domingo, 15 de junho de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 23

LOUVORES EM FIM DE COMISSÃO
Havendo responsáveis, com formação própria em todos os aquartelamentos, no caso do esquadrão eventual 350, o Onofre tinha substituído o nomeado, para o que dizia respeito à manutenção do refeitório, assim como outras necessidades inerentes, porém havia um sargento para a escrita, por já ter protagonizado uma mobilização em Moçambique, onde exercera funções idênticas.
A repartição militar em Luanda, responsável por todos os impressos necessários, fornecia os mapas e outros documentos necessários para os movimentos de géneros alimentícios, de cuja administração era responsável. Uma empresa bastante complexa como se pode imaginar!...
Deste modo o superior mais directo no rancho, seria o dito sargento, que não merecendo a conotação de "fixe", foi contudo , um bom amigo do cabo Onofre, já que este depressa adquiriu prestígio, o que sempre servia o seu interesse.
O sargento sempre aparecia de tarde batendo com uma varinha na perna, para participar em sessões de petiscos.
Em muitos princípios de noite chegavam alguns amigos do citado, para os aperitivos de antes do jantar, nas instalações dos géneros de alimentação .
Contavam-se entre eles quatro elementos, normalmente em dias diferentes, eram dois da polícia judiciária, que faziam parte de quadros instalados no Dundo, no serviço de investigação de possíveis movimentos clandestinos dedicados ao tráfego de pedras preciosas, um outro colono e um militar da milícia, todos com funções na Diamang.
As "tapas" eram constituídas normalmente por rodelas de chouriço, que chegava da manutenção militar enlatado, era de boa qualidade e constituíam um manjar acompanhadas do tal casqueiro (pão) fabricado no esquadrão e o bom vinho fornecido pela organização diamantífera.
Aquele militar da classe dos sargentos, tornara-se um sério amigo do Onofre, por vezes conveniente, como uma mais valia nas relações públicas, pois andava a remoer, havia tempos, que num almoço, havia de ser servido arroz de pato. De facto um menu bastante apreciado, mas como conseguir aquele galináceo, pois os pretos nada vendiam à tropa e a companhia não os tinha para fornecer?
Por outro lado, esta proibia aos colonos, embora com muito espaço junto das vivendas, que lhe eram atribuídas, a criação de qualquer ave de capoeira.
A ideia parecia impossível.
Um certo dia apareceu o sargento com o problema resolvido, o colono habitual dos petiscos, na entrada da noite, da sua improvisada e clandestina capoeira, de conluio com outros colegas, arranjaria a quantidade de patos necessária, para um almoço farto de todo o rancho.
Não havia dinheiros em jogo o que facilitava tudo. As latas de chouriço, com a tara de cinco quilos, fornecidas pela manutenção militar, eram ali um bem tão precioso, que serviam como boa moeda de troca.
Foi daí que algumas dúvidas do Onofre começaram a esclarecer-se, aparecendo a resposta ao problema da proibição. É que os galináceos tinham a capacidade de armazenar nas goelas pedras preciosas, tornando-se um meio eficaz de tráfico.
Como se tinha podido verificar a proibição era letra morta!
Por esta altura, não tendo chegado ainda a televisão às guerras de África, depois de debitadas para microfones, em fila indiana formada por militares para os sacramentais cumprimentos de Natal. Dedicados à família, namoradas, Madrinhas de Guerra e amigos, com o obrigatório; "adeus até ao meu regresso" - chegara o tempo de alguns tropas, que se inscreveram para a visita a uma rádio da Lunda afim de gravarem a sua mensagem, que depois a Emissora Nacional difundia.
Pelo segundo ano da estatal obrigação de passar pela guerrilha, o Onofre ignorou a prerrogativa, porque a achou sempre sem sentido.
Depois de, na Casa do Pessoal da Companhia dos Diamantes, ter assistido ao filme "A Roda da Sorte", o Onofre, por inerência, começou a preparar a noite de consoada.
O serão de Natal desse ano de 1963, decorreu no refeitório com interesse, até às duas da manhã, havia de ser a última, que o homem do rancho usava farda, este sentia-se mesmo na plenitude da mocidade, fatigado, porque levava talvez demasiado a sério qualquer intervenção exigida da sua competência.
.No dia de Natal, cumpriu-se o desejo do Capitão Ferrand de Almeida, constituído por um cozido à portuguesa.
Mais uma vez, não havia disponível a necessária carne de porco, porque não havendo fornecimento da mesma, pela poderosa Diamang os quiocos também não a vendiam, pelo menos a militares.
Valeu, um dos motoristas - "malandro" - que muitas vezes lhe calhara transportar refeições a colegas de serviço no posto fronteiriço do Congo. Propôs-se, numa dessas a entrar com a viatura num terreiro, onde estivessem animais domésticos. Aconteceria um desastre onde ficaria imediatamente muito ferido um porco. O dono aflito, viria a correr fazer queixa e o remédio era pagar-se o prejuízo, ficando-se com o animal.
Tudo correu bem, deu-se o premeditado acidente, o dono do animal foi recompensado e o almoço daquele último Natal em comissão militar, reforçou o optimismo, tanto mais que houve interferência do sargento a dizer: "Um cozido à portuguesa a sério tem de levar carne de galinha", o que efectivamente aconteceu, mais uma vez funcionou a troca com o colono amigo.
O filme intitulado "A Grande Guerra" e uma exposição de trabalhos infantis, tudo na Casa do Pessoal, a grande estrutura lúdica, da Companhia dos Diamantes, foi a parte de gozo do Onofre de vinte e oito de Dezembro.
A noite de S. Silvestre, que transpôs o ano de 1963 para o de 1964, foi igual a qualquer outra, apenas a transição é assinalável, em virtude de se ter chegado ao último ano de permanência em solo africano.
Por esta altura, mesmo com o tempo bastante ocupado, o Onofre amando conhecer o máximo, na qualidade de praça já tinha efectuado a visita às tascas dos pretos, por um lado, por outro a da comunidade Cabo Verde, como conhecia bem a dos brancos consubstanciada na Cada do Pessoal.
Entre pretos e brancos, a separação era evidente, já que aqueles só se encontravam a servir, mas a comunidade da outra colónia, de modo algum, se misturava com os angolanos, o que não parecia lógico. Ficou sempre a impressão de existência de racismo, mas quem mais o praticaria seriam os naturais de Cabo Verde, porque até as tascas tinham existências separadas,
Em dezanove de Janeiro de 1964, depois da recolha de víveres no Dundo, por avaria de viatura, houve que arranjar boleia para regressar às instalações da Portugália, em busca de transporte para efectuar o necessário reboque.
Dia vinte foi recebida a visita do Governador-Geral de Angola. Mais uma vez foram privilegiadas as instalações onde se arrecadavam os géneros de alimentação, para mostrar a tão ilustre personalidade, ficando mais uma vez demonstrada a capacidade organizativa do inofensivo Onofre, que no fundo procurava apenas executar bem a tarefa que lhe tinham atribuído.
No mesmo dia teve lugar a assistência ao filme, desta vez intitulado "Escândalo ao Sol".
A vinte e quatro de Janeiro, foi o Onofre surpreendido pelo seu amigo Soeiro, que apareceu exibindo, dactilografado um louvor com que tinha sido distinguido pelo comandante, Ferrand de Almeida.
Não sendo coisa importante, visto não haver as mais remotas intenções de seguir a vida militar, no entanto na altura foi estimulante. De certo modo era uma fugaz compensação para algumas arrelias, que iam terminar.
à noite casualmente, deu-se um encontro com o sargento, a quem cabia escriturar toda a movimentação do rancho. Este era militar de carreira, a quem aproveitaria um louvor, mas fora excluído.
Tinha-se permitido entregar-se à bebida, talvez pelo facto, vociferava fora de si: pela primeira vez, mostrou o seu cartão da PIDE, dizendo: "o nosso Capitão está feito, porque nunca soube os meus poderes, mas com isto vai saber com que pode contar".
Logicamente, o assunto morreu com o desabafo.
Depois, a um de Fevereiro, ainda mais trabalho, chegou para o Onofre, com a vinda de grande remessa de alimentos enlatados da delegação de Henrique de Carvalho que, segundo a norma, foi muito bem arrumada,
Até que a catorze passou na localidade de Camissombo, de novo para recolher mais géneros, chegados ao aquartelamento local, vindos da citada cidade, por aquela via.
Seguiram-se mais arrumações.
A quatro do mês de Março, pela última vez em terras de Angola, houve ida ao cinema, assistiu-se à exibição de "Sete Noivas para Sete Irmãos".
Esperado já o fim da comissão, deu-se a chegada de uma companhia militar para substituir o esquadrão eventual, a ocupação do Onofre acumulou mais azáfama, dado que a cinco do terceiro mês do ano de 1964, foi necessário levantar mantimentos em duplicado, no armazém do Dundo, a contar com o tempo necessário de alimentar o pessoal, que ia proceder à substituição.
O mesmo aconteceu com a chegada do reforço de géneros alimentícios, vindos da manutenção. Tudo resumido, ocasionou muito trabalho de arrumação.
Logo que se soube do regresso, ao pequeno-almoço, onde muitos militares iam muito tarde usufruir o prazer de ingerir o seu pão torrado, bem barrado com boa manteiga enlatada, alguns useiros e vezeiros em calmas repetições; de forma jocosa, ouviam muito a frase: "Aproveita agora, porque vai acabar-se". Tanto bastou para, um oficial, estando de serviço de dia ao esquadrão, chegado ao Batalhão, mais tarde, pelo que não lhe cabia a vez do regresso à metrópole, mostrar a sua falta de humor, com o lançamento da seguinte pergunta:
- "Oh pá mas isso tem algum jeito?!..."
Chegados a doze, finalmente a rendição!... A treze entrega de todos haveres e governo do depósito. A catorze os preparativos para a viagem até Luanda, onde se embarcava para a metrópole.
Ao Onofre ainda coube muita labuta, já que tiraria algum partido da última e trabalhosa missão, que lhe tinha sido atribuída.
Para si próprio e amigos de proximidade, mais uma vez com a colaboração do sargento, a quem incumbia a tarefa da escrita dos gastos do rancho, foi então demonstrada em plenitude a afeição e até a admiração que sempre dedicou ao respectivo encarregado.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

