quarta-feira, 30 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 11

A COMUNICAÇÃO SOCIAL
NA GUERRA DE ANGOLA
Abordar o conflito que as tropas portuguesas começaram a enfrentar em Angola, logo em 1961, sem mencionar o quanto foi retrógrada a comunicação social, que terá sido desviada da missão que lhe cabia na circunstância, pelos poderes instalados, é de extrema importância.
Em 1962 a Televisão, dava passos de apenas cinco anos, pelo que não se vê algo de televisionado, do princípio do conflito (da maka, no dizer local).
As rádios ainda estavam longe de manter sinal aberto, durante vinte e quatro horas. Apenas a Emissora Nacional tinha o seu correspondente, que não ultrapassaria o perímetro de Luanda e os grandes jornais só observariam de Lisboa o que se passava no Ultramar.
É interessante verificar o facto de só mais tarde a Rádio Televisão Portuguesa gravar e transmitir, pelo Natal, aqueles insípidos programas em que, os elementos militares em fila proferiam, algumas palavras, que faziam parte da obrigação estatal.
A mesma transmissão começou por ser cometida à Emissora Nacional, logo em 1962, numa altura em que o próprio Onofre disse não, à oportunidade proporcionada a partir da região dos Dembos.
Com a grande distância temporal, poder-se-á questionar, mesmo tendo em conta a política da época, o quanto uma maior divulgação seria importante.
No entanto a falha, nem é vista com outras intenções, a não ser a constatação de um facto do tempo da célebre frase de Salazar - "para Angola em força" - ignorando-se a necessária propaganda nos meios de comunicação.
Só de uma política passadista!...
Ao elaborar este trabalho, só há um interesse, talvez no ineditismo de se basear a proposta, no testemunho vivencial de uma praça, porquanto o tema tem tido muitas abordagens, mas ao que se pôde saber, a maior parte por escritores serviram como oficiais, o que torna as visões extremamente diferenciadas e até antagónicas.
Acrescenta-se para apoiar a tese desta grande falha, o facto de ainda por volta de 1967, portanto contemporâneo, ter tombado no conflito do Vietname um Repórter de Guerra português, ao serviço do jornal "Diário Popular", de apelido Câmara Leme.
Nos documentos da guerrilha, que a Televisão vem passando, mesmo sendo posteriores aos primeiros anos, não se conseguirá ver algum episódio a que não se possa atribuir o rótulo de encenação.
Entre os muitos sucessos, algo ocorreu no aquartelamento do Esquadrão, o Comandante estava ausente, em gozo de férias na metrópole. Interinamente fora substituído pelo tenente Araújo.
Não teria sido acaso a ausência do Capitão, pois já se sabia do rigor da sua actuação em qualquer circunstância, nos actos da sua competência, porém num determinado dia ao jantar, o que fica demonstrado, ser de verdadeiro levantamento de rancho.
Ninguém tinha vontade de comer!...
A alegação geral era a de terem ingerido algo, para a inibição de se entregarem à degustação daquele jantar.
Pareceria estranho, se não tivesse chegado o aviso a todos os militares, até com a cumplicidade dos próprios cozinheiros.
O posto de Oficial de Dia, obrigatoriamente comum em todas as unidades, dispensava a ordem de serviço, em cenário de alerta permanente, a circunstância revelou ser o alferes Faria a deter o cargo, naquela jornada.
O Onofre, mesmo estando de serviço de vigilância no torreão, com a sua observação, apenas detectou um militar a "fingir" que comia, naturalmente, de mentalidade mais fraca, instado pelo Oficial de Dia, a provar o rancho destinado naquela refeição.
Tanto bastou para o levantamento não ter sido considerado, o que traria consequências disciplinares ao mais alto nível.
No dia seguinte, mesmo na interinidade, o Comandante deslocou-se a Muxaluando, local onde estava a logística do Batalhão, para apresentar os factos ao responsável máximo.
Verificou-se assim, que tinha ocorrido algo de muito grave, originando uma formatura onde foi dado conta das providências, levadas a efeito, para que tão relevante ocorrência ficasse sanada.
Ficou registada uma frase, de certo modo humanística. Foi assim: "O que se faz nem tudo é por mal"
Terá sido a encontrada ao conferenciar com o Comandante.
O pensamento pode parecer vulgar, mas pronunciado na altura e a culminar um caso de reivindicação justa, mas de muita gravidade no seio forense, revelava mesmo um grande sentido de humanidade.
De facto, houve retaliações!
A seu tempo regressado o Capitão Alves Ribeiro, pretendeu fazer justiça, atribuindo algumas sanções com a respectiva expulsão.
No caso específico, a coerência, só podia determinar um culpado, o exclusivo alvo da contestação, o furriel especializado na manutenção alimentar.
De qualquer modo, ficava demonstrado, se isso fosse necessário, que a grande coesão do 297 era obra de um comando eficaz, a acção reivindicativa, um alienável direito. Estava em causa uma alimentação condigna, o que não estava a acontecer.
Deve admitir-se, que o território de Angola exercia uma grande atracção, não obstante estar-se a viver uma guerrilha, num obrigatório isolamento, só superado por ser exercido em grupo e pelas actividade lúdicas, que iam nascendo da criatividade inerente à juventude, como o eram por exemplo os torneios de futebol, entre pelotões, jogados num campo que havia sido construído fora dos limites do arame farpado, como primeira defesa do recinto militar.
Viviam-se os jogos a sério, visto fazer parte do Esquadrão muito material de desporto, como bolas e equipamentos.
Era possível realizar grandes partidas, até porque havia jogadores de certa valia técnica, como um elemento, que fora campeão de juniores da Europa.
Normalmente, os militares disponíveis sempre assistiam. Em virtude do recinto desportivo ser exterior ao acampamento, os assistentes muniam-se, obrigatoriamente, do seu armamento, em guerra não era permitido descurar o aspecto bélico!...
E para os que não viveram no tempo, fica aqui referido o facto de um esquadrão de cavalaria ou outra qualquer companhia, em campanha, completar-se de inúmeras actividades de entretenimento, com especialistas,
Assim, foi exibido no Tari, dedicado aos militares, evidentemente, o filme português "O Grande Elias, serão inesquecível, na circunstância!...
Três tiradas fizeram o divertimento da malta: Uma em que, num jogo da roleta o Elias aconselha o parceiro a jogar no número dezassete. Claro que ao invés de ganhar o dinheiro de que necessitava, ficou ainda mais na penúria, porém o Elias nunca o desencorajava e numa outra cena, vê-se ele a dizer ao acompanhante:
- "Pois é...como sair no dezassete"!...
A última é quando o Elias, a servir de mordomo, conquista o coração da velha tia rica e segue com ela para a América, dirigindo-se ao avião; volta-se e diz:
- "Agora!... vai ser milho"!...
Estas exclamações, entre o grupo, durante muito tempo, foram adaptadas por muito bons rapazes, que à falta de melhor, de tudo se serviam.
Como ainda se estava em tempo de tempestades tropicais, assistiu-se a várias, era a África!...
Onofre não podia deixar de observar também esse aspecto, de que guardou recordações.
A nove de Novembro 1962, pôde ficar anotada uma dessas memórias. Na pista de aterragem do Tari, onde estava de guarda a uma avioneta ali em estacionamento, havendo um calor desmedido, face ao mesmo, foi erguida uma tenda, para protecção dos raios solares, a qual veio a servir de abrigo, a qual veio a servir de abrigo de uma chuvada extremamente intensa, de seguida.
Era assim o clima tropical daquela parte de África!....
Tinha-se iniciado a cobertura defensiva da citada avioneta, adstrita a um grupo dos homens de um grupo pára quedista, em missão de "limpeza" na zona,
A operação durou até dia catorze, naturalmente com várias rendições, mas depois de passada a tempestade tropical, o tempo e o serviço até se tornavam agradáveis, mesmo dormir ao luar, fora dos necessários tempos de alerta.
Até que, precisamente nessa tarde, ouviu-se uma grande explosão, parecia que na cozinha do aquartelamento do Tari.
Pensou-se em muitas hipóteses, não tardou a resposta, visto que se estava apenas a três quilómetros. Começaram logo a chegar feridos em transportes terrestres, do ar avionetas e helicópteros, para os transportar ao Hospital Militar de Luanda.
Todo o grupo de serviço na pista, actuou a ajudar na instalação, até acarinhando os camaradas feridos, a evacuar, que em breve podiam ser assistidos.
O lance causou elevado constrangimento, marcado também por um dos hélis transportar dois feridos na parte de fora, numa espécie de caixa, dando a ideia de se tratar de caixões fúnebres.
Do acidente, resultaram duas baixas e oito feridos.
Aconteceu que, talvez por descuido, tendo regressado um pelotão de uma batida, a Bazuca ficou ligada, com a respectiva granada.
Alguém, desconhecendo o facto, terá "brincado" com a mesma, provocando o seu rebentamento.
Em termos operacionais, não se pode saber, o que teria ter acontecido de pior, se isso se o ataque terrorista previsto, à tropa em vigilância, pois de seguida ao rebentamento, ouviu-se o característico alerta, denunciado por uma batucada, o abortamento do ataque terrorista que estava em movimento.
A UPA também ouvira o estrondo, pensando ter sido descoberta, alertava para a retirada.
A operação terrorista, se levada a cabo teria sido desastrosa, uma vez que o grupo, em serviço ao campo de aterragem, se encontrava muito descontraído e o factor surpresa é importante em todas as guerras.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 10

NO DIA DO SANTO DE ASSIS
A menção de Santo tem razões várias, se outras não existissem, começa-se porque todos os Batalhões estacionados em Angola tinham o seu padre capelão, tal como o 350 usufruía do serviço religioso, a cargo de um eclesiástico graduado em Alferes, de que era componente e ia percorrendo todas as bases, rezando missas dominicais, aquando passava em cada sede de esquadrão. Aconteceu diversas vezes na posição do 297.
Naquela zona de mato, só se conhecida a capela de Nambuangongo, o clérigo que pertencia e acompanhava espiritualmente esta Cavalaria, era munido dum altar portátil, tipo mala de viagem, para a concretização dessas funções.
Ainda em 1962 o comandante do grande Esquadrão, Capitão Alves Ribeiro, que ia dando mostras, em todas as circunstâncias do seu valor militar, como comandante de operações, da sua capacidade organizacional e estética, com as matérias primas que iam vindo de Quimanoche, transformara por inteiro o complexo operacional do Tari, provendo-o duma caserna para cada pelotão, o que tornava muito mais prática a reunião, sempre de madrugada, porque o sigilo das acções levadas a cabo, só naquela hora era um pouco revelado, ao acordar os elementos de cada pelotão, sem ter de passar a outros canais.
Além de melhores condições de operacionalidade, contava-se com a colaboração do Lopes Cabanda, como guia eficaz, em virtude de conhecer o terreno, tudo factores, que em muito aumentavam a eficácia do Esquadrão.
Chegado a dia quatro de Outubro, que o capelão saberia de cor ser o de S. Francisco de Assis, não só pela sua importância, mas também, por ser mencionada em todos os calendários litúrgicos.
Pois no dia da celebração do famoso Santo, na caserna onde se encontrava instalado o Onofre e o seu "staff", a madrugada esteve muito agitada, alertavam-se todos os elementos, porém eram excluídos os especialistas que poderiam fazer funcionar a metralhadora Breda, contra o usual nestes casos.
O dia do Santo que nascera em Assis, Itália, no seio de riqueza e ali havia feito votos de pobreza, a que se dedicou até à morte, acabaria por ser o mais promissor da existência do Esquadrão.
A azáfama madrugadora, na caserna acabou por ser frutuosa, foram eliminados vários terroristas, enquanto se contavam em número de dezanove os forçados a entregarem-se, escolhendo a sobrevivência.
Aconteceu um outro facto, menos dignificante:
Desse grupo fazia parte uma trabalhadora do sexo, eventualmente, em cuja laboração se empenhou parte da noite. Naturalmente, com a passividade oficial, que terá ao mesmo tempo estipulado o custo de cada "volta".
No mesmo mês de Outubro, precisamente no dia dez, numa batida efectuada por outro pelotão de serviço, resultou o aprisionamento de mais dois elementos afectos ao terrorismo.
Depois das novas instalações, passou ao Tari uma companhia em, deslocação. Em casos destes, o comandante da força em movimento, conferenciava com o homólogo local.
Todas as conferências, nestas paragens de intervenção eram, necessariamente demoradas, desta movimentação, resultou todos os elementos jantarem localmente.
Findo o repasto, com o objectivo sofisma de bem receber os visitantes, numa das novas casernas começaram os dois acordeonistas do Esquadrão a actuar. Tinha-se criado a configuração de um arraial em terras de província.
A breve trecho a luz com apagada, como por encanto, deixou de funcionar e os quicos, que cobriam as cabeças dos militares em trânsito voaram.
Foi a mais ousada recolha daquela peça de vestimenta, tornada em estima para muitos, por servir de entretenimento para os rapazes do Tari.
No dia vinte e três de Outubro, havia intranquilidade no comando do Batalhão, sito em Muxaluando, uma coluna militar a rodar para aquela posição, foi atacada, sofrendo duas baixas mortais, mais alguns feridos.
Era um dia de muita chuva, vários acampamentos da região estavam também a ser atacados e todo o pelotão do Onofre estava de prevenção face ao conflito, tendo depois seguido em missão de auxílio.
Chegado o reforço, foi-lhe destinada uma ida a Nambuangongo, com o fim de trazer, sobre escolta, um pronto socorro, afim de recolher as viaturas sinistradas no ataque que destruiu a sua autonomia de locomoção.
Não havia viatura do género, à altura pelo que, sempre pronta a entrar em acção, a coluna voltou como tinha seguido e ficava na sede do Batalhão alerta para actuar.
Como entretanto, tinham seguido outros reforços disponíveis, os mesmos ao voltarem foram surpreendidos com o rebentamento duma mina anti carro, a primeira com que o Batalhão se deparou, talvez uma daquelas que deu início a novo tipo de guerrilha.
Resultaram vários feridos, entre eles, um Alferes, que ficou com as pernas praticamente decepadas. Veio a ser baixa mortal, já verificada no posto de socorros de Muxaluando.
No mesmo dia, a aviação interveio, serviu apenas para verificar terem ficado no terreno algumas viaturas destruídas.
Da facto, depois de um período mais calmo na actividade terrorista, tinha começado uma nova fase da guerrilha e por causa das minas anti carro os oficiais deixaram de andar na frente nos Jeeps pessoais, para andarem nos Unimogs, fazendo parte integrante do pessoal, que estes transportavam.
Na dianteira de cada coluna, passou a seguir uma camioneta GMC, extremamente pesada e com uma frente grande a qual podia provocar o rebentamento sem afectar o próprio condutor.
Aquele monstro passou a andar com a caixa cheia de sacos de areia, afim de se tornar ainda mais pesado e por isso menos vulnerável.
As GMC e outros veículos, que dotavam todas as companhias militares, tinham sido resultado de resíduos da motorização, que tinha servido a Segunda Grande Guerra, vindo depois para Portugal.
O grande conflito tinha chegado ao fim em 1945, havia poucos anos em 1962, afinal todos os militares tinham nascido ainda no tempo em que o maior conflito bélico do mundo grassava.
Ao passar a noite de sete, precisamente à uma hora calhou de novo a Onofre e companhia, com outras unidades, integrar uma escolta. Por alguns dias, a força de cobertura da deslocação a proceder a uma importante operação, esteve aquartelado na Fazenda Três-Marias. A dormida era conjunta com os colonos, que se encarregavam de zelar nos trabalhos a efectuar por nativos de raça bailunda, por mais fácil e de adaptação mais dócil.
A trinta e um foi a guarnição ao encontro da tropa em operação, na picada próxima, com passagem pelos destroços das viaturas, momentaneamente abandonadas, transportando alguns de imediato.
A seguir, logo a um de Novembro, houve mais uma espécie de destacamento para Muxaluando de um grupo do pelotão a que Onofre pertencia, a missão era a da equipa da Breda escoltar o grupo de militares do esquadrão do comando que foram escalados para transportar o resto dos destroços das viaturas que tinham ficado nos terreno, após o duro golpe sofrido na picada, havia poucos dias, o que veio a acontecer.
Depois de realizada a operação, Onofre, Esquim Pinto, Teodoro e Gastão, com todo o equipamento, ficaram três dias junto do Batalhão, o que depois dos acontecimentos, emprestava maior segurança, já que aquele aquartelamento não estava munido de equipas de metralhadoras pesadas, ao contrário dos restantes três esquadrões.
Em Muxaluando ouvia-se comentar, seriam aquelas armas pesadas, que os terroristas apelidavam de costureirinhas, pela rapidez e poder de fogo que, realmente possuíam, se encontravam em segurança.
No breve destacamento, para um observador e com espírito aventureiro, tudo servia de reflexão.
Então um dia assistiu a um daqueles desafios de futebol, não tão improvisado, como poderia parecer, porque era vulgar em qualquer acampamento militar, observou um dos guarda-redes, o segundo comandante da força, o Major Caldeira, já com idade. Pelo elevado posto, não lhe seria apropriada a dedicação àquele exercício, mesmo usado uma camisola regulamentar, por ser um pouco forte para poder vestir a camisola do próprio equipamento.
Ora, já era do conhecimento geral, o homem padecer da "bola", tanto mais que era um bom motivo para conversas anedóticas, entre os seus comandados.
Já era conhecido pela alcunha do "pai da Cuca", pela dedicação à bebida alcoólica, mais usada na colónia de Angola.
Diga-se que nas cantinas da tropa, o seu custo ficava em metade, o que se tornava mais um aliciante.
No dia quatro, deu-se o regresso ao Tari, não sendo novidade absoluta, na parede de uma das casernas, a primitiva que continuava a funcionar, só com um pelotão, ver-se num nicho, uma imagem da Senhora de Fátima.
O ícone, uma espécie de troféu apreendido numa batida, teria sido arrancando pelos terroristas em alguma fazenda abandonada, depois de atacada.
O Comandante Alves Ribeiro achou por bem mandar colocá-la num nicho, bem visível, na parede do grande edifício, que apesar de sido arranjado, nomeadamente na cobertura, depois de danificada pela guerrilha, permaneceu com a pedra da parede à vista.
Daniel Costa – in JORNA DA AMADORA

