sexta-feira, 18 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 5

ESTÁGIO NO GRAFANIL
Chegados ao porto de Luanda, após o desembarque, depois de cerca de duas horas de espera para desfilar logo ali na deslumbrante Avenida Marginal, perante as mais altas autoridades territoriais e mediante imenso povo a assistir, objectivando, desde logo, a sensação da presença militar nacional na defesa do mais rico e imenso território sob Administração Colonial Portuguesa.
Esperava ver-se apenas naturais de cor negra, porém deparam-se quase só colonos brancos, uns com o fim de se encontrarem com familiares, que tinham viajado, mas a maior parte para trocar Angolares, que não serviam de divisas, porque só localmente tinham curso legal, por Escudos que chegavam na bagagem dos novos militares.
Só esse dinheiro era possível enviar para a Metrópole, por muito que se dissesse, mesmo com todo o aparato a exibir, era outro Portugal.
Depois do aparatoso passeio, de exibição na principal Avenida da cidade, toda a tropa embarcou em camionetas militares, de caixa aberta, rumo ao que já se começava a desenhar como o Centro Militar da Colónia em guerra que, no dia quatro de Março de 1961, tinha estalado relativamente perto, em forma de ensaio.
A permanência ali, pelo menos no princípio, era tida como um estágio de adaptação ao clima africano. Depois na medida do alastramento territorial da guerrilha e do discurso célebre de António de Oliveira Salazar, imortalizado pela frase: "Para Angola em força". O Grafanil, a sete quilómetros de Luanda, passou apenas a ser ponto de passagem, para milhares de militares, ao longo de cerca de catorze anos.
Convém trazer à memória as incidências de factos, na comunidade que constituía o Esquadrão, porque a grande história é feita de pequenos episódios.
O grande Esquadrão que pertencera a princípio ao Batalhão de Cavalaria, sob o comando do Tenente-Coronel António de Spínola, veio a ser separado por motivos estratégicos.
Depois de se ter recebido a nova farda, que se iniciara a distribuir a todos os militares destinados ao Ultramar, no mesmo dia acabada de receber, voltou a ser devolvida para entregar ao Esquadrão substituto, com a agravante de muitas devoluções serem já de roupas adaptadas à morfologia dos primitivos donos.
A primeira construção do Grafanil, à beira da estrada de Luanda ao Dondo, for destinada ao Esquadrão que viera de Faro, ficando o resto do Batalhão nas seguintes. A outra tropa que já ali se encontrava, estava acomodada em tendas de campanha.
Mesmo assim, os novos habitats construídos, como equipamentos, apenas dispunham de camas, colchões e cobertores.
O restante equipamento militar de serviço era ainda muito incipiente. A comida era bem feita, mas servida em fila e para utensílios de campanha. Não havendo ainda qualquer tipo de refeitório, a refeição era degustada pelos militares espalhados a esmo pelo terreno. No mesmo já havia barracões, a servir de cantinas, onde podiam ser adquiridas bebidas refrescantes.
Grandes estruturas, para servir bebidas e frequentes banhos, num novo clima. Também para as necessidades fisiológicas, havia latrinas feitas em sulcos, com tábuas de través, onde as pessoas se equilibravam, visto que rudimentares, eram um facto. Os excrementos, usualmente, todas as manhãs eram tapados com terra por buldozeres, para evitar a propagação de focos infecciosos.
Tudo aquilo era levado à conta de aventura por Onofre, tanto mais que se estava no tempo áureo das Madrinhas de Guerra e do Serviço Postal Militar (vulgo SPM) criado já em 1961. Funcionava muito bem.
Para não ser conhecido o estabelecimento de cada Unidade, quatro dígitos fornecidos na origem, constituam a morada. Assim à chegada, entre a muita correspondência, lá estava a carta da inconfundível Ana Zé, que imprimia um cunho especial á correspondência, com as boas vindas.