10 comentários:

Cristiana Fonseca disse...

Olá Daniel,
tenho aqui leituras que me fazem refletir, compreender além do que esta diante dos olhos, a tua maneira classica, rica com que colocas as palavar me encanta. È um prazer poder ter conhecimento do que me apresenta nesta leitura.
Beijos,
Cris

xistosa, josé torres disse...

Há nomes que cairam no esquecimento.
Recordo o "casqueiro", nome utilizado também por cá, mas que não o ouvia há muito.
Pelo que se depreende, até nem foram muito maus os tempos de Henrique de Carvalho.
Quase 10 anos depois, eram um pouco diferentes.
Também não havia falta de aves palmípedes e outras, como galinhas e outras de quatro patas, porcos e leitões.
Não se compravam à luz do dia...
De noite eram mais baratos!
E eu que tinha que "caçar" e cozinhar os petiscos.
No meio disto, vou-lhe contar uma coisa.
Se alguém descobrir, já passaram mais de 37 anos.
Até nem fui eu, foi o meu antecessor em quem eu encarnei.
Mas não foi a comer os chouriços enlatados, com 4 quilos de gordura e 3 litros de óleo.
Esse óleo, era trocado por ... ah! maldita memória ... MERUFE!!!!!!!!, sim, por Merufe, uma bebida fermentada da seiva de palmeira, que só alcoolizava, depois de estar dentro do nosso organismo ...
Que sossego, depois de beber um balde dele que estivesse à sombra.

Fui um carrasco de alguns "vagomestre", era assim que se lhes chamava???
Nem sei se existia tal cargo ...(era quem gamava os géneros alimentícios).

O que roubavam, repercutia-se na alimentação de quem arriscava o "courato", ou "coirato", depende da região do país.

Tenho "matado" a nostalgia da ausência do amor livre e selvagem ... em plena selva e da caça ...

Nunca fui violento, só persuasível ... e só há duas coisas que um ser vivo necessita desta vida.
Vou dizer as do meu caso, porque cada caso é um caso ...
Eu só necessito de SEXO e COMIDA, sou um ser simples, não sendo um protozoário, por ter duas células.

Ninguém me pode acusar de violência, só eu ... que levei um chapadão ... por usar uma pulseira duma concorrente ...
Tempos malditos, mas tempos bonitos nalguns aspectos.

A segurança de Diamang, era feita por seres humanos ...
Logo aí ...
Depois é pintá-los de preto ...

Daí uma pequena pedrita, que guardo, sem religiosidades, mas com apego, porque uma pedra é uma pedra ...

Lembra-se da Vitamina C?
Numas embalagens com um gel anti-humidade?

Eram pequenos diamantes que o "xistosa-josé torres", repare que enquanto esteve de férias, crismei-me, mudei de nome, para não me chamarem predador ... aos 61 anos ...
Pois esses pedaços de gel, renderam-me férias ... pagas pelos usurários que compravam tudo barato e vendiam caro.

Tive uma mãe biológica e a partir dos 5 anos, quando morreu, uma adoptiva ...
Mas fui um grande filhos da ....

Nunca usei, nem me lembro se eram divisas se galões, acabei como tenente ... mas só poderiam ser galões ... e muitos ... mas da Cuca ou da Nocal...

Vinho?
Nunca bebi nada parecido com o nome, só o que os almocreves exportavam ...

