RUA DO SÉCULO
Apesar de tudo, o João Moisés mostrando, em muitas ocasiões o seu desagrado, foi descendo a longa artéria a que o Século, jornal de boas recordações, deu nome.
Enquanto ia respondendo a anúncios de emprego, em que se especializara outro matutino, o Diário de Notícias, que já saíra do Bairro Alto, deixando também a grandeza do seu título a denominar a respectiva Rua.
Uma vez que também agora havia uma acalmia no trabalho, talvez em virtude de as obras em tipografia, estarem aos poucos a declinar, por causa do avanço do offset, que dispensava zincogravuras e ainda porque o jornal A Capital, se foi instalar em edifício próprio, constituindo oficina, as horas extra deixaram de existir. Por outro lado o João já não tinha de perder tempo com ideias namoradeiras, tratou de cumprir um velho sonho, ter uma segunda ocupação, aquilo que se denominava um biscate.
Seguindo a sua intuição, tornou-se agente de seguros de vida, para uma companhia estrangeira. Tendo conseguido algum êxito, depressa passou a receber informações respeitantes a possíveis segurados, para trabalhar, do que ia tirando resultados, porque havia regular formação específica e sendo caso disso chegava-se a um acompanhamento por peritos.
Com a evolução produtiva, o responsável do núcleo tinha autonomia de fazer subir ao escalão do interessante factor comissões, afinal o sistema de remunerações, o que era estimulante. Estava a ser atractiva a actividade, por proporcionar mais contactos e a entrada num outro mundo sociológico.
No seguimento desse campo de acção, deu-se início a um novo tipo promocional, o de convites, para a presença em jantares com os próprios administradores, onde se podiam, em conversas, versar todos os assuntos e também seguros de vida. Normalmente terminava-se num “Pub”, onde uma bebida era o culminar de uma agradável sensação do dever cumprido.
Pode-se concluir um grupo de pessoas de profissões distintas, assim como de interesses pessoais diversificados. Num desses encontros um elemento mostrou cultivar o estudo da personagem, pela leitura das linhas da palma da mão.
Fazia-o apenas na perspectiva do entretenimento, João Moisés, afinal só acreditando no positivo mental, nunca deixava escapar qualquer ocasião que se lhe deparasse entrar na área do exotérico, dando a mão ao estudo do colega, teve a “revelação” de que trilhava um caminho de sucesso mas, nesse campo, as respostas a questões eram sempre inconclusivas, pelo que achou esse mas, a palavra adequada, para um final certo da conversa.
Não sendo crente, nem de longe das teorias, como cartomancia ou outras leituras, signos, etc. todas estavam no seu rol de bruxedos, nunca deixava de observar, nesse sentido, tudo o que lhe viesse estivesse à mão, como por exemplo o pesar-se naquelas balanças, que se encontravam das estações de comboios ou do metropolitano. Davam o peso de cada individuo, julgo que impresso no momento, num cartãozinho, rectangular com a efígie de um artista de cinema, em voga, no mesmo aparecia pré impressa uma sina, que mesmo sabendo-se aleatória, lhe merecia um estudo cuidado.
Tudo isto era visto com uma ideia contrária, tal como considerava o negativismo como uma vertente da fragilidade humana.
Todos estes pormenores traziam motivação superior, como se pretendia. Efectivamente os tempos livres eram preenchidos com anotações em fichas e outros impressos, que podiam vir a interessar na conversão de novos segurados.
Havia trabalho em permanência, como visitas aprazadas ou não, em horário pós laboral, inclusivamente em dias de Domingo.
Uma dessas saídas, para vários encontros, deu-se na Amadora e depois em Queluz, sendo regresso a casa feito a pé mais uma vez recordando e vivendo a ainda recente travessia pela Calçada do Monte.
Fora feita a longa viagem, sem custos entre Queluz e Benfica, depois de uma tarde bem preenchida, procurando a situação posicional de alguns arruamentos das duas vizinhas localidades de Lisboa.
O jornal A Capital, talvez positiva e prevista a evolução, deixou a Rua do Século, as zincogravuras para o mesmo passaram executadas em oficinas próprias, mas tinha chegado à facturação um trabalho acrescido, com a designação de Imposto de Transacções.
Na verdade, o então novo I. T. poder ser mencionado pelas letras do princípio, só por si era uma inovação, porque no tempo de Estado Novo, as abreviaturas eram tidas como perigos, dado que podiam muito bem ser iniciais de palavras “subversivas”.