sábado, 26 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 9

A MAGIA DO RIO LIFUNE
O Rio Lifune está implantado na região onde principiou a rebelião da grande Colónia de Angola, que Portugal ia administrando em África, destinada a subverter a situação que os naturais, assim como a opinião pública mundial, consideravam injusta.
Na antiga Região dos Dembos, banhada pelo Lifune, onde o Onofre se movimentava, vivendo uma aventura, que não era mais do que o grande desejo de liberdade de conhecer novos horizontes, em resumo a mobilização para a guerra estava ali a conferir-lhe a grande oportunidade desejada.
Assim aquele Rio era a magia com que se convivia diariamente, ainda por cima, sustentava a ponte de alvenaria por onde tinha passado toda a estrutura militar que tomara á ainda rudimentar organização da UPA a "fortaleza" que esta fizera da célebre povoação de Nambuangongo, não sem antes os terroristas terem tentado destruí-la, com o sentido de cortar o avanço à coluna militar que para aí se deslocava.
Por a posição da tropa do terreno, no encaminhamento do objectivo não o permitir, só foram destruídas a maior parte das guardas laterais, bem como alguns locais onde estavam impostos os pilares dessa.
O Lifune percorria a calma região entre a Fazenda Tari, que assim ganhara o prefixo do Rio e a Fazenda que ostentava a designação da mesma corrente aquífera, de seu nome próprio Lifune, tudo por uma questão de proximidade e referência.
Todo o corredor feito picada, era o mais percorrido em viaturas, pelo Esquadrão sedeado no Tari, bem como a parte destacada na Vista Alegre a constituir também um ponto da importante rota.
Torna-se claro que o Grande Esquadrão a ocupar uma vasta zona, estava sempre em movimento, por tudo o que era picada, mesmo secundária, mas aquela era a mais directa ao Comando do Batalhão sito em Muxaluando.
Nas roças abandonadas, em virtude do terrorismo, de designações como Portugália, Quincuso e outras, situadas nas zonas de intervenção, as visitas só tinham a ver com a manutenção da soberania nacional, ao tempo tão propalada em todo o território.
Como um militar, fazendo parte de um grupo está sempre em guerra, nas quase diárias surtidas naquele corredor, sempre se passava pelo Lifune (Fazenda).
O Lifune fica logo no fim da descida, do que fora a grande povoação de Muxaluando e ao mesmo tempo centro comercial de certa importância, antes da actuação guerrilheira, do grupo denominado UPA, pelo que o Onofre e a estrutura do pelotão a que pertencia, estavam muito em acção e sempre a passar por ali, onde se cultivava um enorme palmeiral.
A grande plantação originava uma fábrica em laboração quase contínua, na produção de óleo de palma. A única que se podia encontrar naquelas latitudes.
Porém o que mais despertava entusiasmos, nos militares era a Dolores, uma preta relativamente nova, que sempre se deixava ver.
Refira-se a circunstância da raridade que representava, naquelas paragens, uma visão feminina. No entanto sabia-se da sua união conjugal ao chefe da laboração da fazenda.
Uma das atribuições que cabia aos militares, era o de também escoltar trabalhadores na safra do café, abundante e de grande qualidade na região, em fazendas que iam laborando, mesmo que os fazendeiros tivessem tido de abandonar as roças e procurado refúgio junto dos aquartelamentos, improvisados para efectivar a defesa de todos os bens da comunidade.
O rio Lifune também tinha a sua utilidade para a pesca dos lagostins, de vez em quando ia-se a determinando o ponto onde colocar armadilhas, para o efeito. Depois o resultado da pesca seguia direito à messe de Oficiais e Sargentos, porque eram eles quem beneficiava do produto.
Para essa actividade, como para todas as efectuadas fora do arame farpado a rodear as instalações, sempre tinha de haver um serviço de escolta.
No Lifune Tari, além de existir um rebanho de cabras, que se possuía por compra à tropa substituída e foi criada uma exploração agrícola cujos produtos frescos produzidos serviam muitas vezes para abastecer o rancho.
Os soldados a colaborar na agricultura, faziam-no sempre devidamente armados. O Sargento que se encarregava do comando daquela exploração, depressa tomou o cognome de "Lavrador".
Coisas que também os rapazes, mesmo em guerra não se cansavam de inventar, no caso partindo do atribuído a um monarca da primeira dinastia.
A vinte e nove de Julho, foi dia de outra integração, pelas três da manhã, em escolta de protecção a um outro pelotão do Esquadrão a participar numa das muitas operações militares, incluindo incursões no denso matagal, com o objectivo de reduzir o terreno desfrutado a belo prazer pelos bandidos da mata.
Consumada a operação terrestre, enquanto os elementos de serviço, em grupo motorizado deixando, como acontecia regra geral, em sentido contrário os soldados atacantes foram recolhidos a meio da manhã pela mesma força, numa via trasversal situada num ponto pré determinado.
Veio a saber-se terem sido feitas várias baixas.
E tempo de expressar-se, desde já, que as mortes infligidas a terroristas em plena mata, ficavam à conta dos seus camaradas. Obviamente o transporte feito pelas tropas regulares era impossível. Por outro lado deve ficar claro que, no Esquadrão, era ponto assente que só se recorria à força de tiroteio, depois de dada ordem para os opositores se entregarem.
Aquela guerra visava apenas a integração. Passada a fase da grande violência terrorista, a força de retaliação, queria evitar represálias.
Estas eram as ordens emanadas dos comandos e eram respeitadas escrupulosamente no Esquadrão 297.
Por esta altura tornava-se muito frequente as idas a Quimoche.
Enquanto se recuperava material de construção, não deixava de estar em acção um objectivo principal, a vigilância do perímetro adstrito àquela força expedicionária. No âmbito desse desiderato havia já um pelotão, do grande quartel da cidade de Nova Lisboa, constituído por militares locais, em que só o superior, um alferes, um sargento e dois cabos eram brancos.
Era aí na Fazenda Três-Marias, a base para em muitos regressos, se efectivar os ranchos relativos a almoços.
Sempre no âmbito da operacionalidade, coube ao Onofre e companheiros, participarem em mais uma escolta, onde só se contou a apreensão de valiosos documentos e variados objectos.
A dez de Agosto houve novo destacamento de substituição em Vista Alegre. Além da continuidade em posição operacional, foi retomado o que já se tornara rotineiro: Posição adaptada à espera de entrar em combates de guerra!...
Em vinte e quatro de Agosto, numa viagem, ao Tari, tomou-se conhecimento, que um dos pelotões, numa operação, haviam aprisionado duas mulheres.
Agosto de 1962, dia vinte e nove, a tropa do Esquadrão numa acção de assalto, a que se ia dando a denominação de batida, fez várias baixas e apanhou um casal, cuja condição de terrorista não seria adequada, pelo que enquanto permaneceu no Tari, não foi muito molestado nos normais e habituais interrogatórios, que estes casos exigiam.
No dia doze de Setembro, foi a vez do Onofre, em substituição alinhar numa batida apeado.
Pela única vez, andou cerca de oito horas embrenhado na mata e no capim. Deu para entender melhor o grande esforço desenvolvido pelo Esquadrão.
Nada tendo resultado, serviu apenas para ver um terrorista de longe, fuga desordenada fora do alcance de trajectórias balísticas, com o armamento disponível ou com perseguição, naquele terreno com vegetação tão exuberante, sempre mais favorável a fugitivos conhecedores do meio.
No dia dezassete, ainda no mês de Setembro, de novo formado pelo pelotão do Onofre, com a metralhadora pesada Breda, montada no Jeep que este comandava, constituído para, a partir das duas da madrugada entrar em nova batida, onde foram efectuados mais mortos.
Recorda-se aqui o vinte e sete de Setembro, em que numa missão das habituais escoltas, desta vez a Mucondo, no caminho foi avistado e caçado um javali: Foi necessário todo um pelotão, o efectivo da tropa em movimento, para efectuar a caça à peça, que depois serviu uma refeição, com a verificação de que seria difícil na metrópole uma mesa de carne tão saborosa.
No seio de uma guerrilha, como a que se verificava, se vista com espírito de aventura, como o Onofre, pode encontrar-se momentos agradáveis. Numa altura em que se ia desenvolvendo imensa luta com o inerente trabalho para quem fazia com que o terrorismo reconhecesse ali predominar o Grande Esquadrão.
Em virtude da amizade muito pessoal e próxima que o Onofre mantinha com o Jaime, um dos poucos a possuir um rádio portátil a operar naquele acampamento, algures numa mata a Norte, em quartel militar, a audição do receptor era um dos entretenimentos disponíveis. Como os inúmeros postos emissores difundiam para os muitos contingentes militares que ocupavam a zona envolvida pela guerrilha, todos tinham já na grelha de programas, vários de discos pedidos, muitos dos quais chegavam de familiares, amigos e Madrinhas de Guerra, vindas do Continente.
Nomes em voga muito passados nessa altura, além de outros eram os de António Prieto (latino-americano), Paul Anka (Canadiano), Frank Sinatra (americano), Gelú (espanhola), Ângela Maria (brasileira), Fernando Farinha, "Os Planetas da Kaala" (grupo de militares aprestar serviço em Angola), "Conjunto Maria Albertina") ou Raúl Solnado (mormente com a "História da Ida à Guerra").
As Madrinhas de Guerra constituíam também um paliativo para ajudar na passagem daqueles tempos, portanto a chegada da avioneta à pista do aquartelamento era muito saudada. Não se pensava tanto na carne, peixe e outros frescos que deveria transportar, bissemanalmente para a alimentação, mas o correio, no qual devia vir correspondência das mesmas!...
Onofre parecia viver obcecado por aquela que sempre adocicou a sua existência por toda a comissão, marcando constante presença.
Era a Ana Zé, que mantendo a sua obsessão, hesitou em subir de "posto", como se diria em conversas de caserna, encontrando sempre uma bondade incomensurável da parte do Onofre!...
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quinta-feira, 24 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 8

VISTA ALEGRE

A substituir a guarnição ali instalada, chegados à Fazenda Vista Alegre, local do percurso da tropa do Tenente Coronel Maçanita, no ataque final ao bastião dos terroristas da UPA, agrupados na povoação de Nambuangongo, retomada alguns meses antes. A troca dera-se de imediato, uma vez os militares pertencerem ao mesmo Esquadrão e já estarem muito rodados nos movimentos a efectuar no cenário.
O serviço de escoltas continuou. A partir daquele destacamento saia-se muito, em reconhecimento as roças vizinhas, onde se encontrava tudo destruído.
As muitas visitas que se faziam ao Tari, onde estava instalado o comando do Esquadrão, eram sempre em missão de escolta, a par de trazer a área sempre debaixo de protecção, visavam o abastecimento e sempre na mente de todos os elementos, o correio que a avioneta devia trazer duas vezes por semana, para dar o tão simples, como o esperado conforto aos militares, mas continuava a ser miragem muitas vezes, tantas quantas as falhas.
Então no Domingo 10 de Junho de 1962, numa operação levada a cabo por tropa do Tari, deu-se a primeira baixa do Esquadrão.
A bandeira estava içada a meia haste e reinava a tristeza naquele aquartelamento.
Aconteceu num reconhecimento feito a um local, bombardeado pela aviação, além da baixa, resultaram ainda quatro feridos, que acabaram por ser evacuados para o hospital militar de Luanda.
O Onofre havia travado conhecimento com um dos evacuados, numa efémera passagem pelo Hospital Militar de Elvas. A sua baixa àquela unidade teria em vista livrar-se da guerra, já que era proveniente de família abastada, que tudo podia pagar.
Na circunstância pôde ler a notícia da sua morte, num jornal luandense. Pensara-se, por via disso, que a local poderia objectivamente ser forjada, pois nunca mais o regresso daquele elemento foi verificado.
A vida nas instalações improvisadas da Fazenda Vista Alegre, com o optimismo do Onofre, era agradável e o jogo de cartas continuava uma constante dos tempos livres, pois tornara-se uma actividade rentável. Pertencendo o Picão também ao destacamento, continuava a ser o providencial parceiro.
Determinado furriel também pertencia ao pelotão e era civilmente bastante rico, logo de manhã fazia a sua abordagem para a sueca. Como era evidente, perdia todos os dias.
Naquele aquartelamento fora passada a primeira quadra dos Santos Populares, em Angola, comemorada no perímetro do próprio, com as tradicionais e festivas fogueiras.
No destacamento, além dos serviços de escoltas, inevitavelmente, estava presente a vigilância, dela dependia a relativa tranquilidade que se ia usufruindo, até que chegados a sete de Julho o pelotão regressou á base, depois de assegurado o serviço, com a substituição por outro.
Foi mesmo nesse dia, já em nova missão no corredor Tari - Vista Alegre, no célebre "bate e foge" daqueles tempos, que o Onofre e companheiros, sentiram a flagelação de uns tiros sem importância, mais para lembrar o estar-se ali a enfrentar uma guerra.
Estava a entrar-se numa fase de mais maturidade e muita actividade, naquela zona caracterizada por densa vegetação, grandes árvores e muitas plantações de cafeeiros.
Bananeiras, uma planta a poder ser considerada endémica, havia-as de várias qualidades e toda a gente tinha o seu próprio fornecimento dessa fruta, colhida numa das inúmeras sanzalas e roças abandonadas.
Ao contrário os ananases, frutos que por vezes se encontravam, nas mesmas circunstâncias, tornavam-se mais apetecíveis, mas não se reproduziam sem um tratamento, pelo que não se podiam aprovisionar individualmente.
A tropa do Tari adoptara um colono fazendeiro, a morar aí como defesa, bem como os seus trabalhadores, para guia naquela labiríntica vegetação, onde se podiam dar inúmeras voltas e se dar conta de estar sempre a caminhar para ponto de partida.
Numa operação deu-se a chegada a um local, a servir de esconderijo e habitação de elementos da UPA, tendo as sua sentinelas. Dado o alerta, verificaram-se as fugas, foi apenas apanhado um rapaz de cerca de quinze anos.
Estava ferido e escapou à chacina, por intervenção oportuna do própria Comandante do Esquadrão, a comandar a operação: É que sendo os militares muito aguerridos, ao ouvir o jovem proferir alto e bom som: "UPA... UPA... UPA!... A tropa estragou a minha vida"... Um dos mancebos não se susteve e já levantava uma catana, afim de lhe cortar o pescoço!...
No mesmo dia, o médico do Esquadrão, o Alferes Azevedo Gomes, que dava mostras de humanidade, talvez para conseguir abstrair-se e desanuviar a mente, subiu ao torreão, que servia de vigia ininterrupta ao aquartelamento, onde Onofre cumpria as suas horas de serviço.
- Deu-se, entre ambos, o seguinte diálogo:
- Dr. Azevedo Gomes: - "Passei um dia bastante preenchido, além do muito trabalho com alguns de vocês, que me têm aparecido, ainda tive de tratar o jovem prisioneiro".
- Onofre - "o Doutor aí podia aplicar determinado comprimido e ocasionar a morte".
A resposta indignada, não se fez esperar: "O médico é para tratar da cura e não da morte, mesmo de um inimigo capturado".
Deu-se também um facto, que à distância de quatro décadas, ou por isso, é para rir: Ia o Onofre no Jeep com os seus companheiros, acompanhando o respectivo pelotão, em serviço na picada que vai dar a Muxaluando.
Havia muitas perdizes, por aqueles sítios e como o apontador da Breda, o Teodoro, era amador de caça na vida civil, ao ver uma dessas aves, dispondo apenas de metralhadora pesada, a que se agarrava, apontou e zás!... Tiro!...
Era uma curva muito acentuada, própria para a ocorrência de uma emboscada.
Antes de entrar nessa, transitava uma outra coluna em sentido oposto, pertencia ao esquadrão de comando, com o próprio Tenente-Coronel nas suas próprias funções de comandante.
Tanto bastou para a segunda força abrir fogo, como lhe competia, visto que logo entendeu estar a sofrer um ataque.
Felizmente, não passou de uma brincadeira, ali pouco original, que podia ter o seu fatalismo, até no aspecto disciplinar, que não funcionou, talvez porque não foi investigada a verdadeira origem do episódio.
Na Segunda-Feira, nove de Julho, depois de ser escoltada uma missão, na volta para de regresso, constatou-se a apreensão de alguns canhângulos.
Para que pudessem efectuar a fuga, os terroristas, foram obrigados a abandoná-los.
A partir desse mesmo mês de Julho o Esquadrão iniciou grandes obras da sua base no Lifune-Tari, sendo que a referência Lifune se deve ao rio do mesmo nome, situado quase junto,
A metamorfose, que acabou por ser efectivada, ficou a dever-se aos escombros da nova povoação branca de Quimanoche. Foi dali que saíram, em várias colunas militares, todos os materiais de construção, nomeadamente madeiras para vários edifícios como mais duas casernas, para que cada pelotão tivesse a sua, com muito mais conforto.
Ficava patente o grande poder organizativo do comandante do Esquadrão, Capitão Alves Ribeiro e também do valor demonstrado por vários militares oriundos da construção civil, cujo trabalho apresentado mostrou grande perícia.
Das várias idas, um dia em duplicado, do pelotão a que pertencia o Onofre, deu para verificar que se tratava duma povoação fundada recentemente, para colonos, pois mesmo completamente destruída, sentia-se a solidez dos materiais utilizados e uma razoável grandeza, que o terrorismo acabara por aniquilar.
Entretanto continuava a registar-se um grande movimento de operações militares, que se denominavam batidas, visto que eram levadas a cabo com incursões no denso capim a rodear a imensa floresta, servindo de protecção aos grupos de "turras", como eram apelidados em simplificação.
Numa dessas acções, a dois de Julho, depois de uma actuação, a que se poderia chamar de psicossocial, pendurou-se numa árvore uma garrafa, protegendo uma mensagem, convidava todos os que viviam na clandestinidade a entregarem-se. Resultou a recolha de um elemento, que se viria a tornar precioso como guia, dado ter relevo e conhecimento da zona.
Na mesma operação, foram ainda apanhados documentos que se revelariam importantes.
Dizia-se que a população colonial ao redor não sofrera os conhecidos e horríveis massacres que haviam chegado à Fazenda Maria Fernanda, onde estava instalado outro esquadrão do Batalhão 350, porque o pai, não concordando com a operação nos moldes apresentados, retardou a respectiva informação.
O homem começou por ter uma guarda de dois militares, passando apenas a um, para depois ser como mais um militar e atingir a posição de guia, com direito a ir integrado nas operações, armado com espingarda Mauser.
Era o Lopes Cabanda, que realmente se tornou elemento incontestado a guiar os militares pela mata, na prevista intenção de pacificar a zona onde fora desencadeada a guerra no Norte de Angola.
A tropa do Tari ia assim desenvolvendo grande actividade operacional, enquanto se iam vivendo tempos de pura abstracção com envolvimento na criação de factos divertidos, como a de "roubar" o maior número de quicos possíveis. Chegou ao ponto de serem criadas estratégias interessantes, como aquela que o Belo um dia levou à prática. Uma dessas peças regulamentares foi presa a um alfinete, seguro num cordel. O contentamento gerado pelo suposto achado desvanecia-se abruptamente quando se apercebia ter caído numa armadilha.
Resta registar que os designados quicos, eram coberturas de cabeça, que faziam parte do fardamento, a usar em tempos inoperacionais.
Eram muito leves e caracterizavam por possuírem duas bandas, pendentes atrás sobre o pescoço, fazendo lembrar novas orelhas.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

terça-feira, 22 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 7

LIFUNE - TARI
Depois de se tomar conhecimento da devastadora acção de puro terrorismo, não só de grupos, como do então famigerado pelotão comandado pelo Alferes Robles, com a primeira resposta militar, dando consistência à máxima: "ao terrorismo só se pode responder com terrorismo", acabou por ser toda a zona afectada, a começar na vasta Região dos Dembos a norte de Luanda.
Ainda cá no "Puto", como a tropa por influências locais, se habituara a designar o Portugal da Metrópole, a 10 de Agosto de 1961, o mais forte bastião terrorista da altura, a povoação de Nambuangongo foi tomada pelo Batalhão 96 comandado pele lendário Coronel Armando Maçanita, numa verdadeira epopeia relatada pelo repórter da Emissora Nacional, Ferreira da Costa, deixando a Região temporariamente mais calma.
Era essa zona a destinada ao grande Esquadrão, que veio a substituir na fazenda Lifune - Tari uma das companhias pertencentes ao glorioso 96, que ali se fixara, depois de recuperado Nambuangongo ao então grupo de bandoleiros da UPA, tornara assim a zona mais pacificada.
Recorde-se que o pessoal comandado pelo Coronel Maçanita atingiu o grande feito com a velha espingarda Mauser, visto ser a arma que o exército possuía. Afinal o opositor, além dos "canhângulos" (espingardas improvisadas com canos rudimentares e munições feitas de vários materiais, até com pregos velhos...) e catanas, utensílios cuja utilidade, além de outras tarefas do campo locais, era a de ceifar o capim, aparecendo só aqui e além, alguma espingarda, naturalmente em mãos de superiores, a dirigir a rebelião.
A Região dos Dembos, durante um ano ficou mais calma, especialmente na parte onde estava sedeada a tropa sob o comando de Batalhão em Muxaluando.
Dali, como já se viu, partiu a sortida final para a célebre tomada da célebre povoação de Nambuangongo
Na larga extensão que servira de Base ao grande feito guerreiro, talvez um dos maiores travados por portugueses em toda a África na século XX, passaram a dominar os militares pertencentes ao Batalhão 350, comandado pele Tenente-Coronel Costa Gomes, o tal irmão do que tendo o mesmo apelido, atingiu a Presidência da República e o alto posto de Marechal.
Durante cerca de um ano, salvo algumas escaramuças, conheceu-se aquilo a que poderia chamar-se a segunda fase da guerra de Angola. Por exemplo, em períodos mensais, havia um ataque de três ou quatro tiros, num verdadeiro "bate e foge", a uma das muitas colunas militares auto transportados, por aqueles caminhos, roças e muceques destruídos e desabitados, procurando manter a soberania e a paz.
Como não havia troca de armas, visto todo o Batalhão já ir provido, com espingardas novas modernas, que por deficiente fabrico, em breve foram substituídas por G3, cuja maior eficiência era inegável.
Logo no dia sete iniciou-se o serviço destinado ao Esquadrão, que tinha a comandá-lo o Capitão João Ramiro Alves Ribeiro, um homem que já ia dando provas de talento militar, não só pela dignidade do posto, como pelos inegáveis dotes de comando, em toda a linha.
No entanto só no dia oito Onofre e os seus camaradas, mais próximos, Esquim Pinto, Teodoro e o motorista Gastão, no Jeep que lhes estava destinado, iniciaram verdadeiramente os serviços de escoltas transportadas, trabalho que lhes fora atribuído, pela sua própria especialização.
Começou com a amenidade de um pequeno itinerário, cerca de quinze quilómetros, o que dista do Tari a Vista Alegre, numa coluna destinada a transportar pão, para acompanhar as refeições de um pelotão, uma fracção do Esquadrão que, destacado, tinha a missão de assegurar presença naquele local a servir de corredor na épica tomada de Nambuangongo.
A partir desta data, entre as muitas escoltas, outros serviços no aquartelamento, muitas conversas, a escrita de cartas à família e amigos e ás cerca de dezena e meia de Madrinhas de Guerra, Onofre nunca deixara de estar activo.
Evidentemente, que se viviam a partir daquele local, inúmeros episódios, uns menos alegres e outros de puro divertimento.
Logo a dezasseis de Março, depois de um dia trabalhoso, houve ordem de ir um pelotão a Vista Alegre reforçar o ali residente, pois havia-se sentido algo estranho. Depois de muito se escutar, chegou-se á conclusão de ser nula presença de rebeldia.
Como o alarme não passara de rebate falso, já madrugada o reforço voltou à base, sem novidade.
Entretanto, começaram as batidas, essas eram efectuadas por um pelotão de militares, levando sempre por escolta um ou vários Unimogs transportando tropas, acompanhadas de um Jeep equipado com metralhadora pesada Breda e o respectivo grupo, dos três existentes, um por cada pelotão, muitas vezes calhava a Onofre, tanto mais que quase todos os dias havia os mais variados serviços exteriores.
Considera-se importante mencionar o Arsénio, também especializado em armas pesadas, na vertente morteiros, na maior parte também ao serviço de escoltas, portanto só andava em corredores compostos por picadas, tomou a opção de oferecer-se voluntariamente para se movimentar na qualidade de atirador. Não havendo desprestigio era bem aceite a ideia, acontecendo algumas vezes nas acções chamadas batidas, haver apreensão e recolha de diverso material, à mistura com Angolares.
Depois de tudo passar pelo Comandante, o dinheiro voltava sempre a quem o entregara.
O recolhido pelo Arsénio, ia logo direito a umas "cucas", para os amigos, onde nunca podia faltar o Onofre!...
Ainda nesse mês de Março, logo no dia doze houve o primeiro ferido, com pouca importância, calhou ao Alferes Faria.
Em quatro de Abril desse ano, de mil novecentos e sessenta e dois, numa das constantes operações (batidas), o Esquadrão fez os primeiros prisioneiros, dois miúdos que não terão tido a ligeireza e a sagacidade suficientes para fugirem com os progenitores. Pensa-se que, pelo menos uma morte aconteceu do lado inimigo.
Após as escoltas já, entradas nos serviços de rotina, fazendo parte da vida, que terá sido de facto a mais aventurosa do Onofre, este muito dado à nostalgia, que erroneamente podia parecer tristeza, pois o nosso homem acatara aquela fase da existência, como um pensador, sendo uma maneira de a levar como se descesse a rua assobiando uma ária, a mente conduzia-o a estados de alma, que lhe traziam recentes memórias de juventude presente.
Um dia concluiu que, afinal aquele tipo de ocupação involuntária, estava a tornar-se na aventura, que a ainda curta existência não lhe proporcionara, estava sendo o trabalho melhor remunerado até então, visto que jornadeando, aqui e além, mesmo tendo em conta épocas do ano mais promissoras, devido ao status de grandeza atingida na execução de qualquer tarefa do campo. Aquela era monetariamente a melhor conseguida, sem contar com o fornecimento de comida e vestuário.
Falar do Onofre trabalhador é mencionar, quase de certeza um dos últimos grandes trabalhadores do campo, que o Oeste possuiu.
Era assim, que muita tropa sustentava a possessão, após a Segunda Guerra Mundial, em que se estavam a tornar, independentes vários territórios ultramarinos.
A Pátria Lusitana, do Minho a Timor, a partir de um pedaço de terra chamado Portugal estava a desmoronar-se.
De qualquer modo, os militares habituavam-se, por influência nativa, sem qualquer sombra de maldade, a apelidar de "Puto" a parte da grande Nação, que se encontrava mais a norte da Europa.
Não havia dúvida, aquela guerra ainda em princípio, seria a grande semente, para tornar Portugal num verdadeiro País europeu, onde ia deixar de haver grandes homens, apenas a servir para alimentar guerras.
Naquele acantonamento, era suposto duas vezes por semana aterrar uma avioneta, transportando produtos comestíveis frescos, para alternar com os abastecimentos chegados em coluna militar, na confecção da alimentos, como também o pacote com o correio, enviado por familiares, amigos ou Madrinhas de Guerra, porém chegava a haver falhas de quinze dias e mais.
Isto revelava-se uma grande lacuna, que se podia apontar, ao que se poderia considerar uma razoável organização estratégica de serviços de retaguarda.
De uma maneira geral, todo o pessoal possuía a modéstia suficiente para sofrer, mas a falta de correio trazia grande desânimo ao grupo.
De notar que a cerca de três quilómetros do aquartelamento, já havia uma pista de terra batida, para pequenos aviões, havendo nos dias convencionados da chegada destes, um pelotão de serviço, com o fim de tomar posição de guerra, para os receber com a devida protecção anti terrorista.
Por vezes, um sargento piloto, amigo sobretudo do Primeiro-Sargento residente, que respondia pelo Esquadrão, passava por ali obviava a falha, rasando o aquartelamento, com o lançar do saco de correio para terra, onde alguém o apanhava com sofreguidão.
Chegado o primeiro dia de Páscoa, naquela zona de guerra, houve uma confraternização mais alargada, com militares artistas ali estacionados, onde se contavam dois acordeonistas.
A vinte e três de Abril o pelotão de que fazia parte a equipa do Onofre foi destacado para a Fazenda Vista Alegre, em substituição da guarnição que o Esquadrão ali mantinha sempre, como parte integrada.
Daniel Costa –in JORNAL DA AMADORA

domingo, 20 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 6

REGIÃO DOS DEMBOS

Uma coluna militar composta por Jepps e Unimogs acabados de estrear, adaptados com blindagens de aço, preparados para a missão de guerrilha, enquanto se ia esperando a localização da área a ocupar.
Esta foi na Região dos Dembos.
Terminado o tempo de estágio, chegou a ordem de avanço, com viagem e tomada de posição na Fazenda Lifune-Tari, situada a cerca de duzentos quilómetros a norte de Luanda.
Saídos naquela madrugada de Março, a breve trecho, todo o Batalhão de Cavalaria 350, se tinha embrenhado na viagem. Logo a sua estrutura foi assumindo, pouco a pouco outra postura. O ambiente já se ia tornando o tal de mato, definido como o habitat das tropas em combate, naquele cenário que se apresentava de guerra.
Pouco depois da saída, passou a ser facto estar desbravado o capim e toda a flora em cerca de uma dúzia de metros, dos dois lados da estrada de terra batida e ao longo de toda a extensão, que ia sendo percorrida pela coluna militar, não só para que a visibilidade fosse um facto, mas também para obviar um ataque traiçoeiro dos bandidos da mata, como eram definidos os terroristas, caindo em cima da tropa, vistos apenas quando já seria impossível um contra ataque, sem que tivessem caído uns quantos militares apanhados pela surpresa, um dos grandes trunfos de todas as guerras.
Assim, metido no grande Esquadrão, o Onofre ousava seguir sempre descontraído, como lhe era natural, o que não excluía a grande atenção patenteada em todas as acções da sua incumbência.
Chegados á primeira instalação de tropas, uma fazenda chamada Balacende, logo aí houve conhecimento de ter havido, apenas dias antes, um verdadeiro ataque terrorista cobarde, como sempre. Veio a verificar-se ser o último do género.
Consistiu no seguinte:
- Uma horda de terroristas, armados apenas com catanas e canhângulos, armas rudimentares, com que uma facção indígena havia iniciado aquele tipo de guerra, levou a efeito um assalto à mistura com imprecações como:
- A bala do branco é água... não mata!...
Evidentemente que, da surpresa resultou a queda de vários militares. A partir daí seria de prever, o que aconteceu, dava a ideia que os atacantes tinham sido criminosamente drogados, acabando todos por cair à força do poder de fogo das tropas regulares, ali estacionadas, prontas para a defesa militar de toda a zona.
Ali verdadeiramente, os militares do grande Esquadrão, começaram a sentir os perigos que lhes haviam sido destinados.
A grande aventura sempre prevista pelo Onofre, já se estava a concretizar.
De emoção em emoção, ainda no dia 5 de Março de 1962, apenas percorridas algumas dezenas de quilómetros, os novíssimos carros da coluna começavam a avariar com frequência.
Indiciava-se a pouca experiência dos condutores. De uma maneira geral, só levavam na bagagem o que tinham aprendido na instrução militar de três a quatro meses e transitavam caminhos de terra batida, designados de estradas, impróprios para condução, ainda que os carros utilizados já fossem de fabrico adaptado ao terreno.
A cada interrupção a lógica obrigava a formar-se guarda ao dispositivo militar em deslocação.
Numa dessas ocasiões, com uma verdadeira temperatura africana, já de noite, esgotados os cantis, de novo chegou a sede. Foi altura da tropa conhecer providencialmente uma árvore frondosa, existente ali naquele microclima, deitando pingos de um líquido muito fresquinho, que serviu de atenuante à irresistível vontade de refrescar as gargantas.
Embora mais vezes se viesse a sentir a necessidade daquele milagroso néctar, nunca mais seria detectado.
Ainda na mesma noite, depois de passado o dia com recurso à alimentação de reserva, bolachas de água e sal e umas latinhas de variados produtos, deu-se a chegada a um outro ponto operacional militar, designado por Beira Baixa, foi aí que se pernoitou. No caso do Onofre e seus e seus companheiros mais próximos o Jeep serviu de cama.
Como tudo o que indiciava, a instrução para a nova missão era motivo de atenta observação: Para trabalhar na fazenda logo de manhã cedo, um grupo de Bailundos formou, afim de se proceder à habitual chamada imposta pelos tempos de guerra.
Pela primeira vez era dado ao Esquadrão ver tantos pretos juntos. Depois já perto da "picada" de saída, encontrava-se uma casota, servia de cadeia a terroristas, porventura, apanhados. Ostentava a pomposa inscrição de palácio da justiça. Muito perto uma tábua em jeito de seta, apontada para Lisboa, indicava a distância respectiva em quilómetros.
Com passagem no cruzamento de Nambuangongo, depois pela fazenda Onzo, outra posição militar! Chegou-se cedo a Muxaluando, onde ia ficar o comando do Batalhão.
A alimentação continuou baseada na habitual ração de reserva.
Estávamos no dia de Carnaval de 1962.
Naquele Entrudo, ali se fez a dormida, sobre um cartão, com o bonito firmamento, como cobertura.
Mas a vida aventurosa não deixaria de continuar.
Chegados ao aquartelamento, ainda fora do recinto de arame farpado, que ladeava o perímetro do mesmo, constituindo uma primeira defesa, enquanto os militares esperavam a ordem de se instalarem, logo o Picão combinou uma banca de sueca. Debaixo de um Unimog, num jogo circunstancialmente demorado o Onofre, de parceria com o organizador, chegaram a um resultado deveras positivo, naquela actividade a que continuava a chamar lúdica, embora movimentasse largos Angolares.
Valeram as amizades, já constituídas, terem entretanto tratado da instalação, em ponto agradável nas ruínas do edifício, a que se chamou de caserna, como tinha de ser óbvio, não obstante a sua degradação, em virtude da acção do recente início de guerra.
Depois de demorar de três dias a percorrer os cerca de duzentos quilómetros, no dia sete de Março o grande Esquadrão instalara-se finalmente na Fazenda Tari-Lifune, onde iria ficar sedeada.
Da ementa do almoço daquele dia voltou a constar ração de reserva.
Já havendo as barras das camas, para servir de colchões estavam de serviço folhas de zinco, para almofadas os militares usaram feixes de capim. Não havia ainda qualquer roupa de cama.
A lógica do: - "desenrasca-te que és de cavalaria" - talvez nunca tinha tido tanto sentido de oportunidade!
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