Veio de férias e não quero que se perca ...
Por hoje é tudo ...

(PONHA LETRAS MAIS FÁCEIS ...)

Bandys disse...

Oi Daniel,
Existe amigo como você,
que traz a paz, a alegria
que faz sentir saudade,
que conhece a alma,
que aconchega o coração.
Na vida não importa como somos,
mas que alguém te aprecie pelo que você é.

As histórias de Onofre faz com que tudo seja relexão.

Beijos

poetaeusou . . . disse...

*
que valor tem actualmente ?
é vê-los, agora . . .
só á conta do sampaio,
foram 2.100 medalhas,
até assaltantes de bancos
foram contemplados,
,
abraço,
,
*

Eu sei que vou te amar disse...

Olá Daniel,
Mais uma verdadeira historia cheia de emoção, faz-nos reflectir sobre epocas festivas durante a guerra, tal como o Natal...gostei de ler! Parabéns;)

Daniel disse...

Crisfonseca

O diario do Onofre, bem vistas as coisas é reflexão. A reflexão de um cavador, quando de cavava de sol a sol e se estava a "cavar" clandestinamente para certos países da Europa, até a fugir à mobilização, para as guerras das Colónias.
Fica uma ideia: Antes no Oeste natal e depois no início de Lisboa, o ordenado era mais reduzido.
Foi de Angola que veio algum dinheiro, para poder ser estudante trabalhador.
Aconteceu ontem!...
Beijos, Daniel

Daniel disse...

José Torres

Ui o "casqueiro", era um termo das tropas, mesmo cá.
Os tempos da Lunda não foram maus, o capitão comandante, é que era uma nulidade como comandante. Para não falhar valia-me do penso ser simpatia e poder de conversação, para conseguir o necessário transporte de certos produtos. O capitão o único a ser preso, nu Rua dos Bacahoeiros, pelo capitão Salgueiro Maia. Era então Tenente-Coronel, Segundo-Comandante de Lanceiros 2, no dia 25 de Abril de 1974, foi para o quartel e não recebendo directivas do Comando Militar, ingénuamente, veio num Jeep ver o que se passava. Estava em serviço de reportagem, para Madrid e contou-me a história pessoalmente, sa Sociedade de geografia. Na rádio a história passou fugazmente, de maneira diferente, naturalmente, transformada em monumental mentira, para ser propaganda revolucionária
Morreu amargurado, meteu cunhas e reformou-se sem subir de posto. Foi um mau serviço que os militares revolucionários prestaram à sua própria instituição, em todo o caso.
Tens acompanhado o podes ver que há reflexão apenas da génese de terrorismo, em 1963.
De qualquer modo, já pessoalmente e por educação procuva sempre cumprir bem.
O vagomestre, era uma especialidade de sargento e subsituí um que foi para Dundo com o rótulo de preso, nem chegou a trabalhar nas instalações da Portugália. Era do género: Se comprasse uma camioneta de batatas mandava debitar duas, sendo o valor de uma para ele e ostentava poder económico. Não se limitada a "gamar" pouco de cada vez, para não se fazer notar.
De diamante´, o pessoal foi logo aconselhado a fingir que nem sabiam o que eram, depois no Dundo havia a PIDE e a Judiciária. Terá havido alguns negócios, se bem observei já em Lisboa.
Vinho bebi sempre pouco. Só bom, como tem acontecido no Porto á beira do "Dragõee" e agora em Mirandela.
Pois... pois... gostei de conversar, mas não será a última vez e fico por aqui.
Daniel

Daniel disse...

Olá bandys

Teve mesmo de haver muita haver muita reflexão. Embora os textos tenham sido já pubicados neste século, o certo é que partirem de um diário feito objectivamente com vista a publicação. Todos os dias fazia os meus apontamentos. Andava sempre acompanhado de papel e caneta.
Tem havido, quem me aprecie, mas fico desvanecido por mostrares ser uma dessas pessoas.

Beijos, Daniel

Daniel disse...

Olá poetaeusou

Fracamente, possuo uma certa quantidade de troféus e medalhas. Várias estrangeiras. Concorri a elas com o objectivo de promover a minha publicação, porque estou longe de ser caçador.
Se, por mera hipotese fosse agraciado oficialmemte, possívelmente
recusaria receber uma distinção, de que há às paletes de agraciados.
Abraço, Daniel

Daniel disse...

Nela

É a minha maneira de contar as coisa. Em face de muitas histórias pungentes, dessa guerra, costumo dizer que terei passado a melhor fase.
Tinha sido retomado vários bastiões de rebeldes e dera-se uma certa acalmia.
Obrigado, Daniel