quinta-feira, 15 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 18

A CIDADE DO DUNDO E A VILA DA PORTUGÁLIA
Depois da instalação do esquadrão eventual 350, junto ao Dundo, cidade onde a actividade era genericamente relacionada com a extracção de diamantes, sendo a função da tropa exactamente o controlo da possível infiltração de actividades terroristas que ali se viessem a verificar.
A classe das praças limitava-se a ver a paisagem e mostrar o seu valor a cumprir ordens, aparentemente só restava viver com alegria, evitando complicações.
Vivendo em regime provisório nos pré-fabricados do Dundo, no dia trinta de Julho de 1963, o Onofre com alguns colegas fez-se a uma passeata pela cidade, apenas vislumbrando o panorama local, muito diferente do que conhecera até ali, o alimentava o seu sonho de aventura, algo de muito pessoal, talvez importante para lhe assegurar a permanente alegria de viver.
No dia seguinte, com o mesmo roteiro, foi percebendo pelas observações, sempre lúdicas, com a componente da tomada de conhecimentos locais, pelo que ia concluindo que ali era outro Portugal. Havia um modo de vida, de estar e de agir algo diferente.
Observava-se o facto de as habitações dos colonos contratados da Companhia, serem todas vivendas de rés-do-chão, rodeava-as bonitos ajardinamentos, com longos espaços arrelvados e um poste com estrutura própria para exercícios de bola ao cesto.
Sabendo-se estar numa cidade ainda nova, da Região dos Quiocos, cuja vasta etnia que a habitava, denominava-se com o mesmo nome.
Logo se começou a verificar-se o estar ali a ser preservada a rica e famosa arte daquele povo, que se estendia para além fronteiras.
Podia reparar-se numa falha, muito cara a um rapaz novo e militar, pelo menos da época. Deambulava-se por toda a urbe e não era possível ver uma miúda, que contasse mais de dez anos. A explicação veio a tornar-se simples: Toda a população branca era, de uma maneira geral flutuante, proveniente de contratos temporários com a Diamang, concessionária da exploração, daquele abundante e precioso minério, em grande parte da Lunda, Distrito maior do que Portugal.
Funcionando com capitais de maioria estrangeira, logicamente valorizavam-se modernas tecnologias, que tinham forçosamente de reflectir o modo de vida da própria população indígena, habitantes apenas da periferia da pequena cidade diamantífera.
Ao passar-se por Saurimo (Henrique de Carvalho), a capital daquele outro "Estado", sentia-se logo o pulsar estrangeiro.
Era assim que o Onofre passou a sentir aquela posição que, efectivamente iria deixar marcas na sua existência.
Valorizava-se muito as visitas de grandes figuras, mesmo militares, que por sua vez tinham apetência para aportar o Dundo. Aconteceu, cinco dias depois do esquadrão eventual 350 ter chegado, estando o Onofre de plantão ao aquartelamento, deu-se a passagem do Comandante do Sector, um Brigadeiro, vindo de Henrique de Carvalho, cidade já transformada em bastião militar.
Naturalmente o Oficial Superior, passou por todos os aquartelamentos, já instados na região e eram de todas as armas, conforme se pôde apurar com o decorrer com o tempo.
Refira-se que a localização era a poucos quilómetros do Congo, recentemente descolonizado pela Bélgica, país até então potência administradora. Muitos brancos tinham vindo, fugidos de avião, para o aeroporto situado perto da Portugália.
Verificavam-se muitos dias de folga, a servir de passeios, horas parar ir cuidando da escrita com as Madrinhas de Guerra e também de familiares e amigos.
Entretanto, o Onofre estava a tornar-se companhia habitual do Soeiro, com quem ia mantendo uma boa relação, em parte devido ao acordo, dos objectivos de coleccionar fotos de artistas do cinema e do "music hall" mundial.
Visitas à casa do Pessoal da Diamang e idas à respectiva sala de cinema, também eram frequentes, sendo tempo de recordar que aquela estrutura era a única existente na cidade, para todos os actos e encontros públicos.
Era ali que as actividades de passatempos tinham lugar, desde jantares de convívio e outros, cujo denominador comum era a obrigação de terem de ser "requisitados" com antecedência, assim como jogos de salão.
Os militares podiam também desfrutar, para o que estavam equiparados a funcionários da Companhia Damang, visto serem continentais e brancos.
Já que se evoca este assunto, torna-se interessante frisar que, depois das nove horas da noite, podia consumir-se, por exemplo cervejas, mas a partir daí era interdito qualquer pagamento, mesmo ao corpo militar, ficava um "tichey" rubricado a atestar consumo, até que um dia se chegasse a horas de fazer a liquidação.
Muitos militares, incluindo o Onofre, chegaram a andar meses a consumir sem poderem efectuar o respectivo pagamento.
Para os funcionários da Companhia, tudo se simplificava, porque no fim de cada mês, aparecia o desconto no ordenado.
Para a força militar, meu Deus!... É de adivinhar, no fim da comissão, terão ficado muitas contas por fazer, pois haveria bons rapazes que, só consumiriam quando chegava a hora de deixar o quadradinho de papel a atestar o acto!...
Assim no fim do serviço na zona, era o tempo de apagar dívidas. Voltava-se à velha forma. A escala de serviço era elaborada, como sempre, por um cabo escriturário, No esquadrão, umas vezes iniciativa a tarefa, logicamente, pelos números mais altos. De seguida porque, naturalmente, "comia formigas", desatava a começar tudo nos de menos valores na classificativos.
Possuindo o Onofre uma boa posição em ambas, só novamente, a quinze de Agosto entrou de serviço. Tratou-se da vigilância ao aeroporto da Portugália.
Logo a dezassete do mesmo mês, a escala nomeava-o para vigia num posto de controlo na fronteira com o Congo.
No Domingo dezoito, como era já permitido, andar trajado civilmente, houve deambulação pela cidade e à noite, com outros colegas, assistiu a uma sessão de cinema, tratava-se do filme "Leito de Espinhos".
Entre vários acontecimentos, passaram-se alguns deveras interessantes. Num dia de Domingo, foram abertas as comportas do rio Luachimo, muitos militares assistiam. O próprio comandante do esquadrão, Capitão Ferrand de Almeida, com a sua espingarda Mauser, mostrou uma pontaria inaudita, pois, aparecendo a descoberto um crocodilo, de imediato o matou com um tiro certeiro.
Sabendo-se que aquele animal é coberto de uma tal couraça de escamas, que só perfurado por bala, em determinado ponto da cabeça é vulnerável tem de considerar-se um grande feito.
Certamente, para todos os assistentes pertencentes á força armada, uma tal visão teria sido única.
Nos mesmos dias o comandante, reuniu toda a tropa possível, sob a sua supervisão (quem estava de serviço, evidentemente, era intocável) e todos sentados nas pedras que, compunham o terreno das traseiras, do improvisado aquartelamento, deu uma palestra a surpreender, pelos seus dotes de oratória.
Versava o problema colonial da Argélia dominada pela França, a que o famoso General De Gaule, como chefe do estado francês, concedera a independência.
A eloquente e única palestra que aquele contingente teve o privilégio de ouvir daquele comandante, frisava ser um mau precedente para todos os países em luta, para manter as suas colónias Portugal incluído por razões óbvias.
Sem saber em concreto, qual missão que lhe era destinada, o Onofre executava tarefas de maior significado, pouco comuns à sua especialidade e até no trabalho da sociedade civil, ainda que se achasse capacitado.
Iniciara-se já, com vários contornos, mas o mais visível foi a ida ao aviário, a funcionar no sítio designado Cacanda, com a finalidade de trazer, sob requisição, os frangos necessários a uma refeição do esquadrão, tarefa que iria fazer parte dos novos serviços que se avizinhavam.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

16 comentários:

Maria Laura disse...

Memórias vividas. Memórias de uma geração. Um testemunho imperdível.
Obrigada pela visita.

poetaeusou . . . disse...

*
continua, daniel,
,
obrigado
,
*

Luna disse...

Tantas vidas, tantas memórias
Bj

xistosa, josé torres disse...

Vou caminhando, apesar de me estar a anteceder.
Já me esqueci de tudo.
Inclusive que estive em África.
Gostaria de lá voltar ... mas certamente só na outra reencarnação.
Por falar em crocodilos.
Talvez fossem jacarés ...
Tinhamos um, apanhado por um preto, (metia-se na água e quando via o jacaré ia ao seu encontro, a nadar de baixo de água, com um pau pontiagudo nas duas extremidades e de comprimento com mais ou menos um palmo ou um pouco mais. Quando o jacaré abria a boca para abocanhá-lo, ele enfiava o pau na boca do bicho, não o largando mais e arrastando-o para a margem.
Foi assim, que por 20$00, arranjámos um, que só dava trabalho a toda a gente, capitão incluído.
Uma companhia, onde todos eram iguas. Não havia galões, nem divisas, só o respeito mútuo.
Tivemos 27 baixas, como parece que já disse.
O sacana do jacaré, saía da água e ficava de boca aberta ao sol á espera que patos ou galinhas passassem ao seu alcance.
A primeira caçada foi uma galinha e "marchou" inteira, nem teve tempo de depená-la.
Demos-lhe o nome de alfaiate, por fazer um fato tão depressa ...

