sábado, 30 de agosto de 2008

LISBOA CAFÉ - 14

BRANCO E NEGRO

O Dafundo, como local de trabalho, continuava o máximo e o permanente optimismo irradiado por João Moisés era contagiante, capaz de ultrapassar todas as barreiras, que se deparam em qualquer ocupação laboral. Bem vistas as coisa apareciam muitas, que sempre iam sendo sanadas pessoalmente, com um certo jeito de negociação e o dever de cumprir bem o que prometera ao cliente.
No fundo, tratava-se da necessidade de atentar nos prazos, já que a mercadoria não saia de prateleiras, tinha de ser construída em várias etapas a serem ratificadas pelos clientes. Para além da fabricação havia o pressuposto de que cada obra tinha uma componente artística, que não podia ser ignorada.
Para isso, tinha sido criada a secção dos CONTACTOS, a funcionar também como a primeira linha crítica.
No caso dos livros, havia as primeiras provas a partir de granéis de composição tipográfica, pelo que existia uma sala cheia de linotypes de serviço, com os seus operadores, a funcionar por turnos.
Depois das provas revistas, outros especialistas formavam as páginas, para nova revisão.
Só então vinha a imposição, ou seja a formação dos cadernos em chumbo para a impressão tipográfica em papel, por máquinas próprias com o seu operador experimentado e especializado. Contava sempre com sempre com um ajudante, que estaria a fazer o seu estágio, para mais tarde também ele vir a ser oficial.
Para chegar á impressão, uma última revisão, era feita por revisores da própria empresa, para que tudo saísse certo.
Quando as tiragens atingiam números mais elevados, imprimiam-se as páginas em papel “couché”, o mesmo era fotografado e depois feita a montagem das películas.
Das mesmas faziam-se cópias em ozalide, formando o livro virtual para a aprovação do cliente, passando pelo filtro do respectivo elemento do CONTACTO.
As revistas, executadas nos mesmos moldes, por serem periódicos havia maior aceleração. Deslocava-se ali algum responsável pela edição, por qualquer falha da gráfica ou da própria editora, para maior eficácia e rapidez.
Atento aos perfis humanos, começou por atentar nas visitas do editor da “Branco e Negro”, o José Vilhena, o próprio titular da empresa, que indiciava um pouco da personalidade do seu criador.
Ainda por cima, com o Estado Novo em actividade, mal entrava no gabinete e sem conhecer ainda bem a pessoa, que o passara a atender, referia-se a qualquer estrutura administrativa, mesmo que fosse estatal e que englobasse o senhor António de Oliveira Salazar, como “aqueles tipos”, sempre de maneira sarcástica.
Devia ser um anarquista de primeira apanha!
- E se encontrasse ali, um informador da PIDE?
Nem pensar nisso era bom, a acontecer não seria inédito, também não lhe traria saúde, porque era assíduo “cliente” de Caxias, “refúgio” onde escrevia os seus livros mensais de bolso, para um público fiel, que os comprava via correio.
Deve ter-se dado uma empatia e na secção de CONTACTOS, o Vilhena era sempre bem recebido, homem de aspecto vigoroso, impecavelmente trajado, porém circunspecto.
Sabendo o que queria, tratava de assuntos importantes, como se parecesse uma criança grande, dizia o estritamente necessário, a que não seria alheio o seu permanente contencioso com o poder instituído.
Como encontrava simpatia, também sabia estar à altura e sempre correspondeu.
Invariavelmente deslocava-se ao Dafundo para tratar de assuntos relacionados com a feitura dos seus livros e passou a confiar a João Moisés, no seu jogo do gato e do gato, com a Censura até à última hora, do armazém onde eram entregues os livros, nada podia constar nem imaginar,
Chegava a indicação de pronta a obra e apenas nessa altura era comunicado ao chefe da expedição, onde devia ser feita a entrega.
A “Branco e Negro fazia distribuição por algumas livrarias, e de imediato os exemplares eram apreendidos!
Os restantes estavam algures a ser enviados aos indefectíveis compradores, já os mesmos pagos adiantadamente.
De seguida a autor e editor, ia uns dias para a prisão política de Caxias e era movida investigação:
- Onde estariam os muitos exemplares?
Na Bertrand & Irmãos, já se conhecia bem do assunto e os risinhos nunca se faziam esperar, porque chegava sempre a abordagem.
Normalmente a Censura, na sua usual estupidez, convocava o respectivo chefe de produção, que obviamente, não curava dum assunto a que podia passar sem dar importância. Tinha-se produzido o trabalho e lavava as mãos.
Um dia, depois de ser ouvido na comissão, este chamou João Moisés ao seu gabinete e deu-lhe a notícia, de que Censura estatal, depois do interrogatório inconclusivo, como sempre, planeava confrontá-lo, que se preparasse!
Juntamente com um sorriso ouviu logo:
- Nem sei de nada!...
- É isso afinal que tens para dizer – coitado de ti, nada sabes!...
Logicamente, não houve mais comentários, nem mais indagações.
À data José Vilhena, com o fim de desviar os seus trabalhos da Censura, que não passavam de sensualmente políticos, viraram para os de tema religião, mas: Dos três departamentos superiores, um tratava da religião!
De qualquer maneira o Vilhena era tido da secção, como um grande ponto, até pela sua finura. As instalações da editora, eram de requinte digno de nota.
Como gostava de boas mulheres, só tinha empregadas, novas e esculturais. O soalho da casa era alcatifado, com música em gravador de gravador espalhado na própria. Um primor de bom gosto em suma!
Os livros e postais da sua autoria, sempre de cariz sensual, tinham fama. Um dia um chefe de secção veio aos CONTACTOS e com certo jeito, insinuou a condição de João Moisés tratar muito com o autor, Dizendo ao que ia, se lhe pedisse, ele podia enviar uns livros para a malta.
Este duvidando, apresentou o pedido. E não é que o mesmo foi bem aceite?
- Passados dias, chegaram dois embrulhos, coma recomendação:
- Este é para si, o outro para os seus amigos!...

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

POEMA DONA MICAS

DONA MICAS

Na aldeia do Oeste
Num dia invernoso, agreste
Nuvens negras no céu
Tudo escuro como breu
O farol da Berlenga
E do Cabo Carvoeiro
A deitarem urros no éter
Alertando o marinheiro
Dirigindo-se mais ao timoneiro
Na costa a sul do Carvoeiro
Avistam-se ondas muito altas, medonhas
Ululam ao desfazerem-se na rocha
Fazendo estrondo como que a bater o pé
Pareciam dirigir-se a humanos sem fé
Dona Micas segue rua acima
Como que a visar os quatro moinhos
Cada vez mais a eles se arrima
Segue com o seu manto negro
Qual bruxa maldita, a meter medo
No cordame das velas dos moinhos
Assobiam búzios tristonhos
A bruxa, qual fantasma negro maldito
Vai distribuindo conselhos
Dizendo: é prenúncio do finito!
Ninguém acreditava na dita
Porque teriam esperança
Num Deus de justiça bendita

Daniel Costa

sábado, 23 de agosto de 2008

POEMA MALDADE

MALDADE

“Quem mal não usa
Mal não cuida”
Diz o povo e muito bem
Ninguém ganha com a maldade
Essa falta de sanidade
Risível a maldade
Esse flagelo atravessa a sociedade
Havendo optimismo
Aprende-se sempre com o negativismo
Se ele existe fora o pessimismo
Aparece maldade
De quando em vez
Fica a sensação
Alguém não está sendo são
Aprende-se a lição
Diz-se não sou eu não
Aprende-se fica o favor
Assobia-se prazenteiro
Como se descesse a rua
Na sonhadora madrugada
Procurando um bem
Afinal arredio
A andar muito mais além
Feliz de quem o detém
Amem


Daniel Costa

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

LISBOA CAFÉ - 13

DEZOITO DE MARÇO

A empresa concessionária das listas telefónicas, detentora das Paginas Amarelas, a Celsa, do mesmo grupo da Bertrand & Irmãos, estava a enviar, diariamente, um grupo de pessoal a uma jornada guiada à impressora, afim de visitar e observar todas as instalações num curso, a que viria a chamar de reciclagem, visto que ficariam a entender melhor os mecanismos de fabrico, em livro, do muito trabalho de preparação dos anúncios e de toda a organização do mesmo.
A acção, como devia ser apoiada pela secção de CONTACTOS, por força teria de ser ali, ou mesmo superiormente equacionada. Não aconteceu e na primeira visita, sem a formalização de qualquer aviso, foi tomado o rumo certo pelo grupo, de que resultou a mobilização de João Moisés, sempre com disponibilidade para entrar em acção.
Aconteceu que no dia seguinte, tudo se manteve, João Moisés pelas quatro da manhã teve a felicidade de ser pai e… Chegou mais tarde.
Das chefias nada de resoluções, passar a manhã na missão de cicerone até era agradável, mas havia outras responsabilidades, que tinham de ficar adiadas e ali estava um outro grupo à espera que, sabendo do feliz acontecimento começou por: em coro apresentar, felicitações.
Resultou, sem tempo de ver o que havia de novo, ter de iniciar o dia mostrando, sector a sector, toda a fábrica gráfica.
Alguns dias, durou aquele trabalho, sem dúvida interessante, porém devia ser distribuído por todos os colegas, já que era de mais valia profissional, ou por isso mesmo, tornava-se didáctico, para toda a secção que liderava os CONTACTOS laborais exteriores da empresa, no fundo tratava-se de relações públicas.
O dia terá sido de facto, o dia mais marcante na vida de João Moisés, o inesquecível dezoito de Março de mil novecentos e sessenta e nove, ainda nesse espaço de apenas vinte e quatro horas, o vendedor que estabelecia os contratos com editoras, tinha em mãos a negociação de vários, com a conhecida empresa Selecções do Reader’s Digest, com uma reunião marcada com o administrador.
Não achou melhor do que apresentar o elemento, que acompanharia as obras.
Apareceu à tarde no seu “Triunf” desportivo e descapotável, a sua imagem de marca, a comunicar o assunto a ser tratado de imediato.
