sexta-feira, 10 de outubro de 2008

TEMPO DE ÁGUA-PÉ

ÁGUA-PÉ - O CHAMPANHE DO POVO
A água-pé é uma bebida feita de uvas, tal como o vinho, segundo me parece, mais utilizada na região centro de Portugal. Na Bufarda ainda considerada região saloia (circundante de Lisboa) dizia-se, com certa verdade, que era o verdadeiro champanhe do povo.
Talvez consiga evocar um pouco a bebida, já que ajudei a fabricá-la na adolescência. No fundo era um vinho mais fraco e sendo mais barato, era o que os patrões utilizavam para dar aos trabalhadores durante o dia, pelo menos no Inverno, porque depois ia torna-se menos convidativa.
Em Lisboa, pelo S. Martinho, toda a gente gostava (ou gosta) de comprar a sua água-pé, para acompanhar as castanhas em muitas casas, no tempo vendiam-na avulso. No entanto nunca me seduzia, porque lhe era atribuído o mesmo preço do vinho, por vezes mais, quando no fundo se adquiria pura e simplesmente um vinho misturado com água.
Também havia quem comprasse umas uvas, esmagando-as em casa num simples alguidar, em seguida deitava o líquido num recipiente próprio, acabava encher de água, deixava ferver e pronto... proclamava ter uma boa água-pé... pois até passava dos dez graus!...
Mas uma vez mais, vinho e água! Ora fazer vinho e depois deitar-lhe água, nunca dá água-pé de jeito, por muito forte que saia.
A verdadeira bebida, que toma a designação, não deve ser feita de vinho mas sim de uva. Procede-se assim: Espreme-se o pé feito do fruto da videira. Por cálculo, saindo o mosto para fazer o vinho. Desmancha-se o pé, espalhando-o por todo o lagar, deita-se a água e em seguida, pisa-se tudo e deixa-se a macerar por cerca de duas horas.
Então, abre-se a bica e enquanto vai escorrendo para o líquido para o tanque, ergue-se toda a massa debaixo da prensa e espreme-se tudo até ao fim.
É assim que resulta o tal “champanhe”.
Que me lembre, já o meu avô produzia uma água-pé de estalar e a do meu pai não lhe ficaria atrás, até parecia ter um gasoso, um sabor do outro mundo. Com piquinhos e tudo.
Estando com a mão na massa, convém dizer que o bagaço, ficando lavado, no fundo era disso que se tratava, já não dava para fazer aguardente bagaceira.
Também do mosto, fervido numa panela, resultava num néctar a que se dava o nome de arrobe, para utilizar na culinária.
Do mesmo também e podia fazer vinho abafado, chamado assim pelo facto de consistir na simplicidade, de não o deixar ferver, abafando-o com álcool vinícola. De imediato fica feita uma bebida melosa. No Oeste usava-se o método, com fins apenas de renovar a garrafeira da casa.
Diga-se que a venda da água-pé, ao público era e creio que ainda é proibida por lei. No tempo da outra "senhora", um dia ouvi pedir um café frio. Questionado o pai sobre o assunto, disse a razão ser simples: quando havia alguém desconhecido por perto pedia-se assim, para evitar complicações, o que era logo entendido.
Isto vem a propósito de ser este mês, o de ir tratando de produzir o apreciado néctar.

Daniel Costa

25 comentários:

Mariana disse...

Nome diferenciado, um vinho mais fraco.
Nunca havia ouvido falar.
Mas com certeza deve ter um sbor gostoso.
Fiquei com vontade,,,rsss,,,,
Um beijo de bom dia, Mariana

Parisiense disse...

Aqui na região onde moro não fazem água-pé mas vende-se nesta altura é muito vinho doce e o branco quase parece champagne.....

Não sabia que era assim que se fazia......sempre interessante estas descobertas.

Beijokitas e bom fim de semana.

jo ra tone disse...

Daniel,
Por cá a água pé é feita deste modo:
Depois de reitado o vinho do depósito, despeja-se uns cântaros de água dentro.
O homem pisa mais uma vez os engaços. Sai, lava os pés num alguidar,e essa água é posta também dentro do depósito. Depois é só esperar um dia, e retira-se a agua pé para o pipo, e espicha-se na altura do S. Martinho.

Abraço e boas provas

ETERNA APAIXONADA disse...

Caro Daniel,

Uma verdadeira aula, passo a passo!
Sempre surpreendente por aqui.
Um blog eclético e agradável.

E deu-me vontade de tomar uma taça de vinho, que não será o da receita, pois...

Tim Tim ao amigo!

Bom fim de semana.

Beijos carinhosos.

Vanuza Pantaleão disse...

Daniel, o nosso enólogo de plantão!
Inclusive já se provou pela medicina que a taxa de colesterol tende a baixar pela ingestão de um cálice de vinho antes das principais refeições. Outra curiosidade é que a uva é a fruta mais antiga da humanidade. Particularmente, sempre apreciei os vinhos e já provei de vários tipos, um pouco. Atualmente, costumo ingerir o vinho sem álcool que não fica nada a dever aos vinhos "normais".
Enfim, Daniel, me mande aí uns litrinhos do seu "Água-Pé" por sedex, pois brindar virtualmente é dose!Risosssss...Adorei e fiquei surpresa com tamanho conhecimento e detalhes. Um final de semana delicioso e aguardo lições sobre o azeite, o bacalhau e os docinhos lusitanos, agora você não nos escapa!!!Beijinhosssss

poetaeusou . . . disse...