João Moisés ia ficando por dentro do processamento do novo imposto. Na verdade o mesmo parecia uma aterradora nulidade, porque bastava entrar um impresso timbrado da firma e a guia de remessa do material expedido, levava apenas a menção do número atribuído ao contribuinte.
Pressupunha-se que o pagamento seria atribuído à firma que distribuía o produto acabado, mas sempre ficava a impressão de que o número na guia, depois na factura mensal, servia falcatruas.
Desde que o Martinho era o novo caixa, apesar de bom amigo, algo conjugado com os últimos acontecimentos lhe segredava que o Sertório, pelo contrário, não podia ser colega merecedor de confiança.
O desconfortável da situação, em conjunto com a notável irrequietude e desejo de voltar a subir na carreira, uma vez que podia acrescentar ao curriculum a valorização dos conhecimentos no tratamento do novo imposto, levava-o a idealizar novo emprego.
O patrão Francisco Bento, continuava a demonstrar-lhe grande estima, ao ponto de o levar a visitar o que viriam a ser as novas dependências do escritório, no que pensava interessante para o empregado de confiança.
Até gostou, tendo em conta ser o mesmo edifício, a antiga capela das Mercês que o proprietário, talvez a coberto de albergar uma esquadra de polícia, ia fazendo melhoramentos sem o risco de um credenciado arquitecto. Transformando-a na maravilha citadina dos mamarrachos.
Teria entrada na Rua do Século, onde ainda por alguns anos funcionou o grupo que editava o jornal que lhe dera nome.
Mesmo gostando do que lhe era dado ver e ficando eternamente grato ao senhor Bento, pensava consigo não chegar a trabalhar aí, o que aconteceu na realidade.
Iniciou logo em Maio as curtas férias a que tinha direito e foram essas, que lhe deram o ansiado tempo de ponderação e procura de novo trabalho.
Logo no mês seguinte, deixando ao seu sucessor, todos os assuntos na devida ordem, para o que trabalhou até ao último minuto, podendo ficar assim com gratas recordações e dizer adeus à longa Travessa das Mercês e ao mesmo edifício onde existiu a capela que, possivelmente lhe terá dado o nome.
.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA
quinta-feira, 7 de agosto de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
33 comentários:
oimeu ilustre amigo Daniel.
muito obrigado por suas palavras tão carinhosas em meu cantinho.
Volte sempre.
Desejo uma boa semanan com muita paz e amor em seu coração.
Belo e variado seu blog.
parabéns amigo.
Fique na paz.
sua amiga do lado de cá.
Regina Coeli.
Olá Daniel:
Um texto de quem sente e entende a vida. A ironia que o percorre dá-lhe mais colorido ainda.
Volte sempre que é um prazer recebê-lo.
:))
*
e a saga contiua,
,
parabens, amigo
.
abç,
*
É sempre uma prazer passar por aqui...beber as palavras com que conta histórias de vidas
bom fim de semana
beijos
Minha vista está toda embaralhada de ler o seu texto, aliás muito bom. meu amigo confuso quanto à autoria dos meus poemas...
Postei sobre um filme de que vc vai gostar. Apareça aqui:
wwwrenatacordeiro.blogspot.com
não há ponto depois de www
Um abraço,
Renata
Olá Daniel,
Parabéns pelo texto, tua escrita sempre me encanta. Tens livros publicados?
Fiz um desenho novo, quando puder apareça.
Beijos,
Cris
Um dia ainda vou à Lisboa.
Um ótimo final de semana pra vc.
Beijo
Este joão, heim? Era muito esperto! Vendia seguro de vida e ia comemorar num pub rsrsrs.
Ótima narrativa, como de hábito.
Lindo fim de semana, Daniel!
Beijo!
Oi Daniel,
Sempre escrevendo muito bem seja suas narrativas seja seus poemas.
Um beijo
Primeira visita!
Interessante seu blog, textos...
Bom fim de semana.
beijooo.
Parabéns pelas belas palavras.
João Moisés foi um homem que soube conjugar trabalho com o prazer de crescer emocionalmente, adquiriu valores atraves da sua flexibilidade em adpatar-se em diferentes situacoes!
Um beijo doce
Os cafés....um pouco esquecidos agora??? Histórias interessantes que havia nesses cafés de outrora....
Texto poderoso...
Obrigada pela visita...
Beijos e abraços
Marta
P.S.: Quer dar-me dica relativamente a um novo poeta?
continua a epopeia da vida do "seu" João Moisés, muito expedito, por sinal...gostei particularmente desta faceta responsável
"...procura de novo trabalho.