Assim se viveu naquele campo, entre alguns serviços e os sempre presentes exercícios de aplicação militar, continuação da prática de movimentação do armamento e tácticas de guerra de guerrilha, tudo o que parecia útil ao serviço do perfeccionismo de combate no terreno.
Embora se tivesse partido em pleno Inverno da Europa, chegados à África estava-se na época de Verão, assim o tempo disponível, era aproveitado em gozo, na ilha do Mossulo, voltas pela cidade de Luanda, visitas aos muceques, a cervejarias, a cinemas e a outros lugares.
Nessa altura, estava estabelecido um serviço de camionetas militares de caixa aberta, para transportes de homens a horas certas, ida e volta, para o Grafanil e cidade.
Ainda incipientes estes serviços, numa estimativa um pouco aleatória, já haveria em Angola cerca de vinte e cinco mil militares, mesmo assim no portão do campo do Grafanil dava-se o estacionamento de muitos motoristas, de ligeiros a oferecer boleia, para a cidade a quem pretendesse.
Muitas visitas também se efectuavam ao nível do novel e curioso estabelecimento de tropa, normalmente eram familiares a viver na Colónia e militares conhecidos, da metrópole.
Foi um tempo deveras interessante de observar, para o ideal de juventude, aquele princípio de 1962. É evidente que dos passeis resultavam: À noite dentro da caserna, episódios, parodiados de maneira verdadeiramente espectacular. Era tudo gente muito nova à espera de entrar numa guerra que ainda ninguém conhecia, pelo que era presente o convite ao alheamento, se bem que já chegassem as más notícias da frente de combate.
Tudo servia de “charge”: Havia um repórter chamado Ferreira da Costa, que ao serviço da Emissora Nacional, diariamente emitia para Lisboa, na sua voz meio roufenha, meio arrastada, dava notícias individuais, naturalmente a quem as solicitava. Eram sempre boas, por regra.
Então surgia, normalmente á noite: "Minha senhorra o seu filho está bem... anda de muletas, ou este outro exemplo: "Minha senhorra o seu filho está bem... está no cemitério de Luanda".
Esta era uma maneira de brincar com a tropa, como por vezes se dizia.
Uma forma, digamos que lúdica continuou, sempre como parceiro um beirão, um amigo peculiarmente interessante, talvez por isso era-o do peito, de nome Arsénio. Não era um bom executante daquele jogo, que exigia um bom coeficiente de inteligência, porém ficava sempre com bons trunfos. Parecia um predestinado ganhador. Como o Onofre já lhe administrara algumas instruções, depois da primeira ronda de cada risco, ficava logo com uma leitura do jogo e exercia o controle adequado, acabando a peleja no mínimo empatada, nunca havia perdas.
Daí veio inesperada "promoção", depois de uma dessas disputas, um elemento adversário que obviamente mais uma vez perdera, o Picão, cujo acompanhamento dos métodos, o fizera considerar, confraternizou e a propósito afirmou peremptório: "Onofre és bom demais para meu opositor.... A partir de agora passarás a ser parceiro".
Assim foi, com excelentes resultados! Sendo já previsíveis, o grande amigo Arsénio foi avisado para a não participação, porque mesmo com bons trunfos, passaria à condição de perdedor.
Chegados a segunda feira, cinco de Março, logo de manha cedo, já munidos para enfrentar finalmente, o estado de guerra a sério, todo o Batalhão comandado pelo Tenente-Coronel Costa Gomes, que se dizia estar ali voluntariamente, para amenizar a dissidência com Salazar, de que fora Subsecretário, em relação ao conflito.
Convém destacar, que este Oficial Superior viria a ser hospitalizado em Luanda, veio a falecer de morte natural em Lisboa, durante a comissão.
O apelido de Costa Gomes, igual ao do que foi Presidente da República, tem a ver com parentesco próximo.
Daniel Costa – in JORNA DA AMADORA