Começou por haver recusa, foi apresentado o motivo, mas era importante para a empresa e não ouve outro paliativo que não a aquiescência.
O dia era de chuva torrencial, o resto da tarde acabou por ser preenchido com a magna reunião e acabaria com a concretização do importante negócio, que competia ao titular de vendas.
No dia seguinte, soube que precisamente no dia dezoito a revista “Plateia” impressa na casa, saiu com duas fotografias suas, com o colega de gabinete e Vitoriano Rosa.
O porquê conta-se a seguir:
- A Agência Portuguesa de Revistas, editora da “Plateia” aniversariava nos jardins do então famoso restaurante Quinta de S. Vicente, em Telheiras para onde, além de todos os empregados da empresa, muitos colaboradores exteriores da editora, tinham sido convidados.
Á secção de CONTACTOS da Bertrand & Irmãos chegaram dois, um era destinado ao António Alcaráraz, o outro ao chefe Fernando Sobreiro. Este não podia estar presente e delegou a agradável “tarefa” a João Moisés, já que era o substituto daquele, quando necessário, no acompanhamento da revista que semanalmente era impressa no Dafundo.
Funcionando como anfitrião da festa, Vitoriano Rosa, na prática o verdadeiro Director, já que o seu pai o Major Baptista Rosa, sócio da Agência, figurando na ficha técnica, entregara ao filho toda a condução da mesma.
Nessa qualidade, acercou-se chamou o fotógrafo de serviço, mandou disparar o”flash” e saíram os documentos, a inserir na reportagem da festa.
- Comentário de António Alcaráz:
- O Vitoriano é muito amigo, mostrou-o suficientemente, mas não haverá espaço, na reportagem para comportar este registo!…
- Queres apostar?
Mas, realmente as fotos saíram bem visíveis, no número da “Plateia” desse dia.
O Colega de gabinete e amigo António Alcaráz, por fazer parte dos soldados dos Sapadores Bombeiros de Lisboa, constantemente recebia chamadas para ajudar a socorrer casos de catástrofe na cidade, pelo que era forçoso ser substituído, por João Moisés, nos vários trabalhos que tinha em mãos.
Ocorreu várias vezes à Sexta-Feira de tarde, de ter de desempenhar a habitual tarefa, de em última hora, passar pela Comissão de Censura, em S. Pedro de Alcântara, com uma simples página semanal da revista “Plateia”.
Tratava-se de uma crónica critica de rádio, que um colaborador externo entregava, por regra, naquele dia da semana, por ser final de cada edição, para estar nas bancas todas as Terças-Feiras.
Nunca havia complicações naquele departamento, mas a censura prévia obrigava a esse procedimento, o trabalho continuava, porém a prova, essa ficava sempre arquivada, com o visto azul do lápis de algum censor de serviço.
Assim, nunca isso passou dum ritual, tanto mais que o Major Baptista Rosa, figurava como Director, o que era uma garantia, para que tudo corresse bem. Mas a prova tinha de ser lida antes, porque a censura prévia estava instituída.
O ritual dessas visitas da Sextas-Feiras cabia, por contrato, aos serviços da empresa impressora, devido a ser mesmo um serviço de última hora, dado que se evitavam perdas de espaço temporal, entregando a prova nos escritórios da Agência Portuguesa de Revistas, como acontecia noutros casos.
Embora este procedimentos, pertencessem aos editores, as casas impressoras estavam cientes dos problemas que podiam enfrentar com a Comissão de Censura, se algo corresse mal e que aquele reino achasse por bem intervir.
Ilustra-se com um caso ocorrido. Determinado cliente mandou executar uma gravura, crê-se que maldosamente, a mesma entrou na respectiva oficina, apenas o chefe ao verificar o original, viu o desenho muito bem feito, mas considerado pornográfico, o que poderia ocasionar sarilho.
Foi chamado e admoestado o responsável pela encomenda e de imediato recusado o trabalho.
Ter muitas encomendas era óptimo, mas sarilhos com a douta Comissão de Censura?...
Abrenúncio!...

Daniel Costa - in JORNAL DA AMADORA

terça-feira, 19 de agosto de 2008

POEMA AMAR O MUNDO

AMAR ALGUÉM

Amar o mundo
Com amor profundo
Este de cor rosa se inunda
E calor humano se funda
Despidos de ambições
Devíamos olhar o mundo
Sem devaneios ou condições

Amar alguém
Amor… amar mais além
Amor de gosto
Visto do posto
Onde se vislumbra ternura
Amar não será loucura
Antes um mundo de ventura

Sempre ganha a missão
Loucuras buriladas serão

Daniel Costa

sábado, 16 de agosto de 2008

LISBOA CAFÉ - 12

O MUNDO EDITORIAL

Afinal o paraíso parecia estar no Dafundo, visto pelo positivismo, havia coisas engraçadas, como a referência africana ao gabinete, que um colega desfrutava, por vezes depois de uma troca de impressões atirava:
- “Bem tenho de ir até à minha sanzala”!... Efeitos de também ter feito a sua comissão militar em terras de Angola!...
Era a zona dos CONTACTOS onde diariamente se recebiam clientes, alguns de grande nomeada, pois apesar do serviço poder fazer deslocações ao encontro desses, é de crer que a própria estrutura da empresa os fascinasse, a ponto de quererem ser eles próprios a estabelecer canais de comunicação pessoal, respeitante aos seus trabalhos.
Por vezes havia outras razões, até as que se prendia com a Censura Estatal, sempre omnipresente em todo o mundo que fosse sítio, tanto mais onde se poderia passar ao papel propagadas contrárias ao regime vigente.
Não vivida, mas sabida de um companheiro. Fora abjudicada à empresa uma obra em livro que depois de editada, seria lançada no Estádio da Luz, por ocasião de um importante desafio de futebol. No dia aprazado não foi possível a entrega, aventaram-se as desculpas esfarrapadas costumeiras, adaptadas ás circunstâncias do caso.
Na Segunda-Feira seguinte veio a saber-se, na clandestinidade, dos mesmos originais fornecidos Bertrand & Irmãos, apareceu o livro à venda durante esse jogo.
O caso, depois veio a ser entregue à polícia judiciária que, munida de mandatos, passou revista a casas de funcionários da empresa.
Sendo assunto recente, mas passado antes da entrada de João Moisés, para este funcionou apenas como interessante, a existência de nobreza daquela ocupação era feita de outras causas.
Era recorrente a visita, à média de duas vezes por semana, por um trio de Administradores e Editores da Palirex, que quando eram avistados, muitas vezes alguém dizia: Tens aí os Índios para tratar!
De facto um destes desenvolvia os assuntos como se estivesse a negociar mercadoria de ferro velho, era o encarregado de gerir a contabilidade, o outro desenhador alinhava muito com o contabilista. O terceiro era verdadeiramente escritor e jornalista, o que tutelava mais a parte editorial, era o Roussado Pinto, que lhe passou a dedicar uma verdadeira amizade.
Com essa editora veio a acontecer algo de lastimável. Estava-se na era dos saquinhos de cromos, que viriam a preencher cadernetas, cujas completas, davam direito a um brinde. No caso, era composto de uma bola do futebol profissional, pois tratava-se de fotografias a cores de jogadores de clubes, que iam entrar na Taça dos Campeões Europeus, onde se contava a do Sport Lisboa e Benfica.
Eram muitos os cromos e as entregas feitas por partes, já que se compunham de várias folhas de 70 x 100 cm, com a necessidade de muitas horas de guilhotina, para separa todas as efígies dos jogadores, que iam entrar em acção.
Certo dia, um dos motoristas ao dirigir-se a entregar uma tranche de cromos, teve um desastre mortal e como consequência, além da sua trágica morte, os coloridos papelinhos espalharam-se por toda a via.
Caro que a empresa tinha seguro a cobrir riscos desses. O assunto era do foro contencioso, mas o contabilista vislumbrando a oportunidade de fazer grande fortuna, reivindicava insistentemente junto de João Moisés ser indemnizado de todo o material, pelo preço que venderia nas livrarias, ao invés do custo de fabrico que lhe assistia por direito.
O acompanhamento da obra acabou por se tornar demasiado complicado, com esse lance.
O Departamento de contencioso, acabou por, tratar do infeliz caso, como lhe competia.
Outra empresa de razoável dimensão, que por ali passou, designava-se Editorial Aster, editando além de outros, bastantes livros didácticos. Terá sido aquela, que mais ficou na retina por muitos motivos, não só por acompanhamento de trabalhos, mas porque fora deles perduraram amizades pessoais.
Houve a feitura de um livro escolar, “Ciências da Natureza”, por três autores, Capitão Mascarenhas Barreto, Dr. Perry Vidal e Dr. Barrilaro Ruas. O livro, como muitas vezes acontecia naqueles tempos, ia sendo concebido aos poucos, até que apareceu a obra impressa.
Além deles e daquela importante realização, de que Aster era editora, e um importante cliente, pelo que foram tratados relevantes trabalhos, recebidos outros eventuais colaboradores e empregados, além do próprio Administrador. Este apareceu por diversas vezes, a verificar itens talvez mais sofisticados, como a obtenção de prazos.
Merece destaque especial, Selecções da Reader’s Digest, um outro dos melhores clientes, em toda a linha, que teve sempre trabalhos em andamento, obras de grande envergadura.
A maior lembrança era a conhecida, por todo o país, Livraria Popular de Francisco Franco, da Rua Barros Queirós, por se dedicar à venda e distribuição de material escolar. João Moisés trabalhos algumas vezes com Carlos Mota, um herdeiro, por casamento, de Francisco Franco, com a particularidade de ser filho do Dr. Góis Mota, um Presidente do Sporting Clube de Portugal, que teve o privilégio de dar o arranque, com o lançamento da primeira pedra, ao primitivo ao primitivo Estádio de José de Alvalade.
No ano de 1968, apareceu um colega com um cartão, pelo qual havia desembolsado a quantia de quinhentos escudos. Tinha entrado num jogo de “pirâmide, pelo que desejava passar o bilhete para outras mãos a todo o custo. No fundo já estava arrependido da aquisição, embora o objectivo fosse o negócio.
O João Moisés entrara em jogos do género, mas implicavam apenas a aquisição de alguns postais ilustrados, até sabia que era interdito, por lei, mas isso era no fundo um passatempo engraçado, mas “brincar” com notas de quinhentos paus?
Na década de sessenta era elevado e caro, a negativa foi o caminho natural, para o seu espírito de mau comprador.
A entidade patronal seria sempre algo de inesquecível. Pertencer a um grupo daquela envergadura e as condições achadas, continuavam a ser coisa de um outro mundo, muito desejado!

Daniel Costa – JORNAL DA AMADORA

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

POEMA EXCLUVISMO

ESCLUSIVISMO

Há inúmeras manias
Por vezes são fantasias
Tenho a minha bizarria
Delas falaram-me um dia
No momento uma tara definia
Desde então sempre a revia
Falar dela me comprazia
Talvez devido ao novo século
Que chegou um dia
Do anterior não ficou dor
Não ficou desamor
Questiono se fiz
Se a conjuntura o fez
Algo de exclusivismo
Anotei uma vez
Aos dezasseis anos
Ganhar jorna de homem
No Casal Torneiro
Terá sido favor que um deus fez?
Aventura, força de querer, sensatez?
Estimulante talvez
Porque cavei
Acima da média, a jorna, ganhei
Em três concelhos do Oeste
Peniche. Bombarral e Lourinhei*
No campo, de sol a sol trabalhei
Na guerra de Angola
À coordenação do rancho cheguei
Em Lisboa, trabalhando, estudei
Nos trabalhos dirigi e coordenei
Que mais sei?
Ou por outra, quanto mais observo
Quanto mais procuro, menos sei
Mas este é o meu tempo
O de me achar com direito
A alimentar a mania
Da exclusividade do dia


* NOTA: O EI era muito, da fala popular,
do meu Oeste natal.
Aqui refere Lourinhã.


Daniel Costa

terça-feira, 12 de agosto de 2008

LISBOA CAFÉ - 11

NO DAFUNDO

Num dia de Junho de 1968, depois de vários testes, João Moisés conheceu o inolvidável privilégio de entrar a trabalhar na empresa gráfica BERTRANDO & IRMÃOS, nas instalações do Dafundo. A mesma tinha Sede em Lisboa na Travessa da Condessa do Rio, na freguesia de Santa Catarina, onde teve toda a sua actividade durante bastantes anos.
Ter pouco mais de três anos de preparação no seio de uma empresa essencialmente de zincogravuras e logo ser colocado num departamento administrativo comercial do mundo gráfico, como uma fábrica da dimensão daquela, talvez a maior do género do país, com secções de tudo o que àquela arte diziam respeito, podia ser considerado um grande feito, por quem tinha ainda havia tão pouco tinha deixado de ser trabalhador estudante, objectivamente para se valorizar.
Ainda por cima teve de provar a um examinador credenciado estar apto para o cargo!
Era também uma oportunidade, para conhecimentos mais profundos e para prosseguir a veia policial, que lhe estava consubstanciada na alma.
Foi-lhe atribuído um gabinete que passou a partilhar com um outro colega, numa estrutura composta por um director comercial, o Dr. Brás Monteiro, um chefe de secção com a sua sala própria, para receber clientes mais sofisticados, ou para tratar de assuntos normalmente complicados, mais dois colegas na sua própria sala e uma estrutura, com secretariado de apoio, de que faziam parte uma jovem senhora e um paquete.
Depois havia os chamados serviços comerciais, compostos por homens de vendas, com a sua carteira própria, também secretariados, que ficaram sempre no que se designava Sede em Lisboa.
Só aqui estava já uma grande estrutura, depois havia toda a produção no Dafundo. A Direcção tinha no comando o Dr. Manuel Metello, proveniente da empresa Celsa, concessionária das listas telefónicas, que só a BERTRAND & IRMÃOS teria capacidade de executar.
A referida firma de origem brasileira, adquirira a gráfica, cuja produção se propunha expandir para o estrangeiro, contando já com um elemento da Hungria, a viajar por vários países.
No fundo, João Moisés parecia ter um mundo para trabalhar, tudo começou duma forma aliciante, nem ele mesmo, alguma vez ousara sonhar com tão boas condições, tanto mais que em breve tinha conquistado o apreço de todos, não só com quem tinha de relacionar-se por inerência, mas também com outros, pelo menos os do se nível, pois eram esses os interlocutores naquele trabalho, que visava estabelecer a ponte entre o cliente e as chefias das secções, por onde passava cada obra.
O núcleo já apontado, tomara por essa razão o sugestivo nome de CONTACTOS e tinha de ser por ali que passavam todas as obras a executar.
Nos dois gabinetes, aos quatros cabiam outros tantos pelouros em separado; trabalhos provenientes de editoras de livros, de revistas, de agencias de publicidade e do estado.
Tudo corria bem a João Moisés pois calhara-lhe no sector de livros, o que mais gostava, tinha sido um feliz acaso.
Mal tinha ocupado aquele trabalho e logo se deu em Lisboa, na Feira Internacional, à Junqueira, a FILGRÁFICA um grande certame internacional de Artes Gráficas, a que a empresa BERRAND & IRMÃOS, como grande empresa que era, tal como se afirmara no panorama nacional e tentando expandir-se internacionalmente, não se podia alhear.
Concorreu com o seu Pavilhão e nele dispunha de uma equipa, composta de uma senhora que agenciara, um homem de vendas e outro dos CONTACTOS, a dupla comercial era revezada diariamente, como era óbvio.
Logo num dos primeiros dias, foi a vez do João Moisés a quem calhou, como companheiro o Rodrigo (que veio a revelar-se fadista de nomeada), teve a oportunidade de ouvir bastante das suas aventuras, ficando a conhecer logo a sua fascinante personalidade humanística.
Seguiram-se inúmeros e variados trabalhos, como facilmente se pode calcular: Uma das entidades que primeiro chegou com obras ao cuidado de João Moisés foi Selecções do Reader’s Digest. Manuel Bertrand, um dos Directores de vendas, veio-lhe apresentar João Bruno, da produção daquela empresa. Seguiram outras como Palirex, a Íbis, a Meridiano, a Aster, a Francisco Franco, a Férin, a Início, a Galeria Panorama, a Branco e Negro e outras, quase todas desaparecidas na voragem dos tempos.
Muita gente de nomeada foi conhecida ali e não obstante os anos passados, alguns amigos do tempo perduram, não só colegas de trabalho, como propriamente outros que representavam clientes.
As boas memórias, os livros autografados, obras interessantes manuseadas e guardadas, são testemunho importante de como chegou a disfrutar de um ambiente de trabalho de excepção.
Embora a administração tenha criado condições sociais invulgares para os operários, como por exemplo a duplicação de subsídio para os filhos, aqueles tinham sempre de, na portaria mostrar as pastas, que normalmente serviam para transportar a refeição, ou roupas apropriadas para a laboração.
Sobre trabalhos e evolução dos mesmos, reparos haveria a fazer, porque naquele ano de 1968, entravam ali operários a mais e mesmo assim, faziam-se muitas horas extraordinárias, que tinham de se considerar fora de necessidade, o que já era recorrente no meio gráfico.
Os próprios chefes pactuavam com a situação, porque estando isentos de horário, abandonavam funções a horas laborais certas, senão mesmo antes, sem nunca curarem de deixar alguém responsável, nem cobravam a ineficácia, no dia seguinte. Parecia agradar-lhe a situação, que na maioria dos casos funcionaria, como dado adquirido.
Quem trabalhava, de perto com os clientes sofria com tal desiderato, queixar-se seria perda de tempo, porque parecia descurar-se a manutenção do posto de trabalho, mesmo naquele tempo, ao invés de o estar a transformar mais próprio para um asilado.
O que devia ser considerado um meio altamente social a preservar, por todos os meios, como o deve observar-se em qualquer empresa.
Apesar de tudo, continuava a correr de feição no sector administrativo intermédio.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

