sábado, 12 de abril de 2008

ESQUADRÃO 297 EM ANGOLA - 2

PRÓLOGO
A quatro de Fevereiro de 1961, grupos de guerrilheiros protagonizaram ataques à Casa de Reclusão, ao quartel da P.S.P. e à Emissora Oficial de Angola. Actos que passaram a ser considerados o início da guerra de Angola.
Os canais de informação, de que dispunha o Estado indiciavam que ia começar uma luta sem quartel, pela libertação de todo o Ultramar, administrado pelo governo português.
Foi já nesta conjuntura, que em 1959 teve lugar a minha inspecção militar. Confesso que me agradou o apuramento para "todo o serviço", à época a passagem pela vida militar por quem vivia como trabalhador rural, era considerada assim como uma "Universidade", visto que traria um certo desenvolvimento para o intelecto.
Um ano atrás e não seria apurado, dado que na operação de peso e medidas, a altura só registou um metro e cinquenta e nove, porém ouvi o médico que me examinava comentar: Dará um bom militar, tem uma largura de peito apreciável! Em casa, onde se daria mais pela falta daqueles dois braços para o trabalho, o pai ficou satisfeito, para ele a tropa servia como uma escola.
Aceitando trabalