segunda-feira, 28 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 10

NO DIA DO SANTO DE ASSIS
A menção de Santo tem razões várias, se outras não existissem, começa-se porque todos os Batalhões estacionados em Angola tinham o seu padre capelão, tal como o 350 usufruía do serviço religioso, a cargo de um eclesiástico graduado em Alferes, de que era componente e ia percorrendo todas as bases, rezando missas dominicais, aquando passava em cada sede de esquadrão. Aconteceu diversas vezes na posição do 297.
Naquela zona de mato, só se conhecida a capela de Nambuangongo, o clérigo que pertencia e acompanhava espiritualmente esta Cavalaria, era munido dum altar portátil, tipo mala de viagem, para a concretização dessas funções.
Ainda em 1962 o comandante do grande Esquadrão, Capitão Alves Ribeiro, que ia dando mostras, em todas as circunstâncias do seu valor militar, como comandante de operações, da sua capacidade organizacional e estética, com as matérias primas que iam vindo de Quimanoche, transformara por inteiro o complexo operacional do Tari, provendo-o duma caserna para cada pelotão, o que tornava muito mais prática a reunião, sempre de madrugada, porque o sigilo das acções levadas a cabo, só naquela hora era um pouco revelado, ao acordar os elementos de cada pelotão, sem ter de passar a outros canais.
Além de melhores condições de operacionalidade, contava-se com a colaboração do Lopes Cabanda, como guia eficaz, em virtude de conhecer o terreno, tudo factores, que em muito aumentavam a eficácia do Esquadrão.
Chegado a dia quatro de Outubro, que o capelão saberia de cor ser o de S. Francisco de Assis, não só pela sua importância, mas também, por ser mencionada em todos os calendários litúrgicos.
Pois no dia da celebração do famoso Santo, na caserna onde se encontrava instalado o Onofre e o seu "staff", a madrugada esteve muito agitada, alertavam-se todos os elementos, porém eram excluídos os especialistas que poderiam fazer funcionar a metralhadora Breda, contra o usual nestes casos.
O dia do Santo que nascera em Assis, Itália, no seio de riqueza e ali havia feito votos de pobreza, a que se dedicou até à morte, acabaria por ser o mais promissor da existência do Esquadrão.
A azáfama madrugadora, na caserna acabou por ser frutuosa, foram eliminados vários terroristas, enquanto se contavam em número de dezanove os forçados a entregarem-se, escolhendo a sobrevivência.
Aconteceu um outro facto, menos dignificante:
Desse grupo fazia parte uma trabalhadora do sexo, eventualmente, em cuja laboração se empenhou parte da noite. Naturalmente, com a passividade oficial, que terá ao mesmo tempo estipulado o custo de cada "volta".
No mesmo mês de Outubro, precisamente no dia dez, numa batida efectuada por outro pelotão de serviço, resultou o aprisionamento de mais dois elementos afectos ao terrorismo.
Depois das novas instalações, passou ao Tari uma companhia em, deslocação. Em casos destes, o comandante da força em movimento, conferenciava com o homólogo local.
Todas as conferências, nestas paragens de intervenção eram, necessariamente demoradas, desta movimentação, resultou todos os elementos jantarem localmente.
Findo o repasto, com o objectivo sofisma de bem receber os visitantes, numa das novas casernas começaram os dois acordeonistas do Esquadrão a actuar. Tinha-se criado a configuração de um arraial em terras de província.
A breve trecho a luz com apagada, como por encanto, deixou de funcionar e os quicos, que cobriam as cabeças dos militares em trânsito voaram.
Foi a mais ousada recolha daquela peça de vestimenta, tornada em estima para muitos, por servir de entretenimento para os rapazes do Tari.
No dia vinte e três de Outubro, havia intranquilidade no comando do Batalhão, sito em Muxaluando, uma coluna militar a rodar para aquela posição, foi atacada, sofrendo duas baixas mortais, mais alguns feridos.
Era um dia de muita chuva, vários acampamentos da região estavam também a ser atacados e todo o pelotão do Onofre estava de prevenção face ao conflito, tendo depois seguido em missão de auxílio.
Chegado o reforço, foi-lhe destinada uma ida a Nambuangongo, com o fim de trazer, sobre escolta, um pronto socorro, afim de recolher as viaturas sinistradas no ataque que destruiu a sua autonomia de locomoção.
Não havia viatura do género, à altura pelo que, sempre pronta a entrar em acção, a coluna voltou como tinha seguido e ficava na sede do Batalhão alerta para actuar.