*
já a bebi
com 13º . . .
,
abraço,
,
*

RENATA CORDEIRO disse...

Parece água? Ou é adamado? Adorei quando fui a Portugal e me perguntaram se eu queria um Porto adamado! Danielzinho, fiz um post bonitinho. Se quiser, passe por lá.
Beijinhos da Rê

Sensualidades disse...

adoro todo o ritual associado ao vinhoo, se nao houver ritual o vinho nao sabe tao bem

Jokas

Paula

o que me vier à real gana disse...

Daniel, obrigado pela lição! Do vinho, penso ser do conhecimento geral como se procede para o obter. Da água-ardente, bebida obtida por destilação, muita gente deve conhecer o modus operandi...
Do abafado e do "café frio",aí é k não. Eu próprio, que vivo perto da Bairrada (região de intensa produção vinícola, agora com vinhos de grande qualidade e Espumantes não menos bons), desconhecia como se obtém o Abafado... da água-pé, só mesmo que é um vinho "fraquinho".
Bem, vamos lá a uma castanhada bem regada com "champagne do povo"!

P.S. novo post no "real gana", se puder comentar!...

xistosa, josé torres disse...

Agora toda a aguardente que se fabrique tem que ser de ser declarada.
Dizem que para defesa do vinho do Porto.
Os espanhóis é que não têm problemas, trazem os camiões cisterna carregados de aguardente e é só comprar ... como é mais barata, o vinho do Porto também fica mais em conta.
Depois também há uvas espanholas e a Casa do Douro com um aldrabãozeco à frente, vai apodrecer em dívidas.
Que se investigue a fortuna dele, em quintas e vinho, quando partiu do Porto - Rio Tinto, para presidente ... e alguém vai ficar abismado!
Ainda no sábado, dia 27 de Setembro estava a gabar que no tempo do Salazar é que se fazia e acontecia e eu no meio do maralhal, (era o almoço de curso), disse alto e bom som.
- Vamos desenterrá-lo!!!

Cristiana Fonseca disse...

Olá Daniel,
adorei ler o delicioso texto.
Vinhos,humm, e você esta na terra deles.
Descobri muito em teu texto.
Deixo minhas desculpas pela ausência, volto depois pra ler as outras postagens.
Belo fim de semana
Beijos,
Cris

Anónimo disse...

Que maravilha, Daniel. Sem dúvida, uma arte. Uma tradição convidativa.

Oferece-me um cálice, por favor, porque quero experimentar este água-pé.
Quero brindar contigo estes bons tempos. E se for bom, dá-me de presente umas garrafinhas...


Beijos, amigo.

Ana

Anónimo disse...

Ah. Adoro os vinhos portugueses, são os meu preferidos.

LUX!
NIX!

Mariana disse...

Tenha um lindo final de semana.
Beijo gostoso, Mariana

Marta Vinhais disse...

Pois é, vindimas e quem não ouviu falar de água-pé??? Se bem que nunca provei....
Obrigada pela visita...
Até já
Beijos e abraços
Marta

Carla disse...

as coisas que por aqui se aprende...mesmo assim prefiro as castanhas
beijos
bom fim de semana

Bandys disse...

Daniel
Uma verdadeira aula.
Um beijo e tim tim

Fabi disse...

Nunca tinha escutado falar dessa bebida...

ótimo final de semana pra ti

xistosa, josé torres disse...

Vim aqui, mas afinal já tinha bebido.
Ando esquecido.

Um bom domingo e cuidado com a pinga ...

Nanda Assis disse...

adoraria conhecer.

bjosss...

SAM disse...

Adorei o texto...Gostaria de apreciar, Daniel! Confesso que não ligo pra vinho, mas o do Porto adoro!


Grande beijo

jaca disse...

fiz abafado mas ele ferveu sera que devia ou nao???
fiz 4 litros mostro e 1 aguardente vinicula com 95% de alcol tou desconfiado que nao devia ferver so foi um dia
e que so pus a aguardente passado umas 3 horas sera que foi disso??quem souber ajude obrigado

tenferre disse...

To JACA,
Do que conheço, tentando fazer abafado com o mosto ja a ferver ou com indicios, da mau resultado, o garrafao ou recipiente que esta rolhado e selado (por isso abafado) tem tendencia a rebentar (passou comigo, deixei uns garrafoes na cozinha e o mosto nao era tao fresco como diziam, na manha seguinte tinhacacos espetados no tecto e toda a cozinha cheia de mosto, lol), entao se ja estiver com indicios de fervura (bolhinhas) simplesmente deixa respiração na rolha, e em vez de abafado, teras uma optima Geropiga. Boa sorte

Unknown disse...

Muitos parabéns Daniel pelo texto bem escrito.
Eu próprio faço todos os anos pelos menos 100 litros de água pé. É uma delicia e da muito jeito para levar para apanha da azeitona. Não conhecia a expressão "café frio" mas vou começar a usar para brincar com os meus amigos. Um abraço. Se algum dia passar aqui por Tomar por esta altura, passe pela rua dos taxis na dona Esmeralda, tem lá sempre uma água pé da boa.

Unknown disse...

A minha água pé é das melhores da região oeste receita do meu avô