quarta-feira, 21 de maio de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 21

SUBLEVAÇÃO E "CACHIPEMBA"
Tropa instalada em Províncias Ultramarinas, a partir de 1961, tinha sempre a missão de reprimir os focos de sublevação porventura existentes, enquanto ia ocupando o terreno, com o fim de evitar futuras infiltrações.
No destacamento da Portugália, não podia haver diferença, a ocupação tinha também o objectivo de procurar o controlo da região, pela via militar.
Um posto de vigilância na fronteira do Congo, que ficaria a cerca de oito quilómetros da vila, era ininterruptamente ocupada por soldados do esquadrão eventual 350, com substituição diária.
Havia sempre um Jeepão e duas praças, que se rendiam no serviço, para as refeições serem levadas e tomadas ali, em tempo oportuno.
O serviço militar ao aeroporto da Portugália, dedicado à Companhia dos Diamantes, sedeada na cidade do Dundo, relativamente próxima, era também assegurado por aquele esquadrão.
A missão visível, mais importante, era consubstanciada, por visitas a várias fazendas e bairros quiocos, onde foram encontrados alambiques, destinados à fabricação duma droga líquida, a que se dava o nome de "cachipemba".
Dizia-se que a viciação, começava por definhar os consumidores estes, por falta de qualquer assistência médica, acabavam por entregar a alma ao criador.
Tornava-se evidente a necessidade de destruição de tais estruturas e o aprisionamento dos "industriais".
Podia ser vista assim a organização militar:
- Em campanha, um Batalhão comandado um por Tenente-Coronel, estruturado como uma cidade onde, uma vez que se compunha de todo o tipo de estruturas inerentes, com materiais de toda a ordem, desde medicamentos, comestíveis, geradores eléctricos, muitos combustíveis, como gasolinas e óleos, materiais de reparação, desportivos e outros.
Esquadrão, bateria, companhia comandados um Capitão, eram por norma desdobramentos (havia quatro desdobramentos daquele), não eram tão completos, mas usufruíam de grande poder autonómico.
Naquele esquadrão, o Onofre integrava e coordenava um segmento saliente na organização.
Com o encargo dos géneros, juntavam-se muitas outras tarefas quase diariamente, como a da provisão de carnes.
Todos os fins de jantar, elaborava a ementa para o dia seguinte. Tendo em vista a essencial criação, dada a propensão para trabalhar em equipa, ouvia outros, como o soldado que se encarregava da cozinha ou o sargento a fazer parte da equipa, como a missão de escriturar os gastos, porém a tarefa que dizia respeito a todo o aprovisionamento para o rancho, era mesmo inerência de quem liderava o depósito da alimentação das praças.
É chegada a altura de se afirmar que a alimentação era irrepreensível, o que sem dúvida era devido à muita dedicação do cabo Onofre e à boa colaboração do soldado cozinheiro que, ido também do Esquadrão 297, era conselheiro de excelência.
Ficam dois exemplos dessa colaboração: Dias da inevitável dobrada dobrada era esquecida a regra que a "alta" organização militar tinha instituído, da porção destinada a cada homem, reduziam-se as doses, para se poderem aumentar, quando se tratasse de outras ementas, mais apetecíveis. Vinho que, de servido apenas um copo per capita, cada qual passou a poder servir-se do que desejasse, sendo o gasto que era menor, em virtude dos que preferiam regar a refeição com cerveja (era necessário comprar), deixavam de levar a dose da bebida que lhes cabia, para oferecer a um amigo. Afinal ele podia ir buscar mais!...
Refira-se que o trabalho do cabo Onofre e consequentemente, o do rancho não era nada facilitado, funcionando muitas vezes na base de simpatia e da humildade inspirada por este, em virtude do comando nunca ter tomado a iniciativa de, todas as manhãs, manter disponível uma viatura para as deslocações ao Dundo, onde era necessário levantar, sem sobressaltos, carne fresca para ser trabalhada a tempo da confecção dos almoços da tropa.
Era notório um maior privilégio individual dos oficiais do que a atenção devida ao colectivo sendo, por isso mesmo menosprezado por certos motoristas utilizando, sempre que convinha, o serviço do superior, para se escusarem ao trabalho da deslocação.
Algumas manhãs, chegou a instalar-se o pavor de não se poder cumprir, o levantamento do tipo de carne estipulado a servir-se, pelo menos à refeição do meio-dia.
As mulheres nunca deixavam de estar na mente de gente tão nova, como a que formava o esquadrão.
Nas aldeias de indígenas, comentavam as interessadas, que não valia a pena dedicarem-se aos militares, porque afinal os da milícia, além de possuírem mais "alangongo" (dinheiro), eram mais generosos na atribuição de quantias, a compensar "favores".
