sábado, 19 de julho de 2008

LISBOA CAFÉ - 5

A TRAVESSA DAS MERCÊS


O aspecto de deixar a subida diária da Avenida da Liberdade, não significava melhoria no esforço quotidiano de João Moisés, ele era mesmo indomável a fazer grandes percursos a pé, mas a sua existência citadina melhorara a olhas vistos.
Saíra de um emprego, menos conceituado, de madrugada e era o primeiro a perfilar-se á entrada do escritório, onde ia principiar ocupação de outro relevo. Começava de novo do zero, embora tivesse andado a preparar-se, mental e intelectualmente, para desempenhar tarefa de certo modo mais elevada.
Tudo lhe parecia adequado, a empresa era de razoável dimensão, a perfeição nunca chegando a existir, tem de ser sempre a procurada por mentes irrequietas; é assim que deve ser encarado o mundo, onde se encontram figurões a tentar que o alinhamento se faça sempre por baixo, afim de tirarem partido das fraquezas.
Nunca havia desânimos para João Moisés, mas começou por sentir a insegurança de, nunca ninguém o ter posto ao corrente do trabalho a executar, porém em breve entendeu o que dele se esperava e assim deu início ao que lhe pareceu ser necessário fazer, para atingir o tal paraíso que encerrava a cidade de Lisboa.
Devido a uma questão de proximidade, relativamente ao local onde morava, já conhecia o arruamento chamado Paraíso, o tal que nunca deixou de procurar, mas o escritório de apoio à indústria gráfica com sede últimos números da grande Travessa, com grandeza mais própria para ser denominada Rua, estava longe de constituir esse espaço sideral.
Agora o Chiado era a grande encosta que, diariamente, acrescentara por duas vezes ao percurso e foi nesse, que um dia na volta atirou uma moeda ao ar.
Como a mesma se comportasse assim decidiria, se sim ou não, a sua vida iria mudar de novo.
Porque o diabo da peça numismática caíra com a face que previa alteração, afinal a pretendia, isto porque embora se passasse pela Travessa dos Fieis de Deus, para chegar ao escritório, o trabalho que se desejava harmonioso, para ser bem compreendido e depois frutificar, tornara-se um verdadeiro Inferno.
No dia seguinte, o João Moisés tal como indicou a face da moeda, foi ao “Diário de Notícias” e lá encontrou um anúncio a pedir empregado de escritório.
Respondeu e depois do horário laboral, com vários testes, que incluíram uma carta em francês, foi imediatamente admitido, ficando de apresentar no próximo dia o pedido de demissão, para passar à secretária do novo escritório de uma empresa de aprestos marítimos, ao Cais do Sodré.
Vertical, como prendia ser, acabou por logo no dia seguinte, via telefone apresentar escusa.
Passava-se o interessante, na Travessa das Mercês, por já ter dado nas vistas, então aquela renúncia caíra como uma bomba.
Na tentativa de evitar a dissidência, houve reuniões ao mais alto nível, até de sócios, que João Moisés nunca chegou a conhecer pessoalmente.
Foi o douto Guarda-Livros, sim porque nessa época nenhuma empresa funcionava sem esse alto quadro técnico, a encarregar-se de resolver a situação, em representação de todos os associados da empresa.
Embora já tivesse na mente o porquê, era patente, atirou uma pergunta a apontar, propositadamente, em sentido contrário, porém não estava em frente de um delator e recebeu como resposta um sorriso e a frase: Com esse até aprendi muito porque querendo mostrar os seus conhecimentos, em vez de levar a correcções directas, comentava os normais eros com: “Afinal julgava que era de certa maneira, mas estava enganado”!,,, Referia-se a ordens escritas, recebidas do escritório, num boletim de trabalho.
O refutado técnico deu-se por satisfeito, ficou com certezas.
De pronto deu mostras de ter resolvido o problema, que para ele se resumia a uma subida de mensalidade e atirou:
- Só dizes quanto queres ganhar mais por mês. Deixou assim o interlocutor sem imediata reacção, este ponderou que afinal a questão do trabalho lhe agradava, achava malévolas as interferências a degradar o ambiente.
Ficando certo, que estava a dialogar com quem tinha interesse em resolver a questão, pediu apenas um modesto aumento.
Pareceu tudo a contento, para o que terão contribuído todos os Fiéis de Deus, que davam nome à Travessa, onde se passou todo o diálogo.
A empresa não sofreu o revés de perder o servidor e este pareceu sentir-se mais seguro, porque aconteceu realmente deixar de ser, como que humilhado pelo chefe laboral, a personagem, que por conveniência pessoal, alimentava a confusão nos serviços de expediente, com a finalidade de alinhamento por baixo,
Tudo ficou realmente melhor, a muita labuta diária não assustava o novo funcionário. Trocava no entanto a possibilidade de continuar a frequentar aulas de liceu, pela mais valia remuneratória e das próprias horas extraordinárias, pagas a dezoito escudos e setenta centavos cada, que ficara com a autonomia de fazer, quando achasse necessário.
Como se isso não bastasse, o próprio chefe oficial, num determinado Sábado, à tardinha, fez-se encontrado e levou o novo trabalhador, do expediente de escritório. até à Cervejaria Trindade onde, entre uma amena cavaqueira, mandou encher uma mesa de marisco com umas imperiais, para que não ficassem dúvidas, nas boas relações ora encetadas entre ambos.
João Moisés também tinha tido em conta, a óptima colocação para investigar casos interessantes, porque afinal a obsessão por essa faceta, transversal a grande parte da sociedade, nunca podia ser abandonada.
No fundo, tinha sido despoletado um factor de agrado em toda a linha.
O lance, sem qualquer programação, vistas as coisas pelo lado positivo, mostrava-se deveras promissor e as diárias caminhadas, em duplicado, a pé do Bairro Alto até ao da Graça, continuaram na mesma, mas a serem encaradas com a típica alegria de viver, do homem que estava a gostar muito de palmilhar a Rua Garrett, na altura fervilhante de transeuntes, a proporcionarem casuais e agradáveis encontrões.
Era o saudoso Chiado da época, onde todos os dias à tarde se podia presenciar uma mostra, em passeio, da beleza feminina de Lisboa. Ainda funcionava o famoso café “Os Irmãos Unidos”, que passando ao rol do esquecimento, embora mantivesse exposta a famosa tela do poeta Fernando Pessoa, saída das mãos do memorável mestre Almada Negreiros.
As refeições eram, invariavelmente, tomadas em casa, após o que seguiam algumas leituras depois do jantar.
Por não haver em casa ainda aparelho de televisão, quando estava anunciado um programa de agrado, era dada uma saltada a um estabelecimento de café, para assistir à transmissão.
De regresso, muitas vezes, lá estava montada uma sessão amadora de leitura de cartas de jogar.
Vá lá saber-se a que existências eram dedicadas!... Talvez tivessem a ver com certa pessoa, suposto hóspede, que á vista era tratado como tal, mas era um privilegiado comensal.
Sabia-se que dormia com a dona da casa, mas tendo o seu dia de folga às quartas-feiras, passava-as com almoços e em de sessões de cinema, com uma elegante e antiga cliente do atelier de alta-costura da anfitriã.
Mesmo com muitas zangas, nesses dias, a vida continuava igual.
Ainda não chegara a liberalização do sexo, era assim que se procuravam manter as aparências em Lisboa.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

27 comentários:

jo ra tone disse...

Engraçado que antes, para tomarem uma decisão, atiravam uma moeda ao ar.
E assim foi criado o nome da Travessa
Belo texto
Bom fim de semana

mariam [Maria Martins] disse...

mais um capítulo, gostei muito,,, como conheço relativamente bem os sítios onde se desenrola a trama... estou divertida a acompanhar...

bom fim-de-semana
um sorriso :)

Vanuza Pantaleão disse...

Gosto do teu estilo, Daniel! Ainda vou mostar meus contos guardados, só espero que os leitores não me fujam! Você falou no amigo daltônico que gostava de arte, mas há uma curiosidade que vou até acrescentar no nosso texto, seguinte:Monet sofria de um problema ocular que o fazia ressaltar os tons de amarelo em tudo o que via. Passe a observar como as suas paisagens são salpicadas dessa cor, embora essa cor fosse tida como reflexos do sol. Bom final de domingo e uma ótima semana, amigo! Obrigada!

Vanuza Pantaleão disse...

Errinho:mostrar...problemas do teclado com o "r" e o "g", não repare. bjs

o¤° SORRISO °¤o disse...

Oi Daniel. Nossa já faz tempo que não venho aqui. Estou em falta.

Bem, quero agradecer em especial pela presença em meu niver. Adorei!

Obrigada pelo mimo, pois mesmo que não o tenha conseguido postar, a lembrança é o verdadeiro presente da amizade. E por isso eu digo que é LINDO!

E lá está João Moisés querendo ficar tão ou mais famoso que Onofre... :-)

Um maravilhoso domingo.

Beijos mil! :-)

Laura disse...

Olá.
Tudo isso me levou ao escritório da empresa onde trabalhei (CABIE An) e o que aprendi com o guarda livros que chateado por não ter o ordenado que merecia, se foi embora e foi ele que me ensinou a contabiliadade máquinas etc etc...e foi para outro escritório ganhar mais que metade do que ganhava na altura, carro da empresa etc, e foi bem feita para o meu patrão, pois o que lá meteu no lugar dele, além de se tentar atirar a mim, uma nina de 21 anos, e de querer saber mais que eu, se ele vinha de ser gerente d eum banco, e nada sabia do que era preciso fazer para as facturas estarem em ordem, começou a mandar-me fazer de outra forma e eu respondia-lhe que se fizesse assim nunca apanharimos o que queriamos, queria que deixasse de por a data! xiça, o homem era mesmo palerma e arrogante.. e como viu que não lhe dava confiança, já queria lá por outra mais fresca no lugar e no computador que na altura era uma maquineta e tanto, pesavam as teclas cumó caraças... mas a patroa adorava-me (Alcina Soares Pires de Andrade Saraiva, eu corrigia as falhas dela na escrita e punha a carta em estilo informal de escritório e...fiquei lá até ir embora para Pretória, senão ainda hoje lá estava, tamanha afeição que sentiamos uma pela outra, mas perdemo-nos no tempo da guerra e nem faço ideia onde ela está...
Assim esse senhor do teu post devia ter pedido mais escudos e claro que dormia com a dona da pensão e se te pões com mais coisas até lhe dou um nome a ele e a ela que em Luanda havia ao lado do meu prédio alguém assim! ehhhhhh.
Beijinhos de Bom Domingo...laura..

meus instantes e momentos disse...

conhecendo teu blog, parabens, tudo muito bom.
maurizio

xistosa, josé torres disse...

Bons tempos em que podíamos atirar uma moeda ao ar e ela caia.
Agora era surripiada em pleno voo ...

Havia empregos e trabalho ... havia maneira de ganhar dinheiro leal e honestamente.

Não me deixam saudades ...
Nem das donas das pensões ..., camafeus voluptuosos, (pensamos agora, que na altura éramos cegos surdos e mudos), de quem se guardam, talvez até histórias publicáveis, mas com a descrição e discrição do DANIEL.

Gosto de ler, pode acreditar que leio tudo e até os erros QUE DAMOS!.
Acredita que escrevi para a Blogger, com o fim de se poder colocar um corrector ortográfico.
O meu inglês ... só deu para lhes escrever em português.
Responderam, em inglês, que não estava previsto, porque iam ter novas funcionalidades ...

para quem não percebe nada, quero lá saber das tecnologias ...
Já nada me espanta, só mesmo os erros que dou.
Sinto vontade de ir pelo fio fora ... mas não tenho fio, é por "wireless" e não sei voar ...

Um resto dum bom domingo e que não faltem as forças ao João Moisés, para continuar a subir a Av. da Liberdade, porque muito pior era ir dos Restauradores para o Bairro Alto, (Rua da Rosa, 331), na vã tentativa de chegar primeiro que os $20, dois tostões, ou vinte centavos, que custava o bilhete e "custava" muito, naquela época!!!

Laura disse...

ahhh, eu vivi na Pontinha mas era pequenita e lembro Lisboa quando vinhamos de férias ao Puto, e agora nada é igual...
O meu pai também tinha a mania (mania!) da honradez e de ser honesto, de pouco lhe serviu quando os colegas dele viviam muito melhor com criados em casa e eu tinha d elavar o chão ehhhh, mas nem me ralo, elas as filhas e mulheres vestiam-se nas boutiques e eu fazia a minha roupa toda, da mãe e trabalhei em costura para ganhar a vida também...
Agora a honestidade quase que nem existe, mas sei que ainda existe sim, em pequena quantidade, mas...empregos e formas honestas d eganhar a vida? poucas, muito poucas que até dói olhar para os vizinhos e ver quando eles deixam as casitas que já não podem pagar, isso dói dentro de mim, mas, nada posso fazer...
Beijinho...

o¤° SORRISO °¤o disse...

Oi Daniel. Por aqui é o Dia do Amigo. Portanto...

FELIZ DIA DO AMIGO!
"Muitas pessoas irão entrar e sair da sua vida
mas somente verdadeiros amigos deixarão pegadas no seu coração." -- Fabiano Lustosa


Aqui tem o link de um mimo para você por este dia tão especial:

MIMO

Beijos mil! :-)

Daniel disse...

Jo Ra Tone

O caso da moeda ainda seria, moda da terra, porque em Lisboa dei por isso.
O nome Travessa vem mesmo dai?
Boa semana
Daniel

Daniel disse...

Mariam

O roteiro lá está e uma outra empresa, com a mesmo nome. João Moisés é um périplo com muitas muances.
Aparece sempre!...
Sorriosos para uma boa semana.
Daniel

Daniel disse...

