A COMUNICAÇÃO SOCIAL
NA GUERRA DE ANGOLA
Abordar o conflito que as tropas portuguesas começaram a enfrentar em Angola, logo em 1961, sem mencionar o quanto foi retrógrada a comunicação social, que terá sido desviada da missão que lhe cabia na circunstância, pelos poderes instalados, é de extrema importância.
Em 1962 a Televisão, dava passos de apenas cinco anos, pelo que não se vê algo de televisionado, do princípio do conflito (da maka, no dizer local).
As rádios ainda estavam longe de manter sinal aberto, durante vinte e quatro horas. Apenas a Emissora Nacional tinha o seu correspondente, que não ultrapassaria o perímetro de Luanda e os grandes jornais só observariam de Lisboa o que se passava no Ultramar.
É interessante verificar o facto de só mais tarde a Rádio Televisão Portuguesa gravar e transmitir, pelo Natal, aqueles insípidos programas em que, os elementos militares em fila proferiam, algumas palavras, que faziam parte da obrigação estatal.
A mesma transmissão começou por ser cometida à Emissora Nacional, logo em 1962, numa altura em que o próprio Onofre disse não, à oportunidade proporcionada a partir da região dos Dembos.
Com a grande distância temporal, poder-se-á questionar, mesmo tendo em conta a política da época, o quanto uma maior divulgação seria importante.
No entanto a falha, nem é vista com outras intenções, a não ser a constatação de um facto do tempo da célebre frase de Salazar - "para Angola em força" - ignorando-se a necessária propaganda nos meios de comunicação.
Só de uma política passadista!...
Ao elaborar este trabalho, só há um interesse, talvez no ineditismo de se basear a proposta, no testemunho vivencial de uma praça, porquanto o tema tem tido muitas abordagens, mas ao que se pôde saber, a maior parte por escritores serviram como oficiais, o que torna as visões extremamente diferenciadas e até antagónicas.
Acrescenta-se para apoiar a tese desta grande falha, o facto de ainda por volta de 1967, portanto contemporâneo, ter tombado no conflito do Vietname um Repórter de Guerra português, ao serviço do jornal "Diário Popular", de apelido Câmara Leme.
Nos documentos da guerrilha, que a Televisão vem passando, mesmo sendo posteriores aos primeiros anos, não se conseguirá ver algum episódio a que não se possa atribuir o rótulo de encenação.
Entre os muitos sucessos, algo ocorreu no aquartelamento do Esquadrão, o Comandante estava ausente, em gozo de férias na metrópole. Interinamente fora substituído pelo tenente Araújo.
Não teria sido acaso a ausência do Capitão, pois já se sabia do rigor da sua actuação em qualquer circunstância, nos actos da sua competência, porém num determinado dia ao jantar, o que fica demonstrado, ser de verdadeiro levantamento de rancho.
Ninguém tinha vontade de comer!...
A alegação geral era a de terem ingerido algo, para a inibição de se entregarem à degustação daquele jantar.
Pareceria estranho, se não tivesse chegado o aviso a todos os militares, até com a cumplicidade dos próprios cozinheiros.
O posto de Oficial de Dia, obrigatoriamente comum em todas as unidades, dispensava a ordem de serviço, em cenário de alerta permanente, a circunstância revelou ser o alferes Faria a deter o cargo, naquela jornada.
O Onofre, mesmo estando de serviço de vigilância no torreão, com a sua observação, apenas detectou um militar a "fingir" que comia, naturalmente, de mentalidade mais fraca, instado pelo Oficial de Dia, a provar o rancho destinado naquela refeição.
Tanto bastou para o levantamento não ter sido considerado, o que traria consequências disciplinares ao mais alto nível.
No dia seguinte, mesmo na interinidade, o Comandante deslocou-se a Muxaluando, local onde estava a logística do Batalhão, para apresentar os factos ao responsável máximo.
Verificou-se assim, que tinha ocorrido algo de muito grave, originando uma formatura onde foi dado conta das providências, levadas a efeito, para que tão relevante ocorrência ficasse sanada.
Ficou registada uma frase, de certo modo humanística. Foi assim: "O que se faz nem tudo é por mal"
Terá sido a encontrada ao conferenciar com o Comandante.
O pensamento pode parecer vulgar, mas pronunciado na altura e a culminar um caso de reivindicação justa, mas de muita gravidade no seio forense, revelava mesmo um grande sentido de humanidade.
De facto, houve retaliações!
A seu tempo regressado o Capitão Alves Ribeiro, pretendeu fazer justiça, atribuindo algumas sanções com a respectiva expulsão.
No caso específico, a coerência, só podia determinar um culpado, o exclusivo alvo da contestação, o furriel especializado na manutenção alimentar.
De qualquer modo, ficava demonstrado, se isso fosse necessário, que a grande coesão do 297 era obra de um comando eficaz, a acção reivindicativa, um alienável direito. Estava em causa uma alimentação condigna, o que não estava a acontecer.
Deve admitir-se, que o território de Angola exercia uma grande atracção, não obstante estar-se a viver uma guerrilha, num obrigatório isolamento, só superado por ser exercido em grupo e pelas actividade lúdicas, que iam nascendo da criatividade inerente à juventude, como o eram por exemplo os torneios de futebol, entre pelotões, jogados num campo que havia sido construído fora dos limites do arame farpado, como primeira defesa do recinto militar.
Viviam-se os jogos a sério, visto fazer parte do Esquadrão muito material de desporto, como bolas e equipamentos.
Era possível realizar grandes partidas, até porque havia jogadores de certa valia técnica, como um elemento, que fora campeão de juniores da Europa.
Normalmente, os militares disponíveis sempre assistiam. Em virtude do recinto desportivo ser exterior ao acampamento, os assistentes muniam-se, obrigatoriamente, do seu armamento, em guerra não era permitido descurar o aspecto bélico!...
E para os que não viveram no tempo, fica aqui referido o facto de um esquadrão de cavalaria ou outra qualquer companhia, em campanha, completar-se de inúmeras actividades de entretenimento, com especialistas,
Assim, foi exibido no Tari, dedicado aos militares, evidentemente, o filme português "O Grande Elias, serão inesquecível, na circunstância!...
Três tiradas fizeram o divertimento da malta: Uma em que, num jogo da roleta o Elias aconselha o parceiro a jogar no número dezassete. Claro que ao invés de ganhar o dinheiro de que necessitava, ficou ainda mais na penúria, porém o Elias nunca o desencorajava e numa outra cena, vê-se ele a dizer ao acompanhante:
- "Pois é...como sair no dezassete"!...
A última é quando o Elias, a servir de mordomo, conquista o coração da velha tia rica e segue com ela para a América, dirigindo-se ao avião; volta-se e diz:
- "Agora!... vai ser milho"!...
Estas exclamações, entre o grupo, durante muito tempo, foram adaptadas por muito bons rapazes, que à falta de melhor, de tudo se serviam.
Como ainda se estava em tempo de tempestades tropicais, assistiu-se a várias, era a África!...
Onofre não podia deixar de observar também esse aspecto, de que guardou recordações.
A nove de Novembro 1962, pôde ficar anotada uma dessas memórias. Na pista de aterragem do Tari, onde estava de guarda a uma avioneta ali em estacionamento, havendo um calor desmedido, face ao mesmo, foi erguida uma tenda, para protecção dos raios solares, a qual veio a servir de abrigo, a qual veio a servir de abrigo de uma chuvada extremamente intensa, de seguida.
Era assim o clima tropical daquela parte de África!....
Tinha-se iniciado a cobertura defensiva da citada avioneta, adstrita a um grupo dos homens de um grupo pára quedista, em missão de "limpeza" na zona,
A operação durou até dia catorze, naturalmente com várias rendições, mas depois de passada a tempestade tropical, o tempo e o serviço até se tornavam agradáveis, mesmo dormir ao luar, fora dos necessários tempos de alerta.
Até que, precisamente nessa tarde, ouviu-se uma grande explosão, parecia que na cozinha do aquartelamento do Tari.
Pensou-se em muitas hipóteses, não tardou a resposta, visto que se estava apenas a três quilómetros. Começaram logo a chegar feridos em transportes terrestres, do ar avionetas e helicópteros, para os transportar ao Hospital Militar de Luanda.
Todo o grupo de serviço na pista, actuou a ajudar na instalação, até acarinhando os camaradas feridos, a evacuar, que em breve podiam ser assistidos.
O lance causou elevado constrangimento, marcado também por um dos hélis transportar dois feridos na parte de fora, numa espécie de caixa, dando a ideia de se tratar de caixões fúnebres.
Do acidente, resultaram duas baixas e oito feridos.
Aconteceu que, talvez por descuido, tendo regressado um pelotão de uma batida, a Bazuca ficou ligada, com a respectiva granada.
Alguém, desconhecendo o facto, terá "brincado" com a mesma, provocando o seu rebentamento.
Em termos operacionais, não se pode saber, o que teria ter acontecido de pior, se isso se o ataque terrorista previsto, à tropa em vigilância, pois de seguida ao rebentamento, ouviu-se o característico alerta, denunciado por uma batucada, o abortamento do ataque terrorista que estava em movimento.
A UPA também ouvira o estrondo, pensando ter sido descoberta, alertava para a retirada.
A operação terrorista, se levada a cabo teria sido desastrosa, uma vez que o grupo, em serviço ao campo de aterragem, se encontrava muito descontraído e o factor surpresa é importante em todas as guerras.
