com que tinha sido distinguido pelo comandante, Ferrand de Almeida.
Não sendo coisa importante, visto não haver as mais remotas intenções de seguir a vida militar, no entanto na altura foi estimulante. De certo modo era uma fugaz compensação para algumas arrelias, que iam terminar.
à noite casualmente, deu-se um encontro com o sargento, a quem cabia escriturar toda a movimentação do rancho. Este era militar de carreira, a quem aproveitaria um louvor, mas fora excluído.
Tinha-se permitido entregar-se à bebida, talvez pelo facto, vociferava fora de si: pela primeira vez, mostrou o seu cartão da PIDE, dizendo: "o nosso Capitão está feito, porque nunca soube os meus poderes, mas com isto vai saber com que pode contar".
Logicamente, o assunto morreu com o desabafo.
Depois, a um de Fevereiro, ainda mais trabalho, chegou para o Onofre, com a vinda de grande remessa de alimentos enlatados da delegação de Henrique de Carvalho que, segundo a norma, foi muito bem arrumada,
Até que a catorze passou na localidade de Camissombo, de novo para recolher mais géneros, chegados ao aquartelamento local, vindos da citada cidade, por aquela via.
Seguiram-se mais arrumações.
A quatro do mês de Março, pela última vez em terras de Angola, houve ida ao cinema, assistiu-se à exibição de "Sete Noivas para Sete Irmãos".
Esperado já o fim da comissão, deu-se a chegada de uma companhia militar para substituir o esquadrão eventual, a ocupação do Onofre acumulou mais azáfama, dado que a cinco do terceiro mês do ano de 1964, foi necessário levantar mantimentos em duplicado, no armazém do Dundo, a contar com o tempo necessário de alimentar o pessoal, que ia proceder à substituição.
O mesmo aconteceu com a chegada do reforço de géneros alimentícios, vindos da manutenção. Tudo resumido, ocasionou muito trabalho de arrumação.
Logo que se soube do regresso, ao pequeno-almoço, onde muitos militares iam muito tarde usufruir o prazer de ingerir o seu pão torrado, bem barrado com boa manteiga enlatada, alguns useiros e vezeiros em calmas repetições; de forma jocosa, ouviam muito a frase: "Aproveita agora, porque vai acabar-se". Tanto bastou para, um oficial, estando de serviço de dia ao esquadrão, chegado ao Batalhão, mais tarde, pelo que não lhe cabia a vez do regresso à metrópole, mostrar a sua falta de humor, com o lançamento da seguinte pergunta:
- "Oh pá mas isso tem algum jeito?!..."
Chegados a doze, finalmente a rendição!... A treze entrega de todos haveres e governo do depósito. A catorze os preparativos para a viagem até Luanda, onde se embarcava para a metrópole.
Ao Onofre ainda coube muita labuta, já que tiraria algum partido da última e trabalhosa missão, que lhe tinha sido atribuída.
Para si próprio e amigos de proximidade, mais uma vez com a colaboração do sargento, a quem incumbia a tarefa da escrita dos gastos do rancho, foi então demonstrada em plenitude a afeição e até a admiração que sempre dedicou ao respectivo encarregado.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sexta-feira, 13 de junho de 2008

PARA LÁ DO MARÃO... I

TRÁS – OS – MONTES

Do dito interior do país, até agora nada conhecia. Passara muito pela parte litoral, De Vila Real de Santo António, a Monção, porém de Trás – Os – Montes, estava a zeros.
Nunca fora além de Viseu, apesar de ter sido convidado, com certa insistência, para passar uns dias em Mirandela, por um casal que fora vizinho e ficou muito amigo, a Cila e o Cristóvão, sempre a dizerem maravilhas da zona.
Até que acabo de passar dezassete dias na cidade do rio Tua. Com bons cicerones, acabei por andar um pouco por quase todos os grandes centros transmontanos, como Vila Real, Bragança, Chaves e muito mais, de que espero vir a trazer notícia, a partir dos meus apontamentos.
Por agora afirmo o quanto apreciei a afabilidade da gentes locais, quer citadinas ou do meio rural.
Fiquei extremamente bem impressionado com a maneira de estar do elemento feminino, já que aprecio a mulher, na verdadeira acepção da palavra, talvez porque fui criado com nada menos de cinco irmãs.
Realço, por exemplo a amiga Cila. Depois diariamente, em Mirandela comprava o jornal numa livraria da Rua da República, 22. Uma empresa familiar, onde fui sempre bem recebido, com a saudação à entrada.
De seguida tomava o pequeno-almoço, imediatamente em frente na Confeitaria Casa de Chá Princesa. Sempre a agradável simpatia.
Verifiquei, uma beleza feminina encantadora, não tão exuberante, como noutros pontos do país. Confesso que esse terá sido um aspecto que bem encantou: A discreta beleza das mulheres, com a afabilidade natural.
Por fim, um certo dia acompanhava o meu amigo Cristóvão no lugar de Avantos, sede de freguesia. Obsequiava uma amiga e respectiva família, com uma caixa de cerejas, produto da sua propriedade, como o estava a fazer a vários amigos.
O amigável agradecimento da senhora terminou assim:
“Se eu não fosse séria mandava-te F…” (com todas a letras).
Dito tal e qual assim, com uma entoação especial e espontânea, ao invés de chocar, ficou como observação interessante.
A minha intenção hoje é a de apenas justificar a ausência, que se verificou por motivos de férias, em que propositadamente não me acerquei de PCs.

Daniel Costa