quarta-feira, 15 de outubro de 2008

LISBOA CAFÉ - 20

A ÚLTIMA FÁBRICA
DE CARTAS DE JOGAR

O João Moisés teria o raro privilégio de contar naquele outro posto de trabalho, no seio de impressoras gráficas, a estadia na última fábrica de cartas de jogar a par, da impressão em folhas de flandres. No fundo só não ficaria a conhecer, por dentro, o processo de impressão em flexografia.
Sabia apenas tratar-se do único meio onde se empregava a cor do branco, já que nas restantes essa era a do próprio papel.
Não havia encomendas de baralhos de cartas, viriam todos já do estrangeiro, por serem de preço mais acessível devido talvez, à utilização de uma cartolina altamente resistente, enquanto muito flexível, sempre importada de países como a Inglaterra.
Ali estava o pintor João Nascimento, a funcionar como director industrial, cuja flexibilidade na criação de pintura era inegável, a inventar motivos gráficos para cartas, que iam servir de brindes publicitários.
Criou vários, naturalmente adequados ao produto a que se destinavam prestigiar publicitariamente.
A destacar por exemplo, um baralho de cartas para a prestigiada papeleira Sarrió: uma árvore estilizada e projectada, num fundo cinzento, a preto dando a impressão de a mesma estar espelhada em água, aparecendo com prendas dependuradas que são, nem mais nem menos o que o logótipo da firma.
Para as cartas era utilizada uma cartolina corrente, fornecida pela própria Sarrió. Na carta ÁS de espadas estavam sempre presentes as letras Viúva J.J. Nunes & Cª. Lda, aposto também por debaixo desse mesmo valor.
A vertente policial, mas de observação de certas pequenas corrupções, continuava sempre presente no espírito, vive e deixa viver de João Moisés, que no fundo o levavam a parecer inofensivo e a observar com espanto, muitos tipos humanos, bizarrias! Ficavam apenas na conta de bizarrias. No fundo tudo assuntos que só eram possíveis numa cidade como Lisboa, porque na sua diferença abismal da aldeia era suficientemente evoluída, para se detectarem certos comportamentos de fazer pena.
Era uma maneira de tirar dividendos, como as tentativas de Donitz nomeado por Hitler ao alto cargo de comandante, lugar a que se tinha feito demonstrando a mediocridade de pensamento ao preparar-se para negociar, com honra uma rendição condigna do terceiro Reich, com os altos comandos Aliados, que numa última e avassaladora batalha estavam já às portas de Berlim.
Sendo muito tardiamente, só restava ao grande Império, projectado para mil anos, depor armas e sem mais aceitar o que, aceitar todas as imposições – ai dos vencidos!
Com este pensamento foi alertado, na vertente de tratar de vários assuntos de pessoal, por algo parecido, também caricato, a tomada de um privilégio sem sentido:
- Um refeitório. O facto não passava de uma perigosa bizarria, que acabou por ser sanada.
Como era possível a casa de banho da oficina de uma empresa em funcionamento, à hora do almoço, virar refeitório privado?
Quando se tratava de entregar alguma obra, lá ia o João Moisés, que tinha optado por deixar estacionado à porta de casa o seu novinho Ford Escort, em virtude do uso nesses trabalhos ser um facto sem contrapartidas.
Havia dois carros, um conduzido pelo patrão, um Ctroen, daqueles conhecidos como “boca de sapo”, o outro pela patroa, um Ford Cortina. Era dada a liberdade para escolher entre um e outro, como não gostasse de conduzir o da marca francesa, a opção passara a estar tomada.
Em altura que o trânsito fluía em Lisboa, comandado por polícias postados nos cruzamentos mais importantes, fazendo a sua sinalética manual em cima de peanhas, com capacetes altos, imaculadamente brancos e por isso carinhosamente apelidados e conhecidos por cabeças de giz.
No entanto observava-se, ao mandarem avançar ou parar o trânsito, um Cortina velho ser privilegiado em relação a um Escort novo.
O João Moisés deliciava-se com a experiência dessa observação, afinal estava apenas na diferença de custo de cerca de quatro contos no stand, Cortina era de patrão, ainda que o condutor fosse o mesmo!
Das coisas agradáveis foi o ter atendido o actor Rui Mendes, que ao serviço do seu Teatro Aberto, tratou de mandar imprimir um cartaz a anunciar uma nova peça.
Um dia o patrão incumbiu João Moisés de lhe comprar um maço de cigarros no supermercado Pão de Açúcar, nascido recentemente no lado esquerdo. Um encolher de ombros, o habitual esgar de riso interior e mais uma missão cumprida!
Então o patrão não podia deitar a mão a trabalhador menos qualificado?
Bizarria, mais uma das bizarrias, observadas com um atónito prazer – tudo por conta do conhecimento de tipos e comportamentos humanos estranhos!
Decididamente a “Viúva”, só servia como uma outra estação de vida e mais nada, se espremida, Homens e mulheres, em gráfica e um atraso abissal demonstrado! Com tão pouca preparação, a todos os níveis humanos, a empresa tinha de se afundar, cada vez mais!
Em conversa com uma colega desenhadora, o desabafo de João Moisés:
- Aqui todos os funcionários, como eu e a senhora, não passam de uns reles desiludidos! Estamos aqui apenas por engano e de passagem, à espera que novos ventos surjam!...
- Resposta lacónica: - já tinha reparado de facto em si, julgando-o dono de um pensamento e vida interior grandes!
Confortável!... Não se estar sozinho!
O ordenado já só chegava aos pingos, no mínimo até meio do mês seguinte. Subsídios por filhos, que ao tempo entravam e eram distribuídos pelas empresas, também acontecia desumanamente, andarem uns tempos desviados!
Não passaram muitos dias e num sinal de puro desprezo, por aquele tipo de patronato, por justa causa, João Moisés saiu, sem qualquer justificativa.
Tinha de acontecer a perda do ordenado do último mês.
Saiu a tempo, porque segundo veio a saber, logo foi declarada falência!
Todos os salários a ficarem por conta de ganhos e perdas!
Adeus “Viúva”!...

