sábado, 26 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 9

A MAGIA DO RIO LIFUNE
O Rio Lifune está implantado na região onde principiou a rebelião da grande Colónia de Angola, que Portugal ia administrando em África, destinada a subverter a situação que os naturais, assim como a opinião pública mundial, consideravam injusta.
Na antiga Região dos Dembos, banhada pelo Lifune, onde o Onofre se movimentava, vivendo uma aventura, que não era mais do que o grande desejo de liberdade de conhecer novos horizontes, em resumo a mobilização para a guerra estava ali a conferir-lhe a grande oportunidade desejada.
Assim aquele Rio era a magia com que se convivia diariamente, ainda por cima, sustentava a ponte de alvenaria por onde tinha passado toda a estrutura militar que tomara á ainda rudimentar organização da UPA a "fortaleza" que esta fizera da célebre povoação de Nambuangongo, não sem antes os terroristas terem tentado destruí-la, com o sentido de cortar o avanço à coluna militar que para aí se deslocava.
Por a posição da tropa do terreno, no encaminhamento do objectivo não o permitir, só foram destruídas a maior parte das guardas laterais, bem como alguns locais onde estavam impostos os pilares dessa.
O Lifune percorria a calma região entre a Fazenda Tari, que assim ganhara o prefixo do Rio e a Fazenda que ostentava a designação da mesma corrente aquífera, de seu nome próprio Lifune, tudo por uma questão de proximidade e referência.
Todo o corredor feito picada, era o mais percorrido em viaturas, pelo Esquadrão sedeado no Tari, bem como a parte destacada na Vista Alegre a constituir também um ponto da importante rota.
Torna-se claro que o Grande Esquadrão a ocupar uma vasta zona, estava sempre em movimento, por tudo o que era picada, mesmo secundária, mas aquela era a mais directa ao Comando do Batalhão sito em Muxaluando.
Nas roças abandonadas, em virtude do terrorismo, de designações como Portugália, Quincuso e outras, situadas nas zonas de intervenção, as visitas só tinham a ver com a manutenção da soberania nacional, ao tempo tão propalada em todo o território.
Como um militar, fazendo parte de um grupo está sempre em guerra, nas quase diárias surtidas naquele corredor, sempre se passava pelo Lifune (Fazenda).
O Lifune fica logo no fim da descida, do que fora a grande povoação de Muxaluando e ao mesmo tempo centro comercial de certa importância, antes da actuação guerrilheira, do grupo denominado UPA, pelo que o Onofre e a estrutura do pelotão a que pertencia, estavam muito em acção e sempre a passar por ali, onde se cultivava um enorme palmeiral.
A grande plantação originava uma fábrica em laboração quase contínua, na produção de óleo de palma. A única que se podia encontrar naquelas latitudes.
Porém o que mais despertava entusiasmos, nos militares era a Dolores, uma preta relativamente nova, que sempre se deixava ver.
Refira-se a circunstância da raridade que representava, naquelas paragens, uma visão feminina. No entanto sabia-se da sua união conjugal ao chefe da laboração da fazenda.
Uma das atribuições que cabia aos militares, era o de também escoltar trabalhadores na safra do café, abundante e de grande qualidade na região, em fazendas que iam laborando, mesmo que os fazendeiros tivessem tido de abandonar as roças e procurado refúgio junto dos aquartelamentos, improvisados para efectivar a defesa de todos os bens da comunidade.
O rio Lifune também tinha a sua utilidade para a pesca dos lagostins, de vez em quando ia-se a determinando o ponto onde colocar armadilhas, para o efeito. Depois o resultado da pesca seguia direito à messe de Oficiais e Sargentos, porque eram eles quem beneficiava do produto.
Para essa actividade, como para todas as efectuadas fora do arame farpado a rodear as instalações, sempre tinha de haver um serviço de escolta.
No Lifune Tari, além de existir um rebanho de cabras, que se possuía por compra à tropa substituída e foi criada uma exploração agrícola cujos produtos frescos produzidos serviam muitas vezes para abastecer o rancho.
Os soldados a colaborar na agricultura, faziam-no sempre devidamente armados. O Sargento que se encarregava do comando daquela exploração, depressa tomou o cognome de "Lavrador".
Coisas que também os rapazes, mesmo em guerra não se cansavam de inventar, no caso partindo do atribuído a um monarca da primeira dinastia.
A vinte e nove de Julho, foi dia de outra integração, pelas três da manhã, em escolta de protecção a um outro pelotão do Esquadrão a participar numa das muitas operações militares, incluindo incursões no denso matagal, com o objectivo de reduzir o terreno desfrutado a belo prazer pelos bandidos da mata.
Consumada a operação terrestre, enquanto os elementos de serviço, em grupo motorizado deixando, como acontecia regra geral, em sentido contrário os soldados atacantes foram recolhidos a meio da manhã pela mesma força, numa via trasversal situada num ponto pré determinado.
Veio a saber-se terem sido feitas várias baixas.