Aproveitando o tema, não se deixa passar em claro o facto de a Diamang possuir perto da Portugália, um quartel com a sua tropa organizada, como qualquer milícia para defesa.
No tocante ao elemento feminino étnico tudo era diferente do conhecido, na cidade da Gabela. Um belo dia, dois militares, deambulando em busca de sensações amorosas, na periferia da vila, meteram-se com duas mulheres: De imediato saltaram os respectivos maridos e encetaram-lhes uma perseguição, que só terminou, com os lesados à porta das instalações de trabalho do comandante, a quem formalizaram imediatamente queixa, enquanto os fugitivos, com invejável preparação fisíca, se misturavam na caserna com os colegas.
O Capitão Ferrand de Almeida, pouco contente com o sucedido, à hora da refeição do almoço, ordenou a formação de todo o contingente, onde lançou a palavra cobardes, para definir os então desconhecidos abusadores. Os mesmos podiam obter a sua benevolência, se fossem até ele com uma contrita confissão.
- Disse no discurso!
O Onofre sabia de quem se tratava, pelo desabafo de um deles, o Leonardo único conterrâneo e dos maiores amigos.
Conhecendo bem a filosofia do comandante, pensou numa maneira eficaz de defesa dos implicados.
A partir dessa premissa, de imediato foi conferenciar com o Sebastião, outro amigo também conhecedor do "terreno".
Depois de se estabelecerem os prós e os contras, os rapazes foram aconselhados a denunciar a sua culpabilidade.
Tudo correu de acordo com a melhor previsão e antes do repasto da noite, com tudo em formatura, para ouvir o responsável máximo dizer que, afinal detinha o comando de um esquadrão de verdadeiros homens, dos que tinham sabido dar a cara pelos seus erros, pelo que ficara satisfeito.
- Era assim Ferrand de Almeida!...
Como aventuras para reter, mais algumas observações.
- Uma prende-se com o facto de numa ocasião, momento único, ter encontrado uma linda mulher quioca, toda pintada de branco. Indagando o porquê, veio a sabê-lo:
- As mulheres daquela etnia, festejavam e mostravam assim ao mundo, que já tinham perdido o cabaço (virgindade).
Naturalmente com o amado que, gostosamente, contavam passar o resto da vida.
Da seguida contam-se passagens, como a do nosso homem que arranjava contactos femininos, através de um servente local. Com mais experiência de vida, cismaria ter tido à mão um elemento a expiar, ao serviço da subversão. Na sanzala de uma das mulheres, passou uma noite de verdadeira orgia.
Tinha sido uma aventura morta à nascença. Mais tarde veio a saber, por ouvir em forma de lástima, não ter havido dinheiro, nem o militar ficara ao menos conhecido. Já então o Onofre havia passado, algumas vezes pela mulher, ficando a estranheza pela ausência de qualquer temível manifestação.
O Onofre sem se denunciar, soubera disso ao protagonizar outra aventura amorosa numa casa, mesmo em frente.
Mais uma vez, talvez por ausência de disponibilidade temporal, utilizara o servente quioco. Daquela vez o "affaire" correu mal, dado que sofreu um ferimento, do que resultou uma hemorragia.
Dali, foi logo procurar apoio no posto de socorros, mesmo correndo a versão de que, o alferes médico titular, apenas receitava aspirina, para qualquer maleita.
Foi tratado pelo enfermeiro, cabo Simões, também oriundo da Gabela, que desaconselhou contactos com o clínico, Taxativamente recorreria à circuncisão.
Já lhe ocorrera a seguinte questão, em pensamento:
- Pelo perfil, o alferes médico não seria de origem judaica?
Com a indispensável mediação do servente, o Onofre obteve também a experiência de um pequeno, mas inesquecível serão. Num terreiro, apenas com a luz do luar, a em todo o redor muitos anciãos conselheiros reunidos, tratava-se da compra por alambamento de uma rapariga para casar.
Seria mais uma maneira de conhecer, como se processava a união e a resultante actividade sexual amorosa.
Tratava-se da forma usada pelo povo da Lunda, para a consumar uma união. A mesma consistia na introdução de um valimento, a pagar ao pai da miúda.
Na questão, punha-se o problema do futuro noivo não possuir gado ou qualquer produto da terra para o "negócio".
Afinal, tudo poderia ser ultrapassado com dinheiro.
À rapariga, porque era bonita e tinha cabaço, era atribuído um valor de vinte e três mil escudos, um custo importante em 1963!...
A partir dessa interessante "encenação", o Onofre ficou a saber efectivamente, como era a prática do alambamento, dos quiocos.
O facto não passou, obviamente, de uma memorável recordação!...
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