domingo, 10 de agosto de 2008

POEMA SENHORA DA BOA VIAGEM

SENHORA DA BOA VIAGEM

Na varanda marquei Peniche e Berlenga
Posso parecer tolinho alucinado
Explico, haverá quem entenda
Se o vento sopra do norte
Olha-se a ilha levanta-se a tenda
Não chove, vê-se longe a Berlenga
No campo semeia-se o trigo
A ausência de chuva não será lenda
Do rural campo vem o pão
Do mar da vila o peixe
Depois vem o Verão
Todos em festa agradecem a Deus
Da Senhora da Boa Viagem a intercessão
Junto ao mar, no Alto da Vela
Ali à beira o gozo e a diversão
Festa e folia, pois então
No alto mar passará a procissão
Nos barcos, muitos vamos entrar
Fazer a viagem de adoração
Olhem-nos todos engalanados!...
Flâmulas e miríades de luzes
Nas águas reflectem um vistão
Seguem perfilados, passando o Carvoeiro
A meio percurso da Berlenga
Viram, como apontassem à Consolação
Num segue o andor com a Senhora
Ali vai Soberana, como protectora
Num outro a banda, tocando
Fazendo solene a ocasião
Já no cais a apoteose, com grande animação
Fogo de vista aquático e a emoção
Embevecida a Senhora da Boa Viagem
Também preside e pensará:
Adora-me este povão!...

Daniel Costa

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

LISBOA CAFÉ - 10

RUA DO SÉCULO

Apesar de tudo, o João Moisés mostrando, em muitas ocasiões o seu desagrado, foi descendo a longa artéria a que o Século, jornal de boas recordações, deu nome.
Enquanto ia respondendo a anúncios de emprego, em que se especializara outro matutino, o Diário de Notícias, que já saíra do Bairro Alto, deixando também a grandeza do seu título a denominar a respectiva Rua.
Uma vez que também agora havia uma acalmia no trabalho, talvez em virtude de as obras em tipografia, estarem aos poucos a declinar, por causa do avanço do offset, que dispensava zincogravuras e ainda porque o jornal A Capital, se foi instalar em edifício próprio, constituindo oficina, as horas extra deixaram de existir. Por outro lado o João já não tinha de perder tempo com ideias namoradeiras, tratou de cumprir um velho sonho, ter uma segunda ocupação, aquilo que se denominava um biscate.
Seguindo a sua intuição, tornou-se agente de seguros de vida, para uma companhia estrangeira. Tendo conseguido algum êxito, depressa passou a receber informações respeitantes a possíveis segurados, para trabalhar, do que ia tirando resultados, porque havia regular formação específica e sendo caso disso chegava-se a um acompanhamento por peritos.
Com a evolução produtiva, o responsável do núcleo tinha autonomia de fazer subir ao escalão do interessante factor comissões, afinal o sistema de remunerações, o que era estimulante. Estava a ser atractiva a actividade, por proporcionar mais contactos e a entrada num outro mundo sociológico.
No seguimento desse campo de acção, deu-se início a um novo tipo promocional, o de convites, para a presença em jantares com os próprios administradores, onde se podiam, em conversas, versar todos os assuntos e também seguros de vida. Normalmente terminava-se num “Pub”, onde uma bebida era o culminar de uma agradável sensação do dever cumprido.
Pode-se concluir um grupo de pessoas de profissões distintas, assim como de interesses pessoais diversificados. Num desses encontros um elemento mostrou cultivar o estudo da personagem, pela leitura das linhas da palma da mão.
Fazia-o apenas na perspectiva do entretenimento, João Moisés, afinal só acreditando no positivo mental, nunca deixava escapar qualquer ocasião que se lhe deparasse entrar na área do exotérico, dando a mão ao estudo do colega, teve a “revelação” de que trilhava um caminho de sucesso mas, nesse campo, as respostas a questões eram sempre inconclusivas, pelo que achou esse mas, a palavra adequada, para um final certo da conversa.
Não sendo crente, nem de longe das teorias, como cartomancia ou outras leituras, signos, etc. todas estavam no seu rol de bruxedos, nunca deixava de observar, nesse sentido, tudo o que lhe viesse estivesse à mão, como por exemplo o pesar-se naquelas balanças, que se encontravam das estações de comboios ou do metropolitano. Davam o peso de cada individuo, julgo que impresso no momento, num cartãozinho, rectangular com a efígie de um artista de cinema, em voga, no mesmo aparecia pré impressa uma sina, que mesmo sabendo-se aleatória, lhe merecia um estudo cuidado.
Tudo isto era visto com uma ideia contrária, tal como considerava o negativismo como uma vertente da fragilidade humana.
Todos estes pormenores traziam motivação superior, como se pretendia. Efectivamente os tempos livres eram preenchidos com anotações em fichas e outros impressos, que podiam vir a interessar na conversão de novos segurados.
Havia trabalho em permanência, como visitas aprazadas ou não, em horário pós laboral, inclusivamente em dias de Domingo.
Uma dessas saídas, para vários encontros, deu-se na Amadora e depois em Queluz, sendo regresso a casa feito a pé mais uma vez recordando e vivendo a ainda recente travessia pela Calçada do Monte.
Fora feita a longa viagem, sem custos entre Queluz e Benfica, depois de uma tarde bem preenchida, procurando a situação posicional de alguns arruamentos das duas vizinhas localidades de Lisboa.
O jornal A Capital, talvez positiva e prevista a evolução, deixou a Rua do Século, as zincogravuras para o mesmo passaram executadas em oficinas próprias, mas tinha chegado à facturação um trabalho acrescido, com a designação de Imposto de Transacções.
Na verdade, o então novo I. T. poder ser mencionado pelas letras do princípio, só por si era uma inovação, porque no tempo de Estado Novo, as abreviaturas eram tidas como perigos, dado que podiam muito bem ser iniciais de palavras “subversivas”.
João Moisés ia ficando por dentro do processamento do novo imposto. Na verdade o mesmo parecia uma aterradora nulidade, porque bastava entrar um impresso timbrado da firma e a guia de remessa do material expedido, levava apenas a menção do número atribuído ao contribuinte.
Pressupunha-se que o pagamento seria atribuído à firma que distribuía o produto acabado, mas sempre ficava a impressão de que o número na guia, depois na factura mensal, servia falcatruas.
Desde que o Martinho era o novo caixa, apesar de bom amigo, algo conjugado com os últimos acontecimentos lhe segredava que o Sertório, pelo contrário, não podia ser colega merecedor de confiança.
O desconfortável da situação, em conjunto com a notável irrequietude e desejo de voltar a subir na carreira, uma vez que podia acrescentar ao curriculum a valorização dos conhecimentos no tratamento do novo imposto, levava-o a idealizar novo emprego.
O patrão Francisco Bento, continuava a demonstrar-lhe grande estima, ao ponto de o levar a visitar o que viriam a ser as novas dependências do escritório, no que pensava interessante para o empregado de confiança.
Até gostou, tendo em conta ser o mesmo edifício, a antiga capela das Mercês que o proprietário, talvez a coberto de albergar uma esquadra de polícia, ia fazendo melhoramentos sem o risco de um credenciado arquitecto. Transformando-a na maravilha citadina dos mamarrachos.
Teria entrada na Rua do Século, onde ainda por alguns anos funcionou o grupo que editava o jornal que lhe dera nome.
Mesmo gostando do que lhe era dado ver e ficando eternamente grato ao senhor Bento, pensava consigo não chegar a trabalhar aí, o que aconteceu na realidade.
Iniciou logo em Maio as curtas férias a que tinha direito e foram essas, que lhe deram o ansiado tempo de ponderação e procura de novo trabalho.
Logo no mês seguinte, deixando ao seu sucessor, todos os assuntos na devida ordem, para o que trabalhou até ao último minuto, podendo ficar assim com gratas recordações e dizer adeus à longa Travessa das Mercês e ao mesmo edifício onde existiu a capela que, possivelmente lhe terá dado o nome.
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Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