sexta-feira, 18 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 5

ESTÁGIO NO GRAFANIL
Chegados ao porto de Luanda, após o desembarque, depois de cerca de duas horas de espera para desfilar logo ali na deslumbrante Avenida Marginal, perante as mais altas autoridades territoriais e mediante imenso povo a assistir, objectivando, desde logo, a sensação da presença militar nacional na defesa do mais rico e imenso território sob Administração Colonial Portuguesa.
Esperava ver-se apenas naturais de cor negra, porém deparam-se quase só colonos brancos, uns com o fim de se encontrarem com familiares, que tinham viajado, mas a maior parte para trocar Angolares, que não serviam de divisas, porque só localmente tinham curso legal, por Escudos que chegavam na bagagem dos novos militares.
Só esse dinheiro era possível enviar para a Metrópole, por muito que se dissesse, mesmo com todo o aparato a exibir, era outro Portugal.
Depois do aparatoso passeio, de exibição na principal Avenida da cidade, toda a tropa embarcou em camionetas militares, de caixa aberta, rumo ao que já se começava a desenhar como o Centro Militar da Colónia em guerra que, no dia quatro de Março de 1961, tinha estalado relativamente perto, em forma de ensaio.
A permanência ali, pelo menos no princípio, era tida como um estágio de adaptação ao clima africano. Depois na medida do alastramento territorial da guerrilha e do discurso célebre de António de Oliveira Salazar, imortalizado pela frase: "Para Angola em força". O Grafanil, a sete quilómetros de Luanda, passou apenas a ser ponto de passagem, para milhares de militares, ao longo de cerca de catorze anos.
Convém trazer à memória as incidências de factos, na comunidade que constituía o Esquadrão, porque a grande história é feita de pequenos episódios.
O grande Esquadrão que pertencera a princípio ao Batalhão de Cavalaria, sob o comando do Tenente-Coronel António de Spínola, veio a ser separado por motivos estratégicos.
Depois de se ter recebido a nova farda, que se iniciara a distribuir a todos os militares destinados ao Ultramar, no mesmo dia acabada de receber, voltou a ser devolvida para entregar ao Esquadrão substituto, com a agravante de muitas devoluções serem já de roupas adaptadas à morfologia dos primitivos donos.
A primeira construção do Grafanil, à beira da estrada de Luanda ao Dondo, for destinada ao Esquadrão que viera de Faro, ficando o resto do Batalhão nas seguintes. A outra tropa que já ali se encontrava, estava acomodada em tendas de campanha.
Mesmo assim, os novos habitats construídos, como equipamentos, apenas dispunham de camas, colchões e cobertores.
O restante equipamento militar de serviço era ainda muito incipiente. A comida era bem feita, mas servida em fila e para utensílios de campanha. Não havendo ainda qualquer tipo de refeitório, a refeição era degustada pelos militares espalhados a esmo pelo terreno. No mesmo já havia barracões, a servir de cantinas, onde podiam ser adquiridas bebidas refrescantes.
Grandes estruturas, para servir bebidas e frequentes banhos, num novo clima. Também para as necessidades fisiológicas, havia latrinas feitas em sulcos, com tábuas de través, onde as pessoas se equilibravam, visto que rudimentares, eram um facto. Os excrementos, usualmente, todas as manhãs eram tapados com terra por buldozeres, para evitar a propagação de focos infecciosos.
Tudo aquilo era levado à conta de aventura por Onofre, tanto mais que se estava no tempo áureo das Madrinhas de Guerra e do Serviço Postal Militar (vulgo SPM) criado já em 1961. Funcionava muito bem.
Para não ser conhecido o estabelecimento de cada Unidade, quatro dígitos fornecidos na origem, constituam a morada. Assim à chegada, entre a muita correspondência, lá estava a carta da inconfundível Ana Zé, que imprimia um cunho especial á correspondência, com as boas vindas.
Assim se viveu naquele campo, entre alguns serviços e os sempre presentes exercícios de aplicação militar, continuação da prática de movimentação do armamento e tácticas de guerra de guerrilha, tudo o que parecia útil ao serviço do perfeccionismo de combate no terreno.
Embora se tivesse partido em pleno Inverno da Europa, chegados à África estava-se na época de Verão, assim o tempo disponível, era aproveitado em gozo, na ilha do Mossulo, voltas pela cidade de Luanda, visitas aos muceques, a cervejarias, a cinemas e a outros lugares.
Nessa altura, estava estabelecido um serviço de camionetas militares de caixa aberta, para transportes de homens a horas certas, ida e volta, para o Grafanil e cidade.
Ainda incipientes estes serviços, numa estimativa um pouco aleatória, já haveria em Angola cerca de vinte e cinco mil militares, mesmo assim no portão do campo do Grafanil dava-se o estacionamento de muitos motoristas, de ligeiros a oferecer boleia, para a cidade a quem pretendesse.
Muitas visitas também se efectuavam ao nível do novel e curioso estabelecimento de tropa, normalmente eram familiares a viver na Colónia e militares conhecidos, da metrópole.
Foi um tempo deveras interessante de observar, para o ideal de juventude, aquele princípio de 1962. É evidente que dos passeis resultavam: À noite dentro da caserna, episódios, parodiados de maneira verdadeiramente espectacular. Era tudo gente muito nova à espera de entrar numa guerra que ainda ninguém conhecia, pelo que era presente o convite ao alheamento, se bem que já chegassem as más notícias da frente de combate.
Tudo servia de “charge”: Havia um repórter chamado Ferreira da Costa, que ao serviço da Emissora Nacional, diariamente emitia para Lisboa, na sua voz meio roufenha, meio arrastada, dava notícias individuais, naturalmente a quem as solicitava. Eram sempre boas, por regra.
Então surgia, normalmente á noite: "Minha senhorra o seu filho está bem... anda de muletas, ou este outro exemplo: "Minha senhorra o seu filho está bem... está no cemitério de Luanda".
Esta era uma maneira de brincar com a tropa, como por vezes se dizia.
Uma forma, digamos que lúdica continuou, sempre como parceiro um beirão, um amigo peculiarmente interessante, talvez por isso era-o do peito, de nome Arsénio. Não era um bom executante daquele jogo, que exigia um bom coeficiente de inteligência, porém ficava sempre com bons trunfos. Parecia um predestinado ganhador. Como o Onofre já lhe administrara algumas instruções, depois da primeira ronda de cada risco, ficava logo com uma leitura do jogo e exercia o controle adequado, acabando a peleja no mínimo empatada, nunca havia perdas.
Daí veio inesperada "promoção", depois de uma dessas disputas, um elemento adversário que obviamente mais uma vez perdera, o Picão, cujo acompanhamento dos métodos, o fizera considerar, confraternizou e a propósito afirmou peremptório: "Onofre és bom demais para meu opositor.... A partir de agora passarás a ser parceiro".
Assim foi, com excelentes resultados! Sendo já previsíveis, o grande amigo Arsénio foi avisado para a não participação, porque mesmo com bons trunfos, passaria à condição de perdedor.
Chegados a segunda feira, cinco de Março, logo de manha cedo, já munidos para enfrentar finalmente, o estado de guerra a sério, todo o Batalhão comandado pelo Tenente-Coronel Costa Gomes, que se dizia estar ali voluntariamente, para amenizar a dissidência com Salazar, de que fora Subsecretário, em relação ao conflito.
Convém destacar, que este Oficial Superior viria a ser hospitalizado em Luanda, veio a falecer de morte natural em Lisboa, durante a comissão.
O apelido de Costa Gomes, igual ao do que foi Presidente da República, tem a ver com parentesco próximo.
Daniel Costa – in JORNA DA AMADORA