Vou continuar a ler ... para lembrar-me que Angola existiu.

Mariana disse...

Obrigada pelo carinho da visita.
Um bom fim de semana pra vc

Leonor disse...

Daniel

Peço imensa desculpa pelo atraso na vinda (com tempo) para leitura atenta dos seus textos. Já por cá passei várias vezes, mas achei sempre que tinha que vir com disponibilidade para ler vários em sequência, que foi o que fiz hoje.
E gostei bastante do que li. As memórias (ou se quiser chamar-lhe as suas histórias de vida) do tempo da guerra, fazem parte integrante da História daquela Guerra, que, para mim, aliás um pouco como toda a história militar do século XX (mas isso já é outra conversa) está muito escrita.

devia pensar em passá-las a livro. Bem sei que já as publica, mas sempre tinha outra projecção, acho eu.

Bom fim de semana

Cristiana Fonseca disse...

Olá Daniel,
Este teu blog é simplesmente divino, teus textos me encantam, os escreve com maestria.
Obrigada pela visita e pelas doces palavras gentis
super beijos,
Cris

Daniel disse...

Olá Maria Laura

O testemunho de uma geração, que começava a libertar-se.

Obrigado
Daniel

Daniel disse...

poetaeusou

Em frente, sempre em frente!...
Obriagdo.

Daniel

Daniel disse...

multiolhares

Creio que está aqui uma das minhas aventurosas memórias e observações anotadas.
Sempre a viver!...

b
Daniel

Daniel disse...

xistosa

Não sei se dizes ter esquecido tudo, porque não queres, ou estás mesmo esquecido! Fando com um amigo, por acaso veio ser vizinho, fico admirado de não se lembrar de factos vividos juntos.
Possívelmenteseria jacaré, mas falou-se sempre em crocodilo. Sabes como o peixe que consegue soltar-se do anzol... é sempre grandalhão!
Bem vitas as coisas, tens as tuas histórias!
A propósito, não foi por mal, como calcularás, mas deixei passar um comentário, Vi e rectifiquei.

Daniel

Daniel disse...

Mariana

Agradeço e retribuo desejos de bom fim de samana.

Daniel

Daniel disse...

Olá Leonor

O facto de procurar outros conhecimentos, de deixar comentários, não tem o fim obrigar. As propostas, são muito diversificadas e os prazeres idem!...
De qualque modo, a visita agradou-me, assim como o comentário, porque nunca será demais uma forcinha.
Penso que a proposta é bastante diversa do muito que se publicou em livro, onde as motivações políticas são dominantes.
O Esquadrão aparece em jeito de auto autobiografia e tenta realço algo da história da própria libertação social. Escrita diarística como muito bem se diz na apresentação, por A.M. na verdade um velho amigo, com uma cadeira a cxargo. na Unversidade Complutense, de Madrid.
O Esquadrão, dado a apreciar a amigos, especialistas, dizem-me ter potencialidades. Porém está em serviços editoriais de três editoras, para apreciação.
Nas minhas "demarches" vou-me deparando com o facto económico e o de não ter sido considerado mediático!
Julgo saber algo do assunto e posso não estar de acordo.
Outras propostas, talvez ainda no presente ano, serão apresentadas e não vai havendo pressas.
Se reparar, vê já foi publicado no "Jornal da Amadora", onde colaboro semanalmente.
Fico grado e ainda a tempo desejo um agradável fim de semana.

Daniel

Daniel disse...

Cris

Achas? É mais forcinha. de visitar e receber convidados aprecio.
Obrigado, pela indesmentível gentileza.

Beijos
Daniel

xistosa, josé torres disse...

Todos pensam que temos histórias bombásticas da "guerra".

Não esqueci nenhum pormenor ...

Mas costumo dizer que estive em Angola e que não vi um preto!

(parece-me que já aqui disse isto:

Para mim, são pretos, nunca negros ...
Negros ou negreiros, foram os que venderam ser humanos como gado ... esses é que eram negros e ficaram conhecidos como NEGREIROS, para mi !!!

Daniel disse...

xistosa

Fiz alguma psico, mas o engraçado e ensinei um colega, branco de primeira, era pedreiro, a ler. Começou por lhe escrever e ler as cartas, inclusive para a namorada, depois fui lhe ensinando a fazê-lo. Tinha apetência e assimilava bem, além de que era bom camarada, aprendi alguma coisa com ele!
Já falaste em pretos e negreiros. Es tive a confirmação de não ter sentimentos racistas. Sou é selectivo em relação a atrazos mentais.
Sobre fronteiras, não tinha pensado no facto de ausência de terrorismo, também só estive naquela, e o sítio, embora ele estivesse latente, estava limpo.
Daniel