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

16 comentários:

RENATA CORDEIRO disse...

Daniel, meu querido:
Estou aqui para agradecer a força dada ontem e para lhe oferecer um POST DE PAZ.
Um beijo,
Renata

Laura disse...

Olá, cartas de jogar, jogatinas de criança com avós e tios, mais o avô que a avó tinha mais que fazer...era uma familia de 11 filhos mais os avós laurinha e Manuel, os criados da casa, os vizinhos e amigos dos filhos que ajudavam no cmapo...ahhh coisa boa e na nossa casa o pai e a mãe também jogavam ao burro, à bisca, ao sete e sei lá que mais...e sempre tivemos baralhos de cartas em casa...e ainda temos apesar de já nem jogarmos, os miudos são grandes e já nem ligam ao dominó, cartas, jogos de por na mesa e a familia participar, o monopólio..etc...
Sem oredenado, ah, pois...jinhos.

Bandys disse...

Oi Daniel,
Passando pra te dar um beijo...
dia 17 ja tiro a gesso,

Anónimo disse...

Daniel querido.

"(...)mais uma das bizarrias, observadas com um atónito prazer – tudo por conta do conhecimento de tipos e comportamentos humanos estranhos!"


O destino da Viúva arraigado à bizarrias...
Uma história repleta de causos, de desdobramentos relevantes, detalhes que nos são revelados por vc de forma intrigante e imagética... Histórias repletas de entropia e experiência de vida.


Um beijo, meu amigo!

Ana

poetaeusou . . . disse...

*
e a prosa-milagre,
continua e bem,
esta não sabia . . .
,
lembra-e de umas cartas
azuis de uma editora,
e que nem todas as casas
de arigos similares
as podiam vender . . .
,
abraço,
,
*

Iana disse...

Caro amigo Daniel

Como sabes adoro ler-te.... Parabéns, por esse texto...
(li tb mais dois apenas ñ comentei)

Amigo, que delícia estar aqui juntinho de ti neste seu cantinho especial....

É bom dividir o tempo contigo caro amigo...
Apenas tenho demorado em aparecer
mas sempre que posso cá estou para deixar-te o meu carinho sincero de amiga e visitar o amigo querido...

Beijos doce da amiga Rosa
Iana!!!

Iana disse...

Amado amigo Daniel
Obrigada por estar sempre juntinho de mim em meu jardim e me dando forças sempre...

Amizade são feitas de pedacinhos
pedacinhos de tempo que vivemos
com cada pessoa. Não importa a quantidade de tempo que passamos com cada amigo, mas a qualidade do tempo que vivemos com cada pesssoa.
Cinco minutos podem ter uma importância muito maior do que um dia inteiro.

Adoro a sua amizade e seber que faz parte do meu jardim é maaravilhoso... Beijos doce dessa Simples Rosa Amiga

Iana!!!

Vanuza Pantaleão disse...

Daniel, meu amigo D'Além Mar!
Nada se perdeu, seus dois comentários estão lá para o nosso deleite. E faço questão de te agradecer, de público, a sensatez das tuas observações.
Mas o João Moisés não dá uma dentro!Rssss. Que vida de idas e vindas desse moço! Mas é sempre assim, a sua linha naturalista de narrativa nos serve muito de exemplo e Grande Exemplo!
Obrigada por nos incentivares sempre!!!Bjssss

Vanuza Pantaleão disse...

Puxa, agora mesmo é que estou a ver navios!Rssss. Não entendi necas de pitibiriba...Tudo bem, tudo bem, não explique, já estou com trauma de querer entender Português!!!
Daniel, li seu artigo anterior lá sobre as problemáticas envolvendo Portugal-Espanha-Brasil e só faço uma pergunta: onde andará a solucionática?
Meu amigo, deixa a política pra lá, vamos tomar agua-pé!!!Bjsss

xistosa, josé torres disse...

Afinal o João Moisés era um grande jogador de "poker" e não fazia "bluff".
Saiu a tempo do jogo!

São disse...

Sem tempo para mais do que desejar feliz fim de semana.
Abraço.

Mariana disse...

Olá, estou só de passagem pra vc nunca me esquecer,rssss,,,,
Bom fim de semana!
Beijos meus, Mariana

Ana disse...

Crónica saborosa dum tempo passado...
Bem interessante, aliás.
É com certa nostalgia que se lêem aqui menções a algumas marcas antigas.
E fez-me recordar o sinaleiro Inácio, o "polícia bailarino"...

Abraço

Iana disse...

Daniel..

Que uma maravilhosa noite permita sonhar... se encantar... meu querido amigo...

Noite de Poesia...
De repente da noite fez-se poesia
Da palavra fez-se poema
Do poema uma canção

De repente do coração fez-se a liberdade
da liberdade fez-se o amor
E o amor fez-se a entrega

De repente da sílaba fez-se versos
Dos versos inspiração
Da inspiração abriu-se a alma
Que se entregou em novo momento
De poesia, vida e canção
(Vera Helena)

feliz fim de semana
sua amiga rosa
Iana!!!

xistosa, josé torres disse...

Passei para desejar um bom fim de semana.
Talvez não apareça.
Vou tentar tratar-me.
Um abração de amizade.

raananajabs disse...

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