16 comentários:

Lyra disse...

Viajo no tempo e no espaço, sentindo a emoção de cada palavra aqui lida e bebendo detalhadamente as lições de vida que essa viagem me dá.

Beijinhos e até breve.

;O)

xistosa, josé torres disse...

Amigo "daniel"
Estive aí, Angola, 7/8 anos depois.
Nem sabe o que a vida mudou.
Como em tudo na vida, as pessoas vão evoluindo.
Havia pretas com atestado do "cabaço", (só debaixo do braço).
Eu fui um valdevinos, mas nunca obriguei ninguém a fazer nada contra a sua vontade.
Nos quimbos, Sanzalas, por usar óculos de lentes castanhas, nem o presidente da república me batia ...
Nunca enchi o prato ... desde que não pudesse comer o que me era dado ...
Tenho dois casos, que não dá para contar aqui ... que quase me queriam caçar ...
Casar com uma preta, com cabaço, era fácil ... havia as promessas.
Mas sabe uma coisa, em 90 % ou mais dos casos, a preta a partir do 11/12 anos, já tinha "ido".

O clima desenvolve mais a mulher, (ou a criança), pois havia pretas com mesntruação aos 9 anos.
Não me contaram ... verifiquei eu e não foi um caso, foram imensos, porque fui professor da pré-primária, (um luxo que não havia no Puto), até á 4ª classe.
E depois, como eu digo ainda hoje, BEM VESTIDO E BEM FALANTE, MAS VIGARISTA ...,
Não deram preparação aos povos e a vida sexual era como nos animais.
Estás no cio, (aqui, #gosto de ti", anda cá que és meu ou minha)!

Só em Cabinda é que as coisas eram mais difíceis e as mulheres que nos apareciam, mais velhas ...
A preta depois de ter o primeiro filho, por volta do 15 anos, por muito grande que sejam as nossas amplas visões, já não interessava a ninguém ...
Isto nas bailundas, quibundas, etc.
Porque nas "kamsequieis", (estou a escrever como me disseram que se chamavam), eram as mulatas quase brancas, mas com os olhos como as chinesas, que eram monumentos ambulantes, mesmo depois de dois e três filhos.
Eram as mais fieis aos maridos, porque as restantes, eram como as gatas e as cadelas aqui ...

Os tempos eram diferentes ... Tínhamos sítios onde lhes dar banho, juntamente connosco, o "marido"

Também não se pode escrever tudo ...

Já vi que não gostavam de tripas.
Já vim de África há mais de 35 anos e só há cerca de 1 m~es é que voltei a comer tripas. Eu que sou do Porto.
Comi, porque eram congeladas ...
As da tropa, vinham em latas, da Argentina ... eram secas.

Sabiam a "NADA", mas era uma refeição cara.
A mais cara!

MARIUS QUIRÓZ disse...

Agradecido pela visita e comentário lá no blog.

Forte abraço!

Bandys disse...

Daniel,
Pra mim vale sim... vou esperar essa poesia.

Hoje é dia do abraço então te trago o meu melhor abraço pra acalentar sua alma!

Beijos e abraços

Anónimo disse...

Obrigada pela visita ao meu blog! bjoss

Daniel disse...

Olá Lyra

Também senti prazer, manipular o meu diáro escrito e outras recordações, que tenho por aventurosas.
Realmente, são viagens a um passado, que pareceu de ontem.

Beijinhos
Daniel

Daniel disse...

xistosa

É um prazer ler-te e ir aprendendo mais umas coisas.
Também não acreditei nessa do cabaço. Na interessante reunião, onde estava só atento a ver como e perante o conselho de família, achei por bem mostrar respeito, como o mais sério dos humanos, foi assim que contei. Na verdade, conhecia realmente, aquele mundo e dava vontade de sorrir, mas mesmo ao luar mantive-me circunspecto.
Abservei os avanços hormonais, motivados por um sol mais saliente, mas de acontecer a menstruação logo tão cedo, não vi.
Se bem te lembras a questão, da mudança de clima, começa a notar-se à passagem de Equador (ainda em 1964 os paquetes eram o transporte da tropa). Depois das primeiras levas, houve misturas e histórias!... Se me faço entender, tudo a partir do Equador.
Cabinda!... Tudo é revelação, para mim, por alguns relatos, poucos e inconclusivos. Aprendi mais com este "papo" sobre o elemento feminino oriundo, do que até aqui. Tudo me pareceu sempre misterioso, possilvemte era-o, para alguns falantes.
Mesmo desideratadas, nunca enjoei as tripas. Na Lunda, tinha sempre petiscos em substituição e sopa na dita!
Odorava as da Mamuda, no Porto, de facto o restaurante chamava-se Montenegro. A última vez que por lá fui, já não estava a Mamuda e já não dava, deixei de passar.
A refeição de tripas, era das mais caras e a malta fazia cara. Por isso, era boa ideia não utilizar o peso recomendado pela manutenção, sobrava sempre, como os alentejanos chamavam ao louro, "o sobra sempre".
Acabei por me divertir e recordar!

Daniel

Daniel disse...

Marius Quiroz

Obrigado fico eu!...
Um abraço, Daniel.

Maria Laura disse...

Registo vivido de um tempo que acredito que não seja fácil de esquecer por quem o viveu. Memórias para futuras gerações.

Daniel disse...

Bandys

Tenho muito, da minha colaboração semanal do "Jornal da Amadora", entre alguns poemas, que faço tenção de postar.
Se ontem era dia de abraço, fica estendido a hoje!...

Beijos e abraços, Daniel

Daniel disse...

Nadja

Passa sempre que queiras, obrigado.
Beijos, Daniel

Daniel disse...

Maria Laura

Estranhei, parece que escrevia e revia o "filme".
Pareceu ontem. Tento que as memórias passem a livro. Ma verdade, constituido com mais, cerca de 50 fotografias, da época estão em editoras, para apreciação.

Obrigado, Daniel

Mac Adame disse...

Nunca estive em África. Mas em Timor, ainda hoje, se usa o dote. Também aí é a família da noiva que o recebe. São tradições mas, cá por mim, se tivesse de pagar dote, preferia pagar para ir às prostitutas, que ao menos sempre ia variando. Agora pagar para ter sempre a mesma mulher? De borla, ainda vá que não vá. Mas a pagar não! Seja como for, mais um belo capítulo que aqui fica.

Daniel disse...

mac adame

O dote que caíu em desuso, também pertenceu cá ao cantinho, era o pai da noiva a entrar. O alambanto o amado paga e se quer, compra a noiva ao amado pai.
Por mim também não partilho do amor pago, então e os carinhos que dispensamos? Não valem?

Daniel

xistosa, josé torres disse...

Depois do equador, a linha cortava-nos a meio e só pensávamos com a parte inferior.
A outra caía, invariavelmente ao mar, para não pensarmos.
Fui e vim no Vera Cruz, com cerca de mais umas 3000 "beldades fardadas.
Mas havia uma mulher a bordo que era enfermeira ...

Daniel disse...

xistosa

Vir no Vera Cruz, como também vim e tansportou muitos, era um luxo, a ida no Niassa é que foi mau demais, para praças. Mas o "Esquadrão", ralata factos. Mulheres nunca houve.
As incidências dos efeitos da passagem do Equador, baseadas em traições amorosas foram ouvidas depois, ainda lá e em Lisboa. Convivi com muita gente!...

Daniel