terça-feira, 5 de agosto de 2008

AMAR O MUNDO

PENSAMENTO

Um homem que não é vulgar pensa nos outros,
Como não é vulgar ama a humanidade!...

Daniel Costa

domingo, 3 de agosto de 2008

LISBOA CAFÉ - 9

O PARAÍSO DE BENFICA

Depois de João Moisés encontrar as condições económicas de entrar num clube mais avançado, o dos casados, que desde miúdo pensava ser o paraíso do Planeta Terra, o supremo eterno do mundo, visto que era o início de uma vida comum a dois, que mais tarde seria alargada e a dar-se uma separação só por interferência da irmã morte poderia acontecer.
Para o cumprimento perante Deus e os homens, a famosa igreja das Mercês sob o ministério do coadjutor do velho pároco, o Padre Marques Soares, deu-se a cerimónia religiosa do enlace.
Depois do longo, grandioso e tido como inevitável “buffet”, o casal viu-se, finalmente, a sós pela primeira vez.
Depois do transcendente acontecimento, a morada passou a ser nova, não muito longe do saudoso Café Paraíso de Benfica, talvez o mais antigo do Bairro e o último, do género, da Lisboa antiga.
Era bom presságio, para início de uma nova vida, tanto mais que se estava ali a desenvolver uma outra Lisboa, com um grande aglomerado de casas, tendo como base a Avenida do Uruguai e a então Estrada Poço do Chão, incluindo o que se veio depois a baptizar por Praça Artur Portela.
Acontece que a capital desse tempo, com a sua intrínseca grandeza, era em tudo uma sombra, a ponto de mesmo um faustoso lance matrimonial, não dar direito a mais de oito dias de férias, findas as quais João Moisés compareceu, obviamente, ao dever do serviço, não sem antes lhe vir à lembrança os tempos do Bairro da Graça, Aquela histórica casa onde deixou de viver e conviver, sobretudo do aparelho de telefone que a equipava.
Era composto por um mealheiro onde entrando, sob pressão, uma daquelas moedas de alpaca do valor de cinquenta centavos funcionava.
O sistema tinha a ver com a movimentação da casa e porque a economia do tempo obrigava a que fosse garantido o pagamento por quem utilizasse o serviço. No entanto em Benfica dispunha do seu telefone sem o incómodo do dispositivo.
Acabaram as caminhadas da Graça até ao posto de trabalho. Dali em diante, o paraíso de Benfica tornou-se, à ida para o escritório, ponto de partida para os muitos carros de tracção eléctrica que então serviam a freguesia, em acelerado povoamento. Como se isso não bastasse, relativamente perto desenvolvia-se a Brandoa na clandestinidade, cujos habitantes também ficavam sujeitos aquela estação para alancar o trabalho.
A azáfama de apanhar transportes, por toda a gente, começava logo pelas sete da manhã e as ruas que desembocavam próximo da igreja, onde quase na frente existia a estação e se iniciava a partida transformam-se, em verdadeiros formigueiros humanos.
Não podia dizer-se que faltavam meios, o que havia era já muita gente dependente deles, que dispunham apenas de uma via, a Estrada de Benfica, que começava na Avenida Duque D’Ávila, junto ao Governo Militar de Lisboa, acabando nas Portas, onde se inicia a Avenida Elias Garcia, já fora da cidade.
Começava então de manhã a verdadeira aventura de chegar ao trabalho, à hora nona ou antes, cuja abertura também fazia parte das obrigações de João Moisés.
Logo no primeiro Inverno, por sinal rigoroso, naturalmente por imperativos camarários, ou outros, uma vala foi aberta por toda a Estrada, então era ver carros eléctricos a preencher toda a via, em vários quilómetros de distância até à estação do metropolitano em Sete Rios, onde muitos mudavam de rota, para a baixa da cidade, por meio daquele rápido meio de transporte.
Os transportes eléctricos, uns iam da estação de Benfica à Praça do Chile, para outros só terminava a linha na Praça Duque da Terceira, vulgo Cais do Sodré. Era neste últimos que, diariamente viajava João Moisés, verdadeira aventura!
Embarcava na origem até ao apeadeiro do Príncipe Real, depois descia a pé toda a Rua do Século, onde na última, imediatamente à Esquerda, iniciava o seu dia laboral.
Recordando, em síntese, a comprida e aventurosa viagem diária num daqueles carros movidos a electricidade, por carris. de ferro, convém não deixar em claro a tentativa de reconstituição da sua rota:
