terça-feira, 22 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 7

LIFUNE - TARI
Depois de se tomar conhecimento da devastadora acção de puro terrorismo, não só de grupos, como do então famigerado pelotão comandado pelo Alferes Robles, com a primeira resposta militar, dando consistência à máxima: "ao terrorismo só se pode responder com terrorismo", acabou por ser toda a zona afectada, a começar na vasta Região dos Dembos a norte de Luanda.
Ainda cá no "Puto", como a tropa por influências locais, se habituara a designar o Portugal da Metrópole, a 10 de Agosto de 1961, o mais forte bastião terrorista da altura, a povoação de Nambuangongo foi tomada pelo Batalhão 96 comandado pele lendário Coronel Armando Maçanita, numa verdadeira epopeia relatada pelo repórter da Emissora Nacional, Ferreira da Costa, deixando a Região temporariamente mais calma.
Era essa zona a destinada ao grande Esquadrão, que veio a substituir na fazenda Lifune - Tari uma das companhias pertencentes ao glorioso 96, que ali se fixara, depois de recuperado Nambuangongo ao então grupo de bandoleiros da UPA, tornara assim a zona mais pacificada.
Recorde-se que o pessoal comandado pelo Coronel Maçanita atingiu o grande feito com a velha espingarda Mauser, visto ser a arma que o exército possuía. Afinal o opositor, além dos "canhângulos" (espingardas improvisadas com canos rudimentares e munições feitas de vários materiais, até com pregos velhos...) e catanas, utensílios cuja utilidade, além de outras tarefas do campo locais, era a de ceifar o capim, aparecendo só aqui e além, alguma espingarda, naturalmente em mãos de superiores, a dirigir a rebelião.
A Região dos Dembos, durante um ano ficou mais calma, especialmente na parte onde estava sedeada a tropa sob o comando de Batalhão em Muxaluando.
Dali, como já se viu, partiu a sortida final para a célebre tomada da célebre povoação de Nambuangongo
Na larga extensão que servira de Base ao grande feito guerreiro, talvez um dos maiores travados por portugueses em toda a África na século XX, passaram a dominar os militares pertencentes ao Batalhão 350, comandado pele Tenente-Coronel Costa Gomes, o tal irmão do que tendo o mesmo apelido, atingiu a Presidência da República e o alto posto de Marechal.
Durante cerca de um ano, salvo algumas escaramuças, conheceu-se aquilo a que poderia chamar-se a segunda fase da guerra de Angola. Por exemplo, em períodos mensais, havia um ataque de três ou quatro tiros, num verdadeiro "bate e foge", a uma das muitas colunas militares auto transportados, por aqueles caminhos, roças e muceques destruídos e desabitados, procurando manter a soberania e a paz.
Como não havia troca de armas, visto todo o Batalhão já ir provido, com espingardas novas modernas, que por deficiente fabrico, em breve foram substituídas por G3, cuja maior eficiência era inegável.
Logo no dia sete iniciou-se o serviço destinado ao Esquadrão, que tinha a comandá-lo o Capitão João Ramiro Alves Ribeiro, um homem que já ia dando provas de talento militar, não só pela dignidade do posto, como pelos inegáveis dotes de comando, em toda a linha.
No entanto só no dia oito Onofre e os seus camaradas, mais próximos, Esquim Pinto, Teodoro e o motorista Gastão, no Jeep que lhes estava destinado, iniciaram verdadeiramente os serviços de escoltas transportadas, trabalho que lhes fora atribuído, pela sua própria especialização.
Começou com a amenidade de um pequeno itinerário, cerca de quinze quilómetros, o que dista do Tari a Vista Alegre, numa coluna destinada a transportar pão, para acompanhar as refeições de um pelotão, uma fracção do Esquadrão que, destacado, tinha a missão de assegurar presença naquele local a servir de corredor na épica tomada de Nambuangongo.
A partir desta data, entre as muitas escoltas, outros serviços no aquartelamento, muitas conversas, a escrita de cartas à família e amigos e ás cerca de dezena e meia de Madrinhas de Guerra, Onofre nunca deixara de estar activo.
Evidentemente, que se viviam a partir daquele local, inúmeros episódios, uns menos alegres e outros de puro divertimento.
Logo a dezasseis de Março, depois de um dia trabalhoso, houve ordem de ir um pelotão a Vista Alegre reforçar o ali residente, pois havia-se sentido algo estranho. Depois de muito se escutar, chegou-se á conclusão de ser nula presença de rebeldia.
Como o alarme não passara de rebate falso, já madrugada o reforço voltou à base, sem novidade.
Entretanto, começaram as batidas, essas eram efectuadas por um pelotão de militares, levando sempre por escolta um ou vários Unimogs transportando tropas, acompanhadas de um Jeep equipado com metralhadora pesada Breda e o respectivo grupo, dos três existentes, um por cada pelotão, muitas vezes calhava a Onofre, tanto mais que quase todos os dias havia os mais variados serviços exteriores.
Considera-se importante mencionar o Arsénio, também especializado em armas pesadas, na vertente morteiros, na maior parte também ao serviço de escoltas, portanto só andava em corredores compostos por picadas, tomou a opção de oferecer-se voluntariamente para se movimentar na qualidade de atirador. Não havendo desprestigio era bem aceite a ideia, acontecendo algumas vezes nas acções chamadas batidas, haver apreensão e recolha de diverso material, à mistura com Angolares.
Depois de tudo passar pelo Comandante, o dinheiro voltava sempre a quem o entregara.
O recolhido pelo Arsénio, ia logo direito a umas "cucas", para os amigos, onde nunca podia faltar o Onofre!...
Ainda nesse mês de Março, logo no dia doze houve o primeiro ferido, com pouca importância, calhou ao Alferes Faria.
Em quatro de Abril desse ano, de mil novecentos e sessenta e dois, numa das constantes operações (batidas), o Esquadrão fez os primeiros prisioneiros, dois miúdos que não terão tido a ligeireza e a sagacidade suficientes para fugirem com os progenitores. Pensa-se que, pelo menos uma morte aconteceu do lado inimigo.
Após as escoltas já, entradas nos serviços de rotina, fazendo parte da vida, que terá sido de facto a mais aventurosa do Onofre, este muito dado à nostalgia, que erroneamente podia parecer tristeza, pois o nosso homem acatara aquela fase da existência, como um pensador, sendo uma maneira de a levar como se descesse a rua assobiando uma ária, a mente conduzia-o a estados de alma, que lhe traziam recentes memórias de juventude presente.
Um dia concluiu que, afinal aquele tipo de ocupação involuntária, estava a tornar-se na aventura, que a ainda curta existência não lhe proporcionara, estava sendo o trabalho melhor remunerado até então, visto que jornadeando, aqui e além, mesmo tendo em conta épocas do ano mais promissoras, devido ao status de grandeza atingida na execução de qualquer tarefa do campo. Aquela era monetariamente a melhor conseguida, sem contar com o fornecimento de comida e vestuário.
Falar do Onofre trabalhador é mencionar, quase de certeza um dos últimos grandes trabalhadores do campo, que o Oeste possuiu.
Era assim, que muita tropa sustentava a possessão, após a Segunda Guerra Mundial, em que se estavam a tornar, independentes vários territórios ultramarinos.
A Pátria Lusitana, do Minho a Timor, a partir de um pedaço de terra chamado Portugal estava a desmoronar-se.
De qualquer modo, os militares habituavam-se, por influência nativa, sem qualquer sombra de maldade, a apelidar de "Puto" a parte da grande Nação, que se encontrava mais a norte da Europa.
Não havia dúvida, aquela guerra ainda em princípio, seria a grande semente, para tornar Portugal num verdadeiro País europeu, onde ia deixar de haver grandes homens, apenas a servir para alimentar guerras.
Naquele acantonamento, era suposto duas vezes por semana aterrar uma avioneta, transportando produtos comestíveis frescos, para alternar com os abastecimentos chegados em coluna militar, na confecção da alimentos, como também o pacote com o correio, enviado por familiares, amigos ou Madrinhas de Guerra, porém chegava a haver falhas de quinze dias e mais.
Isto revelava-se uma grande lacuna, que se podia apontar, ao que se poderia considerar uma razoável organização estratégica de serviços de retaguarda.
De uma maneira geral, todo o pessoal possuía a modéstia suficiente para sofrer, mas a falta de correio trazia grande desânimo ao grupo.
De notar que a cerca de três quilómetros do aquartelamento, já havia uma pista de terra batida, para pequenos aviões, havendo nos dias convencionados da chegada destes, um pelotão de serviço, com o fim de tomar posição de guerra, para os receber com a devida protecção anti terrorista.
Por vezes, um sargento piloto, amigo sobretudo do Primeiro-Sargento residente, que respondia pelo Esquadrão, passava por ali obviava a falha, rasando o aquartelamento, com o lançar do saco de correio para terra, onde alguém o apanhava com sofreguidão.
Chegado o primeiro dia de Páscoa, naquela zona de guerra, houve uma confraternização mais alargada, com militares artistas ali estacionados, onde se contavam dois acordeonistas.
A vinte e três de Abril o pelotão de que fazia parte a equipa do Onofre foi destacado para a Fazenda Vista Alegre, em substituição da guarnição que o Esquadrão ali mantinha sempre, como parte integrada.
Daniel Costa –in JORNAL DA AMADORA

13 comentários:

xistosa, josé torres disse...

Dez anos mais tarde,1972, estive nessa zona, dos Dembos, na abertura duma picada de Zala para Zalala.
Quem trabalhava era o pessoal da engenharia ... outros jogavam "ás cartas" ...ou fumavam 5 maços por dia.
Era o meu caso.
Mas até já me esqueci que havia "pretos" em Angola.
Negros, para mim, foram todos os que comercializaram seres humanos num tráfico para todos os portos da Europa e América.
Esses sim, eram os negros ou negreiros.
Obrigado pela visita.

Daniel disse...

Olá xistosa

Nunca passei de Nambuangomgo, mas em 62 e 63. Dez anos antes! Diferença abismal, se tivermos em conta, a chegada ao Grafanil em Janeiro de 62 e uma passagem em 63. Tinhamos estado num campo e depois regessamos a uma cidade com duas salas de cinema e "maxibombos", para Luanda.
Brincavamos, assim: Julgas que sou branco de segunda ou quê? Referência a haver soldados de côr de 2ª.
Fumar, nem na guerra me habituei. Cheguei a comprar tabaco, por desfastio, durava apenas uma manhã, depois nem o podia ver.
Sueca, como sou cerebral, joguei muito e ganhei bastante dinheiro. Gastei-o em Lisboa, a pagar estudos. O ordenado era curto!
Com a libertação, os indígenas não terão melhorado, mas!...
Acredita, que a minha estadia na guerrilha de Angola, foi uma libertação pessoal.
E o Esquadrão 297 continuará!
Eu é que fico grato.

Daniel

Alê Quites disse...

E agora?

Deixo beijos*

poetaeusou . . . disse...

*
regredi a bijagós,
,
abç,
,
*

poetaeusou . . . disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel disse...

Alê

E agora? Seguirá amanha!

Beijos
Daniel

Daniel disse...

Poetaeusou

Bijagós seria muitíssimo pior. pelo que oiço!...

Daniel

Lyra disse...

Olá!
Tropecei no teu blog e não pude deixar de contar a minha "história":
Estive em Cabinda (Angola), em 1972 e 73, com os meus pais...
Acho piada ao facto de as minha melhores recordações, imagens, cheiros, sensações e, acima de tudo, EMOÇÕES de infância serem dessa época.

Por outro lado os meus pais NUNCA falam disso.

Em tempos (há vinte e muitos anos que não tocamos no assunto)questionava o meu pai àcerca dessa época e tinha por resposta apenas explicações, nunca EMOÇÕES.

Quanto à minha mãe, quando a questionava, apenas me mostrava fotografias tiradas lá, em que eu estava presente em cenas engraçadas (eu com um chimpazé bebé, eu ao colo de um africano, muito sorridentede, de boina e coisas assim), mas EMOÇÕES...nada também.

No entanto não tenho vontade de questinar mais nada, nem sequer a razão da ausência total de EMOÇÕES por parte dos meus pais, relacionadas com essa época.

Apenas uma sensação fica: Adorava voltar lá um dia, encher a mão daquela terra avermelhada e cheirá-la! Ouviria tiros?

Parabéns pelo blog. Voltarei com toda a certeza!

Até breve.

;O)

Daniel disse...

lyra

Caso acompanhes verá que o Onofre viu outras paragens.
Sabes, que muita gente, mesmo ex-militares não gostam de falar de Angola. Há que respeitar! No fundo há pessoas que não coabitam bem com o seu drama africano
De facto a Africa é fascinante. Uma viagem a Angola, seria engraçada, mas pela que leio e pelas imagens, iamos ver os indegínas em situação pior e isso preocupa.
Chimpanzés nunca vi, no seu habitat, apenas saguins e o Onofre falará dessa experiência.
Creio que os tiros acabaram, com a morte do Sambivi, quando este deixou de ser necessário à política americana.
Passa sempre que o entenderes.
Abrigado,.

Daniel

Gasolina disse...

"Vi" distintamente o cenário...
De cervejas Cuca em punho aguardando novas da terra.

Daniel disse...

Olá Gasolina

Para muitos, o Onofre era um caso, não se tratava apenas da família, também de namoradas e Madrinhas de Guerra!
Estavamos a anos luz, das cenas que vimos agora televisionadas!

Daniel

caçador disse...

FOI PARA TODOS E PARA TODAS AS ÉPOCAS FOI BOM E RUIM MAS EU FUI EM 1965 E VOLTEI EM 1967 ESTIVE SEMPRE NO NORTE DE ANGOLA M´PALA M´POZO LUFICO CABEÇO DO TOP CABEÇO DA VELHA OU CAMPO DE AVIAÇAO NÓQUI CANGA SAO SALVADOR DO CONGO AMBRIZ AMBRIZETE E FOI POR AI QUE VI TUDO QUE ERA BICHO FEROZ QUE DE FEROZ NAO TINHAM NADA MAS TINHA DE TUDO DE BURRO DO MATO A HIENA Ó BICHO FEDORENTO MUITA FRUTA MANGAS E LARANJAS E ABACATE A GENTE NEM SABIA QUE AQUILO ERA FRUTA SEMPRE VERDE EU FALAVA ISSO DEVE SER FRUTA MAS COMO COMELA A CASCA ERA MUITO AZEDA O RESTO ERA TAMBEM AZEDO VAMOS PERGUNTAR A QUÉM SAIBA E UM ANO DEPOIS FOI UM FURRIEL PARA LÁ QUE FOI CRIADO NO BRASIL AI ELE NOS ESPELICOU COMO COMER O RUIM ABACATE NUNCA GOSTEI ABRAÇOS A TODOS

Avelino disse...

Meus caros amigos, como me deliciei por ao ler alguns dos comentários. Também eu percorri a quase totalidade dos locais referidos. Em Abril de 1962, fomos para o quitexe,(Bat.Caç.317), despois de alguns meses no Golungo Alto. Durante o tempo de tropa, por via de algumas figuras típicas que em todos as comp.s apareciam, havia efectivamente tempo te tudo e para tudo. Uns ao saber que tinham sido nomeados para uma operação militar, apressavam-se a escrever à família, mãe ou esposa, a despedir-se, pensando não regressar vivos. Outros não domiam, passando a noite inteira a chorar, enfim, havia de tudo um pouco. Quanto à minha pessoa, nunca tive problemas desses, até porque tinha ido voluntário para Angola, no lugar de um camarada que era casado e pai de filhos. Fiz algumas patrulhas e batidas por alguns desses temerosos. Aqui deixo um abraço a todos quantos cumpriram o serviço militar por aquelas paragens. Frutos tropicais, comi de tudo um pouco.