12 comentários:

Carla disse...

continuo a acompanhar a tua história
bom fim de semana

Daniel disse...

Carla

Obrigado e também os desejos de um bom fim de semana.

Daniel

Gasolina disse...

Não sei como foste parar ao Árvore das Palavras.
EStive aqui mais de meia hora a ler-te. Sorvi o Esquadrão. Porque não gosto de ler na passada, resolvi deixar o Tejo para outro momento. Mas não resisti ao primeiro post do Milagre e garanto-te que se em 2008 rasgaste o 1º sorriso tb a mim hoje me ofereceste o meu 1º. Costumo chamar-lhes bónus, bónus da vida.

Obrigado Daniel, muito obrigado.

Um abraço,
Gasolina

Daniel disse...

gasolina

Vim para dar prazer e vou-o procurando, neste lado do mundo, e... gasolina!
O milagre, foi-o mesmo e foi um prazer ouvir o médico, há uns meses, obervando as análise, dizer-me: Tornou-se um paciente difícil, todos os niveis estão em boa ordem!
O Tejo, regressará depois do Esquadrão, que está pronto, em editora à procura de aprovação para livro.
Só temos caserna e vida, não há motivações políticas!
Tiveste paciência!
Grato!...

Abraço
Daniel

jo ra tone disse...

Daniel
desculpa só agora vir aqui ao teu espaço
Foi esquecimento meu
Virei ler todas estas palavras, porque também gosto conhecer histórias sobre a "caserna"
Fui tb militar, mas em77
Bom fim de semana
Boa continuação

Cristiana Fonseca disse...

Adorei teu blog muito bom, muito obrigada pela visita ao meu, volte sempre, obrigada pelas suas palavras gentis
Beijos
Cris

Daniel disse...

jo ra tone

Podes sentar-te socegado e volta sempre que o entendas, serás bem vindo.
Desejo partilhar, receber da partilha é secundário!
Em 77, a minha guerra era da vida. A guerrilha de África e, como sempre, era recordação.
Estou a publicar, o depois de, penso trazê-lo aqui.
Também desejo bom fim de semna.

Daniel

rendadebilros disse...

POis foi uma surpresa este blogue: histórias de vida e de uma época ...

o nome com que assino surgiu precisamente porque , na altura, tinha estado em Peniche e passei pela escola-museu ... foi assim sem querer e não sabia dessa novidade dos ctt , muito interessante!

Daniel disse...

crisfonseca

O exercício da escrita será outra forma de arte, se bem que muito mais abstrata de apreciar, posso pensar assim?
Palavras para quê? Se gosta!
Agradeço com um beijo.

Daniel

Daniel disse...

renda bilros

Achei piada a nome. Em paqueno acompanhava a mãe, desenhava piques e lia, para ela.
Era un rendiheira exímia, a sala que foi dela, está decorada com quadros de rendas de bilros, trabalho e uma das minhas irmás
Afinal nasci no concelho, a 9 kms. Do que deu azo á equação filatelização,
deixo link.
27 January 2008
Serviço FRANQUIA - 8


PLANO DE SELOS 2009



Proposta para o plano de Emissões 2009





Há umas dezenas de anos que me chega anualmente idêntica circular, digamos esta louvável acção de “marketing” da Direcção de Filatelia dos CTT.

Julgo mais direccionada para as estruturas associativas da Filatelia, porém como jornalista especializado, sempre tenho feito eco da mesma por vezes com propostas escritas dirigidas ao público do meio em geral, que os serviços especializados dos Correio, não terão deixado de ponderar, por pura obrigação.



Talvez por utilizar um meio de comunicação diferente resolvi transcrever a deste ano:



Os CTT Correios de Portugal têm por hábito enriquecer os seus Planos Anuais de Emissões procurando alargar os respectivos temas através da consideração de sugestões de diversas entidades, públicas e privadas, cujo significado justifique evocação filatélica.



Neste sentido, propomos-lhe agora que nos enviei propostas de temas que considere interessantes para a filatelia e susceptíveis de virem a ser transpostos para Selos Postais e incluídos no Plano de Emissões Filatélicas 2009.



Como sabe o Selo Postal não é apenas o recibo da prestação do serviço de transporte de objectos.

É antes de mais um divulgador privilegiado de história, do património e da cultura de um povo, assinalando ainda as mais relevantes iniciativas e efemérides de âmbito nacional ou dimensão internacional.



Por isso, as suas sugestões – que para serem consideradas deverão ser-nos enviadas até ao próximo dia 31 de Março de 2008 – devem privilegiar os assuntos mais importantes, aqueles que, em sua opinião, justifiquem sem qualquer dúvida essa evocação filatélica.

(Raul Moreira – Director)



Julgo lembrar-me de que esta circular, sempre de “chapa”, só no presente terá sido alterada, uma inovação, que parecendo pequena, revela atenção, de saudar na pessoa afável e competente que sempre mostrou ser o Dr. Raul Moreira.



Só uma vez fiz uma sugestão directa:

- A evocação filatélicas das rendas de bilros de Peniche e das Berlengas. As Berlengas, já a sugestão estaria esquecida, quando mais tarde em 1985 saia um selo com uma paisagem desta ilha principal do arquipélago, ilustrando o selo de 20$00 de “Reservas e Parques Naturais Portugueses”.

As famosas rendas de bilros, característica artesanal de Peniche, nunca foram evocadas filatelicamente. No fundo não seriam afinal apenas de interesse local, visto que o seu maior mercado se situava em Lisboa.