Como entretanto, tinham seguido outros reforços disponíveis, os mesmos ao voltarem foram surpreendidos com o rebentamento duma mina anti carro, a primeira com que o Batalhão se deparou, talvez uma daquelas que deu início a novo tipo de guerrilha.
Resultaram vários feridos, entre eles, um Alferes, que ficou com as pernas praticamente decepadas. Veio a ser baixa mortal, já verificada no posto de socorros de Muxaluando.
No mesmo dia, a aviação interveio, serviu apenas para verificar terem ficado no terreno algumas viaturas destruídas.
Da facto, depois de um período mais calmo na actividade terrorista, tinha começado uma nova fase da guerrilha e por causa das minas anti carro os oficiais deixaram de andar na frente nos Jeeps pessoais, para andarem nos Unimogs, fazendo parte integrante do pessoal, que estes transportavam.
Na dianteira de cada coluna, passou a seguir uma camioneta GMC, extremamente pesada e com uma frente grande a qual podia provocar o rebentamento sem afectar o próprio condutor.
Aquele monstro passou a andar com a caixa cheia de sacos de areia, afim de se tornar ainda mais pesado e por isso menos vulnerável.
As GMC e outros veículos, que dotavam todas as companhias militares, tinham sido resultado de resíduos da motorização, que tinha servido a Segunda Grande Guerra, vindo depois para Portugal.
O grande conflito tinha chegado ao fim em 1945, havia poucos anos em 1962, afinal todos os militares tinham nascido ainda no tempo em que o maior conflito bélico do mundo grassava.
Ao passar a noite de sete, precisamente à uma hora calhou de novo a Onofre e companhia, com outras unidades, integrar uma escolta. Por alguns dias, a força de cobertura da deslocação a proceder a uma importante operação, esteve aquartelado na Fazenda Três-Marias. A dormida era conjunta com os colonos, que se encarregavam de zelar nos trabalhos a efectuar por nativos de raça bailunda, por mais fácil e de adaptação mais dócil.
A trinta e um foi a guarnição ao encontro da tropa em operação, na picada próxima, com passagem pelos destroços das viaturas, momentaneamente abandonadas, transportando alguns de imediato.
A seguir, logo a um de Novembro, houve mais uma espécie de destacamento para Muxaluando de um grupo do pelotão a que Onofre pertencia, a missão era a da equipa da Breda escoltar o grupo de militares do esquadrão do comando que foram escalados para transportar o resto dos destroços das viaturas que tinham ficado nos terreno, após o duro golpe sofrido na picada, havia poucos dias, o que veio a acontecer.
Depois de realizada a operação, Onofre, Esquim Pinto, Teodoro e Gastão, com todo o equipamento, ficaram três dias junto do Batalhão, o que depois dos acontecimentos, emprestava maior segurança, já que aquele aquartelamento não estava munido de equipas de metralhadoras pesadas, ao contrário dos restantes três esquadrões.
Em Muxaluando ouvia-se comentar, seriam aquelas armas pesadas, que os terroristas apelidavam de costureirinhas, pela rapidez e poder de fogo que, realmente possuíam, se encontravam em segurança.
No breve destacamento, para um observador e com espírito aventureiro, tudo servia de reflexão.
Então um dia assistiu a um daqueles desafios de futebol, não tão improvisado, como poderia parecer, porque era vulgar em qualquer acampamento militar, observou um dos guarda-redes, o segundo comandante da força, o Major Caldeira, já com idade. Pelo elevado posto, não lhe seria apropriada a dedicação àquele exercício, mesmo usado uma camisola regulamentar, por ser um pouco forte para poder vestir a camisola do próprio equipamento.
Ora, já era do conhecimento geral, o homem padecer da "bola", tanto mais que era um bom motivo para conversas anedóticas, entre os seus comandados.
Já era conhecido pela alcunha do "pai da Cuca", pela dedicação à bebida alcoólica, mais usada na colónia de Angola.
Diga-se que nas cantinas da tropa, o seu custo ficava em metade, o que se tornava mais um aliciante.
No dia quatro, deu-se o regresso ao Tari, não sendo novidade absoluta, na parede de uma das casernas, a primitiva que continuava a funcionar, só com um pelotão, ver-se num nicho, uma imagem da Senhora de Fátima.
O ícone, uma espécie de troféu apreendido numa batida, teria sido arrancando pelos terroristas em alguma fazenda abandonada, depois de atacada.
O Comandante Alves Ribeiro achou por bem mandar colocá-la num nicho, bem visível, na parede do grande edifício, que apesar de sido arranjado, nomeadamente na cobertura, depois de danificada pela guerrilha, permaneceu com a pedra da parede à vista.
Daniel Costa – in JORNA DA AMADORA

10 comentários:

Delfim Peixoto disse...

Tive e sofri esse tempo de Angola por meu irmão que lá esteve quatro anos!
Angola ainda é, para mim, um sonho como terra... mas algo me entristece ao pensar nela, e nem sei bem o quê.
Grato pela visita
Abraço

Daniel disse...

Olá Delfim Peixoto

Angola ficará sempre terra de sonho, para muitos que lá passram.
Entristece de facto, o saber-se que o povo angolano, massacrado por anos de guerras, estará pior de vida.
Agradeço com um abraço.

Daniel

SAM disse...

Acompanhando os relatos Daniel....

Beijos

Cristiana Fonseca disse...

Daniel , vc escreve muito bem, seus textos são charmosos, classicos e historicos.
Adoro este teu espaço
Beijos,
Cris

Daniel disse...

Olá Sam

Obrigado!...

Beijos
Daniel

Daniel disse...

Olá Cris Fonseca

Fico muito grato!...
Escrever bem, será dos bons olhas que leram!
Histórico é concerteza, também vivido.
Créditos devidos ao diário pessoal.
Passa sempre, a porta está de par em par!

Beijos
Daniel

xistosa, josé torres disse...

Há nomes que já foram ... mas as velhinhas GMC, ainda "batiam" as picadas, sempre à frente e carregadas de sacos de areia, mesmo na frente, 15 anos depois.
Já não me recordo do nome das "costureirinhas", ( M-23, seria ? já não sei), que encravavam quando era necessário. Tal facto devia-se ao facto da "fita" de munições, ao ser colocada sobre o ombro a cair pelas costas, "abria" junto à culatra. Isso originava que as munições não entrassem ...
Era necessário levantar a culatra e correr duas munições.

A minha missa, aquela que vem do alto, eram as mangas de alta qualidade de Angola.
Do cimo dum Unimog, colhiam-se as melhores.
Nunca andei por altares. Estive no Morro do Moco, se não me falha a memória, o ponto mais alto de Angola, perto de Nova Lisboa.

No meu tempo a Sagres já tinha invadido o mercado ... mas as "Cuca" e "Nocal" eram as rainhas.
Custavam 2$00 nas cantinas militares, cá fora 3$50.

Bebi pouco ...
Na ida de Luanda para Cabinda, num cargueiro, porque não quis ir de avião por ter medo de voar, (por isso é que os meus pais me fizeram sem asas), em dois dias e meio de viagem, foram 3 grades e ... o calor era tanto que nem tinham tempo de arrefecer ...

Vou continuar o roteiro ... mas hoje fico por aqui, pois atrasei-me por motivos imprevistos!

Um bom fim de semana.

Daniel disse...

olá xistosa

As GMC, eram um quebra cabeça, a subir picadas, quando chovia. Só depois vierem as minas e passaram a seguir na frente, com os sacos de areia.
As conteirinhas era as metralhoras pesadas breda, que tinham um grande poder de fogo.
Andavam montadas em jeep blindado, com uma esquadra de 3 homens: Chefe de esquadra, um furriel ou cabo, um atirador e municiador. Eram alimentadas por pentes de balas, nunca falharam.
De mangas. tabáem se vai falar.
Apanhadas do jeepão, vã aparecer laranjas.
As Cusa era a 2$50 e 5$00, respectivmente, não havia sagres.
Bebia cerveja moderadamente e não fumava.
Podes passar sempre, nunca teve complexos, de ir apredendo mais e falando sobre Angola.
Resto de bom fim de semana.

Daniel

xistosa, josé torres disse...

A "Breda", já pouco se utilizava, e as "costureirinhas, em 1969/72, salvo erro era a MG 23. mas os nomes e números já os apaguei.
Aliás costumo dizer que estive em Angola e não vi um preto ... acaba a conversa.

Já expliquei o porquê de pretos.
É como a cor, há o preto e o branco, o azul e o vermelho, o verde eo roxo ...
para mim, negros, foram os brancos que venderam seres humanos, os NEGREIROS, ou que os mantiveram em cativeiro, trabalhando de SOL a SOL.
O SOL, para mim é sempre com maiúsculas ... é a vida ...
Vou continuar a ler, mas com calma.
Tenho 67 blogs amigos para visitar e tenho que inventar para os meus ...
INTÉ!!!

Daniel disse...

Olá xistosa

Confesso que só agora vi este teu comentário e como tenho por norma comentar todos os comentários,
que deixem nos meus posts, não deixo de dar uma palavrinha.
Devemos ter algo em comum. Nunca fiz estatísticas às visitas que faço, mas não andarei longe das sessenta, no espaço dos blogs SOl e aqui.
Sempre que me dedico a algo, faço a sério.
Do que falas, ou já respondi ou está no ESQUADRÃO.
Para ser mais claro, em Angola fiquei com a certeza de não tenho tendências racistas.
Como vejo o mundo, sobre o lado humano, também me tenho-me dedicado a estudar a escravatura, a inquisição, o nazismo etc.
Tudo humanamente deplovável.
Tudo entronca em motivações, mas foram misérias, que a força das leis vai atenuando, só atenuando!...
Se caso continuares a vir aqui talvez vejas, que o meu, seja diferentemente igual.

Daniel