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA
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10 comentários:
Um texto CHEIO, Daniel.
A unidade dos homens, as tempestades, os castigos e o temor, as baixas.
E o rendilhado da noticia, a voz do soldado preparado para as novas levadas até casa.
Continuo por cá.
Um beijo, fica bem.
Olá gasolina
Unidade havia mesmo, isso era inegável!...
Por mim, podia andar um pouco deprimido com a falta de notícias. De resto andava na desportiva.
Quando certas conversas a resposta: Pá isso não interessa, preocupa-me sofrer alguma mutilação, morrer? O meu pai ainda fica com sete filhos!...
Oh diabo!... Isso de escrever a contar a história, tenta-se que se entenda, mas!...
Um Beijo
Daniel
Obrigado pelo teu apoio, pela tua solidariedade.
Um abraço
gasolina
Se te referes a parasitas, sou contra!
Verifiquei e penso, que falas disso.
Considero-te.
Daniel
Oi Obrigado pela visita
Volte mais vezes.
Bandys
OK!
Gostei, voltarei!
Daniel
O fator surpresa matou meu tio em uma guerra de outros tempos. O que falaram sobre ele... Ele estava a cochilar quando atacado.
Por isso, leio seu texto temerosa.
Abraços.
Olá Auréola Branca
Na preparação para uma guerra, com aconteceu, aprende-se a lidar com o factor surpreza e actuar nesse sentido também. De modo que, há a pedir a Deus, para nos livrar da cena, porque ela é factor.
De resto o Onofre foi sempre optimista, mesmo em situações menos boas, uma condição a ter sempre emconta.
Abraços
Daniel
Já tinha acabado o meu tempo, 24 meses, como fui em rendição individual e tinha, TENHO, uma folha de serviços BONITA, fiz dois levantamentos de rancho em Dezembro de 1971 e Janeiro de 1972, na sede de comando, em Serpa Pinto.
Parece-me que os nomes estão correctos.
Esqueci ... ou tentei esquecer o que passei ...
Nesta companhioa, havia fuzileiros e páras, castigados, eram a escumalha do exército.
Sendo tenente por um fio, (devido aos castigos, contrabalanço dos louvores), (posto que atingi, devido ao tempo de tropa ... e dado o mei feitio brincalhão ... tinha tudo e todos, (soldados), na mão.
Até uma companhia de madeirenses, que eram capazes de comer feijão com bicho guisado, pensando que era carne.
Jogava "a lerpa" na caserna, onde nem o comandante de sector, um tenente coronel, se aproximava.
Encontrei muitos "heróis" depois de voltar ...
Mas até hoje, só mantenho contacto com um soldado, de Mafra, salvou-me a vida e o inverso também é verdadeiro.
Volta e meia vem ao Porto, para bebermos uns copos, traz a mulher e nunca mais falámos de África ...
Morremos lá e lá estão os nossos osso.
Gostava de lá voltar ... mas os meus pais fizeram-me sem asas e tenho medo de voar ...
Chega! Estou a ficar sem tinta e tenho que ler ...
Xistosa
Ao contrário, falo muito da guerra. Possivelmente tenho dado secas, a amigos sobre o assunto.
Há um vizinho, que já era amigo lá, aqui damo-nos muito a nível de casal. Esse fica admirado de me lembrar de pequenos lances, que abordo, passados com ele.
Lerpa, joguei ma vez, não deu e nunca mais, não era jogador e ver montes de dinheiro a voar, não era comigo.
Fui muito bem comportado, fiz coisas piores do que as deram dez dias prisão, cujo efeito ali era só o de, passarem em branco, no dia do pré.
No entanto, nas minhas contas devo ter ficado num grupo de vinte, com caderneta limpa. O candandante de Esquadrão, era um pofissionalão, aplicava o castigo, com um sorrizinho. Confesso que lidei com outro, no fim, bonzinho, que cheguei a temer. A diferença era entre o previsivel e o imprevisível.
Um dos meus grandes amigos da tropa e em Lisboa é o que foi radialista desportivo, Abel Figueiredo, o único dos não oficias com nome no "Esquadrão", de facto ele tem Figueiredo.
Para o caso de achares estranho esquadráo e não de companhia deixo a explicação: Oficiais e Sargentos eram todos de cavalaria, como o próprio batalhão, foi mobilizado por Cavalaria 3 de Estremoz. Sendo no princípio, todas as vozes de comando, eram as de Cavalaria. Assim não se dizia companhia, mas sim esquadrão.
Lembro-me do me pai sorrir, quando lhe disse ser de cavalaria. Ele era alto e foi-o.
Como? Se só medes um metro e sessenta?
Daniel
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