quarta-feira, 16 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 4

DE FARO A LUANDA
No princípio da noite de 11 de Janeiro de 1962, o cais de embarque ferroviário de Faro estava apinhado de gente. Era a primeira vez que um comboio especial de tropas, com a ainda inédita farda camuflada, saia dali rumo à guerra. Tratava-se de um grade Esquadrão que estivera no quartel de Infantaria daquela cidade, à espera de embarque para o Ultramar, tal como uma bateria de Artilharia, que vinda do Porto ali estacionara também. Era preciso ter em conta, que muitos militares eram algarvios.
Além da proximidade de alguns, aconteceu que muitos ao passarem por ali cerca de três meses de juventude, com fardas nunca antes vistas, a atracção e desenvoltura do elemento feminino local fez com tivessem ficado muitos namoricos que, obviamente, se apresentavam com alguns familiares a engrossar a despedida daquela leva de soldados.
O mesmo comboio servia de transporte directo até à Rocha do Conde Óbidos, em Lisboa, onde o velho paquete "Niassa", uma parte transportador de passageiros, o restante feito para cargueiro, estava fundeado para levar um grande contingente militar rumo a Luanda.
Chegados ao alvorecer do dia doze, via directa, àquele porto. Cumpridas as praxes militares, o paquete deixando a cais, primeiro lentamente, depois conforme deixava terra firme, ia tomando a navegação normal. Até que, deixou de se avistar terra e com duas lágrimas teimosas pelo rosto de Onofre, que depois foi instalar-se nos seus aposentos:
- Um espaço que dava apenas largura para um militar se entender e pouco, para colocar os seus pertences, que se resumiam a dois sacos de lona, onde se armazenava toda a roupa de campanha.
O Tejo estava bravo naquele dia de Janeiro, as escadas que davam acesso aos porões transformados em casernas, onde tinha de passar a tropa, em breve se encheram do que a maior parte dos estômagos não podiam suportar, naquelas condições atmosféricas.
Depois de ter tomado conta da sua posição, Onofre não pôde deixar de sentir uma certa nostalgia, que se misturava com um certo sabor aventureiro, há muito acalentado. Havia de regressar para jamais sentir o pó da terra, jurava mesmo que deixaria de ser um "coitadinho", um trabalhador rural, como muitos sem saberem o que é ter palavra, ali iam sem direito a saber porquê ou para quê.
De relance olhou o passado. Tinha a força suficiente para ter sido já "um dos homens das mãos grandes", como a sua mãe desejara, porque naqueles tempos, um trabalhador rural que se destacasse, em épocas de muito trabalho, chegava a receber cem escudos de diária, enquanto normalmente, nos mesmos tempos de aperto, a tabela nunca passava dos trinta escudos. Geralmente, naquela zona, a diária de sol a sol, evidentemente, não passava de vinte e cinco escudos,
Foi assim, que o grande Onofre, nos três dias de trabalhos remunerado (fora das pequenas courelas familiares), arranjara os trezentos escudos, que juntara a alguns trocados, das suas parcas poupanças para a vida militar, que há pouco iniciara.
Já embarcado, como se iniciaram contactos de resultados promissores, a vida passada a bordo, tornara-se razoável para Onofre, porque duma apresentação resultou, a troco de alguma ajuda na cozinha, ganhar o privilégio de fazer as refeições na copa do próprio Navio, o que evitava o rancho geral e as próprias marmitas militares, um desconforto para quem viajava no mar alto, durante doze dias.
Naqueles tempos de Janeiro de 1962, vividos a bordo, entre distribuição de armas de guerra, alguns exercícios militares, muitos olhares nostálgicos e melancólicos inspirados pelo grande oceano, jogava-se diariamente a sueca. Um jogo de cartas tornado doloroso porque consistia num "cachet" de cinquenta escudos por cada risco perdido, porém o homem tinha a plena convicção de poder sair-se bem dessa perigosidade.
Aquela grande aventura passava-se noutros tempos, em que os próprios foram tornando os homens submissos, para estes destinos, como algo de privilégio.
Uma coisa ainda era lembrada da escola, foi o ensejo de por alturas do Equador, poder observar peixes voadores... muitos peixes a voar!...
A passagem do Equador foi assinalada festivamente, com a contribuição da orquestra residente, como tal, também acompanhava a expedição marítima, com todo o aparato de festa. Porém a representação mais colorida foi exibida por vários militares que viajavam a caminho da guerra.
Tudo corria, apesar de o "Niassa" transportar cerca de dois mil e quinhentos homens, quando fora concebido apenas para uns seiscentos, mais mercadorias. Em resultado, podia falar-se de um barco em que uma parte fora, para o efeito, destinado ao transporte de "condenados", tanto mais que tudo quanto fosse praça tinha além do péssimo alojamento, de se servir da coberta para refeitório, tendo o respectivo estojo militar de campanha como talher.
Por outro lado, atingido o Equador, o calor era demasiado. Para a classe das praças, o tempo de banhos, em grandes compartimentos, era limitadíssimo, dado haver tantos homens, para a pouca água possível de transportar armazenada.
A refrigeração era feita por mangas, a entrar em porões, vindas do alto. Em resultado, apesar dessa criatividade, a frescura que supostamente chegaria, foi sempre nula.
Entre conversas, ver mar, somente mar, durante doze dias, chegou finalmente a tão ansiada véspera de entrada em Luanda. Toda a gente entrou em euforia, tal era o desejo de pisar terra firme!
Enquanto a coberta da Nave se enchia de homens desejosos de voltar a avistar terra, nos porões transformados em casernas, algumas das estreitas tarimbas, que serviam de cama ou enxerga, estavam pela última vez, Até que, começou a soar o alarme de fogo a bordo, pela estreita escadaria que servia o porão, os circunstantes subiam debaixo de inúmeras faúlhas e viam com certo pânico o que se passava.
Ficou perpetuada a coragem da tripulação, que acabou por extinguir o que chegaram a ser fortes labaredas.
Logo por cima do porão que calhara ao Onofre, tinham sido edificados barracões de madeira, para armazenar os coletes de salvação que, distribuídos a todos os soldados, tinham sido já recolhidos, em fim de viagem.
Na vigília da noite, à espera da chegada a terra, presume-se que alguém fumando, deixara inadvertidamente uma ponta de cigarro rebolar por uma das aberturas que havia na base a servir de respiração aos improvisados barracões, causando o que se chegou a prever-se catastrófico.
Chegou a haver pavor, traduzido num facto deveras peculiar: De entre outros, destaco o que me parece mais hilariante, tendo como protagonista um soldado do grande Esquadrão, o 911. Ao munir-se da pistola Walter, que lhe havia sido atribuída, com a qual decidia atirar-se ao mar.
Perguntando alguém para que serviria a arma?
- Peremptório na resposta:
- " Para matar os tubarões"!
- A história durou e foi transversal a toda a campanha do Esquadrão!...
Daniel Costa –in JORNAL DA AMADORA.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 3

EM NAMBUANGONGO
Até 1961 Portugal era potência administrativa de variados territórios coloniais, um pouco por todo o mundo, fruto das vastas viagens feitas por terras desconhecidas até então, pela gesta lusitana de 1500.
Nesse ano deu-se o início ao desmoronamento do mesmo. Uma escaramuça começada nos subúrbios de Luanda, que logo se estendeu a Norte de Angola, foi a causa próxima.
O cabo Onofre, dito comandante de esquadra, mais os dois soldados do mesmo núcleo, Teodoro e Esquim Pinto, integrando o motorista Gastão, num Jeep propositadamente blindado e com metralhadora Breda montada, que lhes havia sido distribuído, pertenciam a um grande Esquadrão que substituíra no Tari-Lifune, uma das célebres Companhias do Batalhão 96, que havia reconquistado a zona de Nambuangongo.
A missão de Onofre e camaradas, com essa dissuasora arma, era o serviço de escoltas.
Foi assim, que logo nos primeiros meses de 1962, Onofre estava na vila de Nambuangongo, para onde tinha viajado em apoio ao pelotão a que pertencia. Havia sido formada uma coluna de abastecimento.
Era naquele local que se centrava o Comando do Sector Militar, que actuava na zona.
Nambuangongo era uma das regiões por onde, já em 1961, havia sido lançada, a rebelião que haveria de se estender a todo o mundo ultramarino até 25 de Abril de 1974, data em que se deu a célebre Revolução, tornando possível a democratização do País.
A povoação era composta por uma igreja. A ladeá-la um cemitério todo cimentado, onde ficaram a repousar os militares mortos em combate, na zona.
Muita tropa passou por ali, desde praças, a oficiais superiores, em missões de comando. Formavam uma comunidade a tornar aliciante a visita de gente na flor da vida, como o observador Onofre.
Para começar, o abastecimento demorava quase todo o dia, preenchido pela classe das praças, na procura de conterrâneos, o que proporcionava inesperados encontros.
Nas cantinas militares, eram lembrados episódios pitorescos tudo natural duma fogosa mocidade. Ali era sede do teatro terrorista, em virtude de tal circunstância, verificara-se um êxodo total de residentes, incluindo já se vê o elemento feminino, a ponto de a a zona se um exclusivo de homens fardados, servindo o exército,
Na verdade, muitas incidências valiam exacerbadas recordações, Normalmente metiam namoradas ou aventuras vividas.
As cantinas, obviamente, eram os únicos pontos de encontro dos circunstantes, em serviço, que mais tinham a fazer senão a escolta de volta. Então era à roda das "Cucas" que se processava todo o tipo de conversas, até que vinham à baila as localizadas naquele espaço e no próprio tempo que ali se vivia.
Onde há muita gente, existe sempre infinita matéria factual a abordar.
Os circunstantes sempre iguais, na aparência, porque fardados, regra geral, pertenciam a classes mais baixas. Vários oficiais superiores , até por mais velhos, serviam os muitos motivos de interesse anedótico, aos olhos da juventude.
Havia um Tenente-Coronel que já se celebrizara pela denominação de "Totobola". Em operações militares, comandava os seus efectivos, viajando em avião, proferindo incentivos como o de ter sido grande desportista do volante e entre outros, o de ter conquistado grande número de mulheres. Outro comandante dum Batalhão estacionado ali, num monte imediatamente a norte, todas as manhãs vinha à localidade fazendo uso da pistola, num tipo de preparação física, pelo que era alvo das maiores chacotas.
Depois das obrigações militares tornava-se obrigatório, falar sem qualquer cerimónia de certos oficiais, mesmo superiores.
Não deixava de ser curial, pois já o próprio Montegomery, figura muito conhecida da Segunda Grande Guerra, como a raposa do deserto, tinha pouco apreço por elevadas patentes, embora pertencendo a essa alta classe militar.
Naquela primeira cavaqueira, entre muitos assuntos, surgiu aquela de os terroristas terem atacado a cozinha. Da escaramuça não resultaram mortos ou feridos, pelo que a boa disposição não arrefeceu. Só os grandes tachos haviam sido furados pelas cargas dos canhângulos (espingardas artesanais) dos inimigos.
De volta, nos cerca de trinta quilómetros, que era necessário percorrer, metidos naquela fortaleza, em estradas de terra batida, muitas peripécias havia a comentar, como a do Esquim Pinto que, tendo possuído uma oficina de bicicletas, encontrava amigos, como ninguém:
- Dizia ele: Em Nanbuangongo há grandes camaradas!
- O Teodoro retorquiu: Pudera!... Passámos todo o tempo no meio de cervejas "Cuca" e havia sempre alguém a pagar, para nós!
Outra do Esquim Pinto, inveterado fumador:
- Agora só fumo C.T. (era considerado o melhor tabaco), mas só se for dado!
Viagens em escolta eram quase diárias. Tudo era levado em jeito de divertimento e passatempo lúdico, não excluindo os perigos que podiam vir das matas.
No acampamento do Tari, o Onofre reflectia muito, uma forma de ser e estar, embora em contraste com a situação de guerrilha, dava para se sentir bem, apesar de tudo a sua existência, era melhor do que a passada, assim como a futura jamais seria tão sofrida.
O optimismo iria manter-se em alta, durante os vinte e sete meses seguintes, que culminaram com o fim da comissão.
Daniel Costa – in Jornal da Amadora

