quarta-feira, 16 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 4

DE FARO A LUANDA
No princípio da noite de 11 de Janeiro de 1962, o cais de embarque ferroviário de Faro estava apinhado de gente. Era a primeira vez que um comboio especial de tropas, com a ainda inédita farda camuflada, saia dali rumo à guerra. Tratava-se de um grade Esquadrão que estivera no quartel de Infantaria daquela cidade, à espera de embarque para o Ultramar, tal como uma bateria de Artilharia, que vinda do Porto ali estacionara também. Era preciso ter em conta, que muitos militares eram algarvios.
Além da proximidade de alguns, aconteceu que muitos ao passarem por ali cerca de três meses de juventude, com fardas nunca antes vistas, a atracção e desenvoltura do elemento feminino local fez com tivessem ficado muitos namoricos que, obviamente, se apresentavam com alguns familiares a engrossar a despedida daquela leva de soldados.
O mesmo comboio servia de transporte directo até à Rocha do Conde Óbidos, em Lisboa, onde o velho paquete "Niassa", uma parte transportador de passageiros, o restante feito para cargueiro, estava fundeado para levar um grande contingente militar rumo a Luanda.
Chegados ao alvorecer do dia doze, via directa, àquele porto. Cumpridas as praxes militares, o paquete deixando a cais, primeiro lentamente, depois conforme deixava terra firme, ia tomando a navegação normal. Até que, deixou de se avistar terra e com duas lágrimas teimosas pelo rosto de Onofre, que depois foi instalar-se nos seus aposentos:
- Um espaço que dava apenas largura para um militar se entender e pouco, para colocar os seus pertences, que se resumiam a dois sacos de lona, onde se armazenava toda a roupa de campanha.
O Tejo estava bravo naquele dia de Janeiro, as escadas que davam acesso aos porões transformados em casernas, onde tinha de passar a tropa, em breve se encheram do que a maior parte dos estômagos não podiam suportar, naquelas condições atmosféricas.
Depois de ter tomado conta da sua posição, Onofre não pôde deixar de sentir uma certa nostalgia, que se misturava com um certo sabor aventureiro, há muito acalentado. Havia de regressar para jamais sentir o pó da terra, jurava mesmo que deixaria de ser um "coitadinho", um trabalhador rural, como muitos sem saberem o que é ter palavra, ali iam sem direito a saber porquê ou para quê.
De relance olhou o passado. Tinha a força suficiente para ter sido já "um dos homens das mãos grandes", como a sua mãe desejara, porque naqueles tempos, um trabalhador rural que se destacasse, em épocas de muito trabalho, chegava a receber cem escudos de diária, enquanto normalmente, nos mesmos tempos de aperto, a tabela nunca passava dos trinta escudos. Geralmente, naquela zona, a diária de sol a sol, evidentemente, não passava de vinte e cinco escudos,
Foi assim, que o grande Onofre, nos três dias de trabalhos remunerado (fora das pequenas courelas familiares), arranjara os trezentos escudos, que juntara a alguns trocados, das suas parcas poupanças para a vida militar, que há pouco iniciara.
Já embarcado, como se iniciaram contactos de resultados promissores, a vida passada a bordo, tornara-se razoável para Onofre, porque duma apresentação resultou, a troco de alguma ajuda na cozinha, ganhar o privilégio de fazer as refeições na copa do próprio Navio, o que evitava o rancho geral e as próprias marmitas militares, um desconforto para quem viajava no mar alto, durante doze dias.
Naqueles tempos de Janeiro de 1962, vividos a bordo, entre distribuição de armas de guerra, alguns exercícios militares, muitos olhares nostálgicos e melancólicos inspirados pelo grande oceano, jogava-se diariamente a sueca. Um jogo de cartas tornado doloroso porque consistia num "cachet" de cinquenta escudos por cada risco perdido, porém o homem tinha a plena convicção de poder sair-se bem dessa perigosidade.
Aquela grande aventura passava-se noutros tempos, em que os próprios foram tornando os homens submissos, para estes destinos, como algo de privilégio.
Uma coisa ainda era lembrada da escola, foi o ensejo de por alturas do Equador, poder observar peixes voadores... muitos peixes a voar!...
A passagem do Equador foi assinalada festivamente, com a contribuição da orquestra residente, como tal, também acompanhava a expedição marítima, com todo o aparato de festa. Porém a representação mais colorida foi exibida por vários militares que viajavam a caminho da guerra.
Tudo corria, apesar de o "Niassa" transportar cerca de dois mil e quinhentos homens, quando fora concebido apenas para uns seiscentos, mais mercadorias. Em resultado, podia falar-se de um barco em que uma parte fora, para o efeito, destinado ao transporte de "condenados", tanto mais que tudo quanto fosse praça tinha além do péssimo alojamento, de se servir da coberta para refeitório, tendo o respectivo estojo militar de campanha como talher.
Por outro lado, atingido o Equador, o calor era demasiado. Para a classe das praças, o tempo de banhos, em grandes compartimentos, era limitadíssimo, dado haver tantos homens, para a pouca água possível de transportar armazenada.
A refrigeração era feita por mangas, a entrar em porões, vindas do alto. Em resultado, apesar dessa criatividade, a frescura que supostamente chegaria, foi sempre nula.
Entre conversas, ver mar, somente mar, durante doze dias, chegou finalmente a tão ansiada véspera de entrada em Luanda. Toda a gente entrou em euforia, tal era o desejo de pisar terra firme!
Enquanto a coberta da Nave se enchia de homens desejosos de voltar a avistar terra, nos porões transformados em casernas, algumas das estreitas tarimbas, que serviam de cama ou enxerga, estavam pela última vez, Até que, começou a soar o alarme de fogo a bordo, pela estreita escadaria que servia o porão, os circunstantes subiam debaixo de inúmeras faúlhas e viam com certo pânico o que se passava.
Ficou perpetuada a coragem da tripulação, que acabou por extinguir o que chegaram a ser fortes labaredas.
Logo por cima do porão que calhara ao Onofre, tinham sido edificados barracões de madeira, para armazenar os coletes de salvação que, distribuídos a todos os soldados, tinham sido já recolhidos, em fim de viagem.
Na vigília da noite, à espera da chegada a terra, presume-se que alguém fumando, deixara inadvertidamente uma ponta de cigarro rebolar por uma das aberturas que havia na base a servir de respiração aos improvisados barracões, causando o que se chegou a prever-se catastrófico.
Chegou a haver pavor, traduzido num facto deveras peculiar: De entre outros, destaco o que me parece mais hilariante, tendo como protagonista um soldado do grande Esquadrão, o 911. Ao munir-se da pistola Walter, que lhe havia sido atribuída, com a qual decidia atirar-se ao mar.
Perguntando alguém para que serviria a arma?
- Peremptório na resposta:
- " Para matar os tubarões"!
- A história durou e foi transversal a toda a campanha do Esquadrão!...
Daniel Costa –in JORNAL DA AMADORA.

2 comentários:

Cristiana Fonseca disse...

Olá Daniel,
Adorei seu espaço, muito bom
Muito obrigado pela sua visita e pelas suas palavras em meu blog,seja bem vindo, volte sempre
Beijos,
Cris

Daniel disse...

Olá Cris Fonseca

Ainda bem!...
Agora sou eu a agradecer.
A casa fica à disposição. Voltarei a passar, tanto gostar de estar em contacto com outras propostas.

Beijos
Daniel