Vanuza

Fico á espera, gosto de trocar experiências.
Monet com a sua difenciênia ocular, ou tavez por isso, ficou consagrado. O mundo da pintura pelas suas singularidades, é fascinante.
Eu é que fico obrigado, convido-a a acompanhar a trajectória e deixo desejos
de boa semana.

Ah nada de preocupações, porque as gralhas apenas grasnam.
Daniel

espirra canivetes disse...

Grande texto
Parabéns, aqui fica a minha pequena lembrança

Aaaaatchiiiiiim

Daniel disse...

Sorrisos

Ver um bonito sorriso anima, amizade nãe é obrigação.
A lembrança foi amizade e camaradagem, mas não a consegui postar.
Retribuo desejando boa semana, como beijinhos.
Daniel

Daniel disse...

Laura

O tempo mudou, os escritórios têm outra sofisticação, a figura do guada-livros, já era. Esssa empresa fechou e reabriu, com o mesmo, sem fotogravuras, etc.
Tudo mudou, mas a viagem é longa encerrará outra lembranças e isto era ontem.
Despoletaram as tuas, de que continuam com muitas saudades nostalgias, aqui não é o caso, apenas recordar e prara a frente, atrás vem muita gente!
Nina, conta sempre, cá no milagre, gostam de ouvir-te, és o máximo!
Desejo-te uma boa semana, com a tua genica.
Beijinhos
Daniel

Daniel disse...

Maurírizio

Obrigado e volta sempre.

Daniel

Sombra de Anja disse...

Daniel,
está muito descritivo este texto, tanto em emoções silenciosas como em realidades enganosas.
Adorei...
Aahh quando vier a Lisboa, farei questão de sentar-me num café e...simplesmente respirar.

Bjs angelicais

Nanda Assis disse...

boa semana.
bjosss...

Laura disse...

Ah, se o blog gosta da nina das resteas, bora práli falar o que vai cá por dentro...

Tou ainda à espera que a Neide me diga se chegou bem, ontem ao canadá onde foi mostrar os trabalhos dela numa conferência em Toronto... Mas sinto que sim, ela deve ter chegado pelas 3 da matina e aqui seriam umas 22... o avião atrasou mais d eh e meia.
Beijinhos e vamos indo por aqui...laura..

Daniel disse...

José Torres

E vai moeda oa ar, não falhava! Agora uma moedita, não fazia mal. Só há galifões para muitos mil.
E de repente, foi um caso sério! Se bem te lembras, chegou a haver fila, para apanhar gasolna. Faltava papel, com os jonais a reduzirem páginas, etc. No cemeço dos anos setenta.
Curiosamente, como tenho a mania,acabei por adquirir um PC portátil, tipo último grito, porque quero estar neste tempo. Vou aprendendo! Seja o que fôr, procuro vingar-me da potologia, que me ia levando.
Só apanhei zonas o $50 e carro operário a $70, ida de manhã e vinda à note, mas as pernas poupava. Não era apenas poupar, mas também. Estudava!... Cheguei a frequentar tres cursos. Trabalhava e pagava. Ser previdente era o meu forte! Tempos!... Recordo prazenteiramente, mas gosto muito mais deste.
Daniel

Daniel disse...

Laura

Moraste perto de mim e posso dizer-te que está tudo mudado. Havia a Estrada Poço do Chão, que de um perto da Estrada Benfica, por entre entre muros, passava perto donde está agora a Colombo, à lá a pé. Agora nem essa há, está tudo urbanizado.
Quem trabalha bastante, vejo que também é o teu caso, não tem pempo de ganhar dinheiro!... Tal como eu, vai dando para viver e... viva o velho!...
Muitas dívidas, a culpa é dos devedores, alguns, segundo vi na televisão, empenhavam todo o ordenado. Iam nos sonhos doirados aliciadores. Falhava, pediam mais, para cumprir, ate que!...
Tinha de Falhar, tanto mais agora, com subidas acentuadas!...
Amiga, beijinhos.
Daniel

Daniel disse...

Espirra Canivetes

Fico grato!...
Olha a minha cara de preocupado, com o espirro!...
Daniel

Daniel disse...

Anja Rakas

Se fosse hoje o texto seria de outra maneira, mas se gostaste, OKsíssimo!
Em Lisboa tens um Café muito jeitoso, na Rua Garrett, no renovado Chiado. Já conheces o Colombo?
É opção!...
Bjs
Daniel

Daniel disse...

Nanda Assis

Retribuo!...
Desejo boa semana.
Daniel

Daniel disse...

Laura

Caro, fazes lembrar as coisas!...
Não as desejo, mas recordar é bom e gosto.
E tudo correrá bem. Não és negativa, a vida sorri sempre a quem a sabe amar!
Beijinho
Daniel

SAM disse...

Tantos post que perdi! Lendo-os todos. Adorando.

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