- Partia da estação, seguia em linha recta, com volta por uma quinta abandonada, onde se encontra o Centro Comercial Fonte Nova, até Sete Rios, aí fazia a curva á direita, continuando pela Estrada de Benfica, passava ao Instituto de Oncologia em Palhavã, Praça de Espanha, junto aos jardins da Gulbenkian, atravessava a Duque D’Ávila e andava à volta de três partes do edifício do Quartel do Governo Militar de Lisboa, voltando à mesma Avenida, que percorria até Campolide, depois rumava à esquerda, para fazer a Rua descendente até atravessar a Avenida Joaquim António de Águia, dando às Amoreiras, que descia até ao Largo do Rato, onde passava até voltar à Rua da Escola Politécnica.
Finalmente a paragem, a que muito boa gente chamava o Jardim da Patriarcal.
Depois com aparente calma, descia a pé, toda a Rua do Século.
Há!... O trabalho já estava também a desencantar João Moisés, porque entretanto, como tantas visitas, o Sertório acabou por reentrar com a aquiescência dele próprio, visto o rapaz já ter sentido na pele, a situação de despedido do trabalho, depois porque não deixaria de ser bom rapaz e viria a ser bom ajudante. Verificado depois o mau carácter do novo ajudante, além de lhe falar um mínimo de conhecimentos, que deveria ter adquirido durante o tempo que ali trabalhara. Era só jeitoso a criar outras formas de poder esgueirar-se ao serviço que lhe competia.
Apesar de já ter sido despedido compulsivamente, por interferência do Moura Jorge, depressa se conotou com este, contando com a insensata colaboração do cobrador, elemento com muito jeito para intriga.
Tudo programado, baseado no visível derriço da Inglesa, João Moisés depressa se apercebera ser o visado. Com base em denúncias forjadas. Da amizade do chefe de alguns anos, este passara também a tratar com ele apenas os indispensáveis assuntos de trabalho.
Naturalmente, também a mulher da Grã-Bretanha lhe dera a volta à cabeça, pelo que com um despedimento, com o valor da consequente indemnização viria a calhar.
Assim aconteceu! Numa manhã, sem nada fazer prever uma tal iminência, o Moura Jorge deu em querer tirar esforço, dento do próprio escritório sob alguns olhares atónitos, do próprio João Moisés o que este, evidentemente, não consentiu. Dera-se quase simultaneamente a entrada do Guarda-Livros e sem qualquer consulta, sucedeu-se de imediato e desejado despedimento.
Podia ser considerado por justa causa, mas tudo ficou logo facilitado, foi atribuído em jeito de prémio, pelo acto de pura mesquinhez, uma quantia de vente e três mil escudos compensatórios, que à época podia considerar-se quantia elevada.
O gosto pelo trabalho, da parte de João Moisés não se alterou, embora lhe fosse logo atribuída a chefia, com a mesma remuneração, factor de evidente equação, mas de nenhum significado.
Em todo o processo o novo chefe, nunca foi ouvido e considerou ter havido muito de trama, seguida de injustiça. A haver despedimentos, pelo menos três elementos deviam ter entrada no pacote: O Moura Jorge, o cobrador e o novo ajudante.
Alguém não deixou de considerar esses factores, nunca se conformando com eles, além de ter continuado a contar com o reconhecimento inequívoco do gerente principal, de imediato iniciou a tarefa de tentar mudar de entidade patronal, deixar aquele edifício, onde em tempos muito recuados, esteve implantada a Capela das Mercês, e que o seu proprietário, tão mal, o ia transformando aos poucos, sem qualquer conceito de ordem estética.
Teria sido a mesma que dera nome aquele grande arruamento do famoso Bairro Alto, designado por Travessa das Mercês.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

POEMA MALDADE

MALDADE

“Quem mal não usa
Mal não cuida”
Diz o povo e muito bem
Ninguém ganha com a maldade
Essa falta de sanidade
Risível a maldade
Esse flagelo atravessa a sociedade
Havendo optimismo
Aprende-se sempre com o negativismo
Se ele existe fora o pessimismo
Aparece maldade
De quando em vez
Fica a sensação
Alguém não está sendo são
Aprende-se a lição
Diz-se não sou eu não
Aprende-se fica o favor
Assobia-se prazenteiro
Como se descesse a rua
Na sonhadora madrugada
Procurando um bem
Afinal arredio
A andar muito mais além
Feliz de quem o detém
Amem


Daniel Costa