Diferem, por exemplo das de Vila do Conde, porque executadas com três bilros, em cada trança, enquanto aquela era com quatro.

Toda a população feminina do Concelho de Peniche, pelo menos até à Revolução, completava os seus orçamentos familiares com o seu labor, nas horas de que podia dispor por necessidade de se dedicar aquele artesanato, que julgo ser a Câmara local a financiar actualmente escolas, afim que a tradição não se perca.

Sendo as rendas de Peniche uma riqueza artística e patrimonial de todo um país e do seu povo, horariam também essa outra forma de arte em que consiste a Filatelia, que assim enriqueceria o próprio tema.



NOTA:

O serviço FRANQUIA do blogue mitalaia está aberto a qualquer noticiário filatélico, como sempre esteve e contiua o seu autor.



Daniel Costa











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Comentários
# portocego said: Apesar do artesanato em Portugal já ter conhecido dias melhores, pois vivemos a era do usar e por fora importada dos chamados países avançados...)), continuam a existir no nosso país temas importantíssimos para constar dos nossos selos. A renda de bilros é uma delas.

Parabéns pelo poste,

Um bom Domingo,

Daniela

[Remover este Comentário]27 January 08 at 2:28 PM# mitalaia said: Boa tarde Daniela

É falar do que nos foi próximo!...

De facto, de muito miúdo ficava a fazer serão e lia romances para a minha mãe enqunto esta fazia a sua renda de bilros.

Quando foi preciso lá em casa mais um banco próprio, propus-me fazê-lo e saí-me bem.

De resto, outros países, talvez com tradições menores filatelizaram rendas.

Também desejo bom Domingo.

Daniel

[Remover este Comentário]27 January 08 at 2:53 PM# Meduarda said: Daniel

os teus post engrandecem! ensina-nos um outro mundo ( pelo menos para mim ...) Gostei da prespectiva da renda de bilros como património filatélico. Mas com tanta cultura e tantos "sabores", porque não percorrer igualmente outros pontos do País? Temos tanto para mostrar!

Parabéns como sempre

bjs

Eduarda

[Remover este Comentário]27 January 08 at 10:28 PM# mitalaia said: Olá Eduarda

Daqui já sairam publicada muitas sujestões. Algumas, sem qualquer conotação estão adoptadas, mas anos depois.

Quererá isto dizer algum adiantamento na época?

Dou comigo a pensar!...

Beijos

Daniel

[Remover este Comentário]27 January 08 at 10:48 PM# naoser said: Boa tarde Daniel

Do mal, o menos, o facto de os CTT não terem uma emissão de selos alusivos às Rendas de Bilros.

Dificilmente retratariam o que laboriosas mãos entrelaçam – a filigrana da alma desenhada em finos fios

Ainda a propósito de Peniche, vou deixar aqui uma história minha, dos tempos em que galgava a costa portuguesa de lés a lés, à procura dos melhores pesqueiros. Já só me faltava a Berlenga e, cana às costas, ala no barco até à ilha. Peixe, nada!

Mas eis que, estendidinha sobre as águas cristalinas, do alto do penhasco, avisto uma nota de mil reis – sim! das antigas, no tempo em que mil escudos parecia não se conseguir gastar. Lancei-me ribanceira abaixo, mergulhei e fiz a minha melhor pescaria de todos os tempos.

Um abraço

[Remover este Comentário]28 January 08 at 1:40 PM# mitalaia said: Olá nãoser

Andei por ali muito de barco, não a pescar. Fazia-o na costa, mais navalheiras e polvos.

Rendas de bilros, a casa onde nasci tem uma sala decorada com quadros de rendas, resultou interessante.

Pelo que já vi de vários países, nos selos, também resultam atractivas.

Notas de mil?... Pareciam bons lençóes, muito bem passados a ferro!...

Havia mesmo quem as designasse por lencóis!...

Boa semana

Daniel

[Remover este Comentário]28 January 08 at 4:10 PM

Isamar disse...

Fiquei surpreendida com este blogue. Gostei. Não estive em Angola mas vivo com quem lá esteve. E ouvi muitas histórias.
Voltarei.

Beijinhods

Daniel disse...

Sofiamar

As minha histórias são simples. São capítulos de um livro proposto e está a ser apreciado.
Não há ficção, nem política. É uma vida real na guerrilha, vista a partir da caserna.

Daniel