E tempo de expressar-se, desde já, que as mortes infligidas a terroristas em plena mata, ficavam à conta dos seus camaradas. Obviamente o transporte feito pelas tropas regulares era impossível. Por outro lado deve ficar claro que, no Esquadrão, era ponto assente que só se recorria à força de tiroteio, depois de dada ordem para os opositores se entregarem.
Aquela guerra visava apenas a integração. Passada a fase da grande violência terrorista, a força de retaliação, queria evitar represálias.
Estas eram as ordens emanadas dos comandos e eram respeitadas escrupulosamente no Esquadrão 297.
Por esta altura tornava-se muito frequente as idas a Quimoche.
Enquanto se recuperava material de construção, não deixava de estar em acção um objectivo principal, a vigilância do perímetro adstrito àquela força expedicionária. No âmbito desse desiderato havia já um pelotão, do grande quartel da cidade de Nova Lisboa, constituído por militares locais, em que só o superior, um alferes, um sargento e dois cabos eram brancos.
Era aí na Fazenda Três-Marias, a base para em muitos regressos, se efectivar os ranchos relativos a almoços.
Sempre no âmbito da operacionalidade, coube ao Onofre e companheiros, participarem em mais uma escolta, onde só se contou a apreensão de valiosos documentos e variados objectos.
A dez de Agosto houve novo destacamento de substituição em Vista Alegre. Além da continuidade em posição operacional, foi retomado o que já se tornara rotineiro: Posição adaptada à espera de entrar em combates de guerra!...
Em vinte e quatro de Agosto, numa viagem, ao Tari, tomou-se conhecimento, que um dos pelotões, numa operação, haviam aprisionado duas mulheres.
Agosto de 1962, dia vinte e nove, a tropa do Esquadrão numa acção de assalto, a que se ia dando a denominação de batida, fez várias baixas e apanhou um casal, cuja condição de terrorista não seria adequada, pelo que enquanto permaneceu no Tari, não foi muito molestado nos normais e habituais interrogatórios, que estes casos exigiam.
No dia doze de Setembro, foi a vez do Onofre, em substituição alinhar numa batida apeado.
Pela única vez, andou cerca de oito horas embrenhado na mata e no capim. Deu para entender melhor o grande esforço desenvolvido pelo Esquadrão.
Nada tendo resultado, serviu apenas para ver um terrorista de longe, fuga desordenada fora do alcance de trajectórias balísticas, com o armamento disponível ou com perseguição, naquele terreno com vegetação tão exuberante, sempre mais favorável a fugitivos conhecedores do meio.
No dia dezassete, ainda no mês de Setembro, de novo formado pelo pelotão do Onofre, com a metralhadora pesada Breda, montada no Jeep que este comandava, constituído para, a partir das duas da madrugada entrar em nova batida, onde foram efectuados mais mortos.
Recorda-se aqui o vinte e sete de Setembro, em que numa missão das habituais escoltas, desta vez a Mucondo, no caminho foi avistado e caçado um javali: Foi necessário todo um pelotão, o efectivo da tropa em movimento, para efectuar a caça à peça, que depois serviu uma refeição, com a verificação de que seria difícil na metrópole uma mesa de carne tão saborosa.
No seio de uma guerrilha, como a que se verificava, se vista com espírito de aventura, como o Onofre, pode encontrar-se momentos agradáveis. Numa altura em que se ia desenvolvendo imensa luta com o inerente trabalho para quem fazia com que o terrorismo reconhecesse ali predominar o Grande Esquadrão.
Em virtude da amizade muito pessoal e próxima que o Onofre mantinha com o Jaime, um dos poucos a possuir um rádio portátil a operar naquele acampamento, algures numa mata a Norte, em quartel militar, a audição do receptor era um dos entretenimentos disponíveis. Como os inúmeros postos emissores difundiam para os muitos contingentes militares que ocupavam a zona envolvida pela guerrilha, todos tinham já na grelha de programas, vários de discos pedidos, muitos dos quais chegavam de familiares, amigos e Madrinhas de Guerra, vindas do Continente.
Nomes em voga muito passados nessa altura, além de outros eram os de António Prieto (latino-americano), Paul Anka (Canadiano), Frank Sinatra (americano), Gelú (espanhola), Ângela Maria (brasileira), Fernando Farinha, "Os Planetas da Kaala" (grupo de militares aprestar serviço em Angola), "Conjunto Maria Albertina") ou Raúl Solnado (mormente com a "História da Ida à Guerra").
As Madrinhas de Guerra constituíam também um paliativo para ajudar na passagem daqueles tempos, portanto a chegada da avioneta à pista do aquartelamento era muito saudada. Não se pensava tanto na carne, peixe e outros frescos que deveria transportar, bissemanalmente para a alimentação, mas o correio, no qual devia vir correspondência das mesmas!...
Onofre parecia viver obcecado por aquela que sempre adocicou a sua existência por toda a comissão, marcando constante presença.
Era a Ana Zé, que mantendo a sua obsessão, hesitou em subir de "posto", como se diria em conversas de caserna, encontrando sempre uma bondade incomensurável da parte do Onofre!...
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

16 comentários:

Nil Borba disse...