Logo no mês seguinte, deixando ao seu sucessor, todos os assuntos na devida ordem, para o que trabalhou até ao último minuto, podendo ficar assim com gratas recordações e dizer adeus..."
bom fim-de-semana
um grande sorriso :)
Oi Daniel. É muito legal o modo como escreve e descreve a vida da sua Lisboa Café.
Lindo!
Bom domingo para você.
Beijos mil! :-)
Amigo querido
Passei para desejar-te uma noite feliz e deixar-te cá um montão de beijinhos.
Abraços amigos
Que vc tenha um bom domigo
Iana!!!
Regina Coeli
Amiga espero também ver-te mais vezes, sempre prazer.
E é prazer agradar, porque afinal o meu desejo é partilhar.
Obrigado, do amigo de cá.
Daniel
Medsol
Esta era a vida de um rural com pouco tempo de vida feita na capital. Procurei a minha realidade, com certa emoção ao recordar, cenas que não faziam parte.
Daniel
Poetaeusou
Tou indo nessa!...
Obrigado.
Abraço,
Daniel
Carla
Como o meu desejo é o de patilhar, é um gosto ver os amigos.
Beijos
Daniel
Renata
Não é muito hábito enganar-me na autoria dos textos, mesmo os que são assinados com pseudónimos, ou não estão assinados. Alguns claro!... O engraçado é que tinha a noção da tua autoria, alguma coisa me fez virar, o certo é que tinha estranhado.
Acompanhei o guião. Gosto da meneira com conduzes o "espectador".
Um abraço,
Daniel
Cris
Sabes o quanto me encanta o trabalhos, que postas!...
Não é deformação profissional, mas a qualidade das ilustrações fazeram parte da apreciação dos trabalhos, de todos os tipos de impressão.
A meu trabalho, demasiado absorvente, até certa altura, será a causa de não ter livros publicados. Este "Lisboa Café, será o segundo a propôr, acabei-o agora e já lhe a dar uma revisão, com o fim de transformar em livro, Veremos!...
O primeiro antecedeu este, estã aqui postado, chama-se: "Esquadrão 297 em Angola", está em serviços editoriais, à espera de ser apreciado.
Ah, mas tenho muitos trabalhos jornalísticos publicados.
Beijos
Daniel
Mariana
Diz-se que, "quem não viu Lisboa, não viu coisa boa".
Por agora, vais tendo um cheirinho!...
Beijinho,
Daniel
Desnuda
Não diria esperto, mais observador, além de que não descurava oportunidades.
Outros tempos, em que o João, vivia muito!... Com o prazer de sempre.
Beijo,
Daniel
Bandys
Obrigado!... És a bondade e trazes ambiente de camaradagm!...
Beijo,
Daniel
Pelos Caminhos da Vida
Vai passando, agradeço e procurarei não desiludir.
Beijooo,
Daniel
Vanessa
Obrigado!... Volta sempre!...
Daniel
Naela
Sim João Moisés, foi sempre de índole modesta, mas de facto, soube ter flexibilidade, acima da média, que à época achava normalíssima, mas efectivamente, não o era.
Trabalhou exemplaremente e viveu com gosto!
Beijo adocicado, com cheiro a vida.
Daniel
Marta
Estavam a acabar os grandes cafés, como por exemplo o "Lisboa", que já entrara na tradição dos frequentadores do Parque Mayer e bares limitrofes.
Obrigado eu!
Abraços e beijos,
Daniel
Á margem: Não sei se já te ocupaste dele mas, José Régio.
Mariam
O João Moisés, nunca se deu o valorque realmente tinha, prova-o a subida vertiginosa, que conheceu, diria sem precedentes, na capital. Se se reparar da linha de partida! Tinha por força de ser jeitoso.
Podia dizer: "Cheguei, vi e venci"!...
Sempre soube sorrir e viveu trabalhando.
O mesmo sorriso, que faço questão de deixar.
Daniel
Sorriso
Não será bem o "Lisboa Café" a obra prima, esa terá sido mais a vivência de quem escreveu.
Devo um obrigado e retribuo os mil beijos, mas têm de ser virtuais. Ja viste o que é gastar mil beijos? Hehehe!
Daniel
Iana
Desejaste e aconteceu, desejo para ti a continuação do óptimimmo. Julgo que eu és optimista, condição essencial, para se lutar e estar bem connosco. Digo isto porque possivelmente devo a vida (estar vivo) e esse tal de optimismo.
Beijinhos e muita consideração!
Daniel
Olá, gostava de ter a tua opinião relativa ao poeta que escolhi para abrir os posts da semana.
José Régio: sim, já me ocupei dele, mas obrigada pela dica...
Beijos e abraços
Marta
Enviar um comentário