sábado, 12 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 2

PRÓLOGO
A quatro de Fevereiro de 1961, grupos de guerrilheiros protagonizaram ataques à Casa de Reclusão, ao quartel da P.S.P. e à Emissora Oficial de Angola. Actos que passaram a ser considerados o início da guerra de Angola.
Os canais de informação, de que dispunha o Estado indiciavam que ia começar uma luta sem quartel, pela libertação de todo o Ultramar, administrado pelo governo português.
Foi já nesta conjuntura, que em 1959 teve lugar a minha inspecção militar. Confesso que me agradou o apuramento para "todo o serviço", à época a passagem pela vida militar por quem vivia como trabalhador rural, era considerada assim como uma "Universidade", visto que traria um certo desenvolvimento para o intelecto.
Um ano atrás e não seria apurado, dado que na operação de peso e medidas, a altura só registou um metro e cinquenta e nove, porém ouvi o médico que me examinava comentar: Dará um bom militar, tem uma largura de peito apreciável! Em casa, onde se daria mais pela falta daqueles dois braços para o trabalho, o pai ficou satisfeito, para ele a tropa servia como uma escola.
Aceitando trabalhar na ceifa, de sol a sol, durante três dias de quarta a sexta, com a diária de cem escudos a competir com as grandes feras da jorna, quando em tempos de aperto, como era o caso, o máximo que se podia alcançar cifrava-se em trinta, tinha como ideia subjacente juntar o dinheiro para futuros gastos, já que mensalmente o pré era apenas de cerca de oito.
Naquele tempo as repartições atendiam ao sábado, havendo já mancebos a emigrar clandestinamente, para fugir à miséria e da tropa.
Nessa sexta, ainda não estava cumprido o levantamento das respectiva guias e uma patrulha, em bicicleta foi verificar o que se passava.
Dirigiram-se logo à autoridade máxima da terra, o cabo chefe, que era por acaso vizinho e familiar, na sua loja serviu uma bebida a cada, perguntado o que poderia haver de menos bom.
Soube logo do caso, soltando uma risada! Mas esse rapaz anda no trabalho, naturalmente para arranjar algum, para encarar a nova situação, fiquem descansados que amanhã de certeza irá levantar as guias!
Mais nenhuma acção foi levada a efeito. Mesmo assim o amigo que representava o governo na terra, apareceu pela hora da ceia a contar o sucedido e ficou com a certeza que tudo se passaria como garantira aos elementos da patrulha.
Por mim achei que iria ter a oportunidade de deixar a agressividade do meio, como sempre desejei e iria muito mais além, pelo menos se o destino fosse a Lisboa dos meus sonhos.
Não acontecia assim, a ideia de mudar a existência para uma nova dignidade nunca me saiu do pensamento. Certo é que nunca mais viria a trabalhar no campo.
Em Junho de 1961 assentei praça na cidade de Elvas, até aí ninguém nascido naquela aldeia do Oeste, tinha iniciado a tropa numa terra tão distante, normalmente ia-se para Caldas da Rainha ou Lisboa.
Cheguei à estação de Santa Eulália, de comboio na madrugada de dezoito. Camionetas de caixa aberta enviadas do quartel do destino esperavam os muitos jovens que aportavam, uma vez que chegavam ali cerca de mil e seiscentos homens e o estabelecimento militar, aquele novo mundo, distava cerca de cinco quilómetros.
Desembarcado de madrugada, integrei-me imediatamente num grupo. Como era muito cedo, demos um giro ao típico mercado da cidade, onde logo tratámos de tomar o pequeno-almoço, constituído por sardinhas assadas na brasa. Pareceram as melhores até então degustei.
Ainda escuro, fomos deambulando, por aquele verdadeiro miradouro, donde se avistava Badajoz. Tudo o que observava era um deslumbramento, pela primeira vez estava a conhecer uma cidade.
Até que, pelas nove horas, sempre em grupo, lá rumei ao quartel de Infantaria, para cumprir as formalidades de entrar na vida militar.
Uma rápida sucessão de acontecimentos faziam suspender a respiração, pois de um momento para o outro, todo o modo de estar se tinha invertido. Começou com a distribuição do fardamento, o cabelo que pensava estar suficientemente curto, depois de inspeccionado foi alvo de novo corte para ficar quase rapado, a seguir o banho, que tinha de passar por todos, para de imediato começar a preparação militar.
Veio o meio-dia e o almoço. Como havia duas companhias de recrutas, uma enchia o grande refeitório, que abandonava imediatamente após a refeição, dando lugar à outra, em segunda leva de comensais. Era altura de alguns dizerem que mais valia andarem a cavar chão seco do que suportar aquele inferno, isto originou o meu comentário:
- Pois é!... Se ao menos tivessem experimentado o trabalho do campo não pensavam do mesmo modo!...
Passados três dias, tinham-se acabado os fundos e era vê-los esganados a comerem, talvez melhor de que ninguém, no refeitório, abominado dias antes.
Durante as sete semanas de recruta em Elvas, algumas vezes ouvi superiores comentar, que todo aquele aglomerado de homens já estava destinado ao Ultramar. Não queria crer no que ouvia e questionava para os meus botões:
- Então, quem fica a tomar conta das posições por cá?
Febril com anginas, evitei a consulta médica, pensei ir a doentes já noutra cidade, visto que não queria perder o novo lance da mudança.
Resultado - Nesse mesmo dia, talvez por se registar um calor tórrido, desmaiei, só vindo a acordar no hospital militar de Elvas.
Ao fim de rápida convalescença, passados poucos dias, depois de ter ficado ainda uma noite no quartel original, apanhei uma carreira regular para a cidade de Estremoz.
Pertenci a um pelotão comandado pelo Alferes Fidalgo, foi dizendo que depressa seríamos mobilizados e viriam, entretanto novos comandantes, para formar um Batalhão a partir já estruturado, ele não iria pelo que não imprimiria rigor à instrução, se fosse queria um núcleo bem preparado fisicamente.
Poucos dias depois chegaram de facto os homens que constituíram o grupo, que passou a ser comandado pelo Tenente-Coronel António de Spínola.
O Esquadrão 297, nos primeiros dias de Outubro de 1961, recebeu o novo fardamento camuflado, cuja devolução foi feita na mesma tarde.
Por ter o comandante mais novo, aquela fracção de unidade, acabou por deixar o Batalhão, tendo ido com a sua tropa, para o quartel de Faro aguardar embarque, em substituição de uma outra, cujo comandante reivindicou a troca, uma vez que estava há muito à espera de embarque.
O comandante do novo Batalhão foi depois o Tenente-Coronel Costa Gomes.
Curiosamente, neste já fora integrado o citado Alferes Fidalgo, que no Grafanil, a fim de se livrar da tropa e de intervir no mato, furou um pé descarregando um tiro com a arma que lhe estava distribuída.
Daniel Costa

quinta-feira, 10 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 1

DUAS PALAVRAS
ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - (aqui desde 07/11/2007)
O Jornal da Amadora publicou de 1 de Janeiro do ano de 2006 a 15 de Fevereiro de 2007 as crónicas de Daniel Costa enquanto militar mobilizado em comissão de serviço no norte de Angola a fim de combater na guerra colonial.
Tudo começou nos primeiros meses de 1962 e vai desenrolar-se até Abril de 1964.
O relato assume-se sempre de forma objectivada e pormenorizada.
A escrita diarística encontra aqui um representante válido porquanto os acontecimentos militares não podem excluir as relações de casualidade.
Trabalhos desta índole representam na micro estória a busca de significantes e interrogam-nos.
A figura do soldado Onofre (Daniel Costa), nestas crónicas revela uma continuidade complementar na postura que se propõe a si próprio ao longo do relato, na procura, conseguida, de informar e informar-se.
Prepassam nestas páginas breves alusões, embora, a personagens conquanto alheias à guerra colonial relevam de contemporaneidade ( De Gaulle e Montegomery).
Todo o descritivo situa-se na ambiência geográfica africana - a negritude - na sua carga milenar; esta assimila-se à presença portuguesa gerando a miceginação.
O acervo de dados a partir do Esquadrão 297 é impressionante: o real quotidiano, as obrigações da guerrilha. o outro. A Breda e a Mauser, o alojamento, os acampamentos, as refeições, o convívio entre militares, o lazer, as "madrinhas" de guerra.
Os desfiles. A sexualidade na ambivalência das recordações femininas e as "derivações" na mulher africana.
Por fim a aurora da libertação.
Onofre (Daniel Costa) coloca-nos perante as memórias das vivências insuspeitadas destes actores.
Deles e dor do outro, visto que a memória é recíproca.
Necessáriamente.
A. M.
Lisboa, Agosto de 2007

quinta-feira, 3 de abril de 2008

TEJO NORTE - VI

CORRUPÇÃO EM COMISSÕES

Afinal a Paula nessa manhã decidiu nem sair de casa, ia trabalhando e cismando muito no Gil. A certa altura soltou um ai… teria hipóteses?
Pelo menos, podia contar com amigo e isso faria tudo para conservar. Dava-se conta que aquela amizade iria frutificar, nela beberia importantes dados para o seu trabalho.
A Daniela nem sabia a sorte que lhe calhara, ser a dona privilegiada do coração do Gil, partilhar com ele um mundo de cumplicidades, em que não iria interferir, contentava-se, ser a número dois.
Absorta em pensamentos dourados, ia remexendo os seus papeis, tirando apontamentos, até que consultando o relógio chegara a tão desejada hora de almoço.
Dirigiu-se para o ansiado encontro, as pernas parece que tremiam, tal a emoção, algo de que não se lembrava ter acontecido.
Já era esperada, o Gil era mesmo cavalheiro, cumpria horários, talvez fosse hábito de educação, mas a Paula diria que também ele apreciava a beleza a conversação e a desenvoltura dela.
Entretanto servidos, foram degustando e sempre em animadas, mas conversas banais. Até que a Paula foi-as torcendo, primeiro para as diversas formas de amar, parece que estava a ser entendida e era isso que pretendia e mais não forçava, aquele flirt era diferente, tudo queria, porém nada havia de forçar.
Por agora preocupavam-na outros assuntos de interesse profissional, como os seus casos a investigar e tinha já como certas as dicas do parceiro, o resto viria a seu tempo, procurava não mostrar sofreguidão. Quem muito e depressa quer tudo perde!
Sem mais rodeios, abordou o caso da editora de que o Dr, Vilaça era administrador. Porém ambas as empresas faziam parte do ficheiro de clientes do Gil e este havia anos que acompanhava as movimentações do Elias, que se facto, de paquete chegara a homem de confiança da casa. Por ele passavam todas as encomendas de impressão e edição de livros.
Sabia, mas não trairia, nem mesmo estando em jogo o trabalho da Paula, tinha de confessar depressa se habituara a ser fiel amigo e admirador, e depois?
Disse comissões!... Se isso é corrupção que se investigue o Elias!...
Como viu que de momento mais, nada seria adiantado e percebera, ficou pensativa e calada!
Mais à tardinha, quando reunisse com o administrador e o ouvisse, saberia por onde começar.
Comissões? Aí está uma maneira docemente corrupta de fazer fortuna!...
Hum!...
Devia ser o caso!...
E a Zeca e o Helmer?
Aí o Elias, observava há muito que este era assim: Dinheiro na mão era como sebo em boca de cão, derretia-se depressa.
Como partia de observações pessoais aturadas, podia ir mais longe, mas devagar, a Paula ia ter muito para remexer, mas devia ir caso a caso.
Esta, cada vez mais abismada com o que ouvia pensou, mas que grande amigo que encontrei!
Este Elias, parece um investigador de alto coturno! Errou a profissão!...
Estava cada vez mais fascinada, quando este disse:
- Olha que a Zeca faz jogo duplo!
- Sim? A admiração subira ao rubro!
- A boa conversadora, a óptima companhia, a cerebral Zeca?
Devagar! Cada assunto a seu tempo!
Por agora sugiro o caso, do pedido de rescisão do contrato de trabalho de uma empresa gráfica, trazendo consigo um grande um grande cliente!
Ficou pensativa e mentalmente a imaginar o quanto beneficiava daquela amizade.
Inspirou fundo e intimamente, disse:
Céus!...
Antes de se despedir, de trocarem números de telemóveis e de Mails, combinou encontro para o café da tarde do dia seguinte.
Foi a vez do Elias pensar:
- Esta deve ser uma boa companhia, para umas passagens e conversas intimas em casa. De facto, estava ali uma boa estrela, numa interessante e agradável figura de mulher!
Por outro lado a Paula, cismava na maneira de o convidar o tomar um copo em sua casa!
Definitivamente, Apaixonara-se!
Seguiu de vez, passaria ao escritório, trocaria impressões com o empregado, veria se havia algo de novo e e depois encontro na editora!

Daniel Costa