Daniel,

Terei de voltar aqui para ler com mais calma seu post. Pelo tamanho e complexidade devido minha distância do assunto..ok?

Obrigada pelo carinho de sua visita
beijos

Carlos Rebola disse...

Daniel um abraço

E bom Domingo

O nosso presente só é possível por houve um passado...

África, Angola uma paixão...

Mais um abraço
Carlos Rebola

Lúcia Laborda disse...

Oie Daniel! Vim agradecer a visita e o carinho deixado lá em casa. Estou voltando devagarzinho e agradecendo o apoio dos amigos.
A história de Angola, apesar de distante, me faz ver o quanto estamos distantes de sermos considerados "humanos". Nos assumimos proprietários do planeta e com direitos a mandar e dizimar povos. Triste pensar nesse mundo se destruindo uns aos outros.
Tenho amigos, trabalhando hoje, por lá.
Boa semana! Beijos

Daniel disse...

nilza

Grato, e passa sempre, será bem vinda.
O meu tipo de posts, será mais virado ara uma certa extensão a exigir mais disponibilidade de tempo.
Com a actual globalizaão, as distâncias ficam no virar da esquina!

Beijos
Daniel

Daniel disse...

Olá Carlos Rebola

De facto devemos sempre ter presente o passado, histórico é sempre lição de vida.
Sem dúvida, que a Africa e asua inigualável paisagem natural, ficam na memória de uma vida.

Um abraço
Daniel

Sorrisos em Alta disse...

Oi,

Obrigado pela visita.

Eu prometo voltar mais logo, para ler o texto com atenção.

Abraço

Eu sei que vou te amar disse...

Daniel mais um interessante texto que projecta as vicissitudes vividas em Angola, num tempo que mudou para sempre a mente daqueles que a sentiram!

xistosa, josé torres disse...

Tenho lido esta "infernal" descrição.
Desculpe a franqueza ... mas não costumo calar o que tenho para dizer.
Li, por aqui algures .... que fez um diário.
Tem descrições que só mesmo com "um escrito".
Mas pelo menos, pelo que me é dado ler, não inventa, como num livro recente, "Dembos, A Floresta do Medo", que li há meia dúzia de meses.
Não sei se vou continuar a "comissão", mas sempre que posso venho ler o que o, 297 VIVEU.

Daniel disse...

Olá olhos de mel

Depois de muito massacrado, o povo Angolano tem um elo na língua. Portanto Brasileiros foram sempre atracção, os portugeses também, agora mais. Daí que tenham ido amigos, a terra é grande e as suas entranhas ricas. Pode produzir de tudo!
Eu é agradeço, não esquecencento teres sido a primeira comentarista deste meu blogue, sabias?

Beijos
Danie

Lyra disse...

No edifício do pensamento não se encontra nenhuma categoria na qual possamos pousar a cabeça. Em contrapartida, que belo travesseiro é o Caos!
Não é?

Beijinhos e até breve.

;O)

Daniel disse...

Olá sorrisos em alta

Entra sempre. a casa é tua.
Obrigado!

Abraço
Daniel

Daniel disse...

Olá Nela

Curiosamente, em Angola 27 meses, que considero as férias da minha vida.
O Onfre està a fazer um relato, em jeito de aventura vivida.
Ficcionados apenas nomes de praças.
Os meus sonhos cumpriram-se, não a mente irrequieta, esse cumprimento, passou por ali.

Daniel

Daniel disse...

Olá xistosa

Os créditos são do diário pessoal, segundo creio raro, mas já com a intenção de publicar.
Por isso tentei a realidade vivida.
Seria impossível sem esse meio, a ausência de ficção.
De facto existe apenas, nos nomes de praças.
Nos livros, praticamente só aparecem versões políticas.
Esta versão se vier a ser publicada em livro, como está proposto, pelo que observei, será inédita.

Daniel

Daniel disse...

Olá lyra

A figura do caos, afigura-se-me engraçada.
No entanto o 297. Tinha comando profissional a sério. Mesmo em horas de caos, aparecia organização em toda a linha.
Que o caos, apareça apenas como figura poética!... Só assim podemos gostar do travesseiro!...

Beijinhos
Daniel

Carla disse...

África foi uma lição de vida emtantos aspectos
beijos

Daniel disse...

Olá Carla

Se foi!...
A organização militar, com os fracos meios de que dispunha, deu mostras de ser mais organizada, do que a sociedade civil.
Não é muito focado, não deve interessar, mas a guerrilha foi a génese da Revolução, sem duvida!
Houve acentuada mudança de mentalidade, do povo, com a rodagem em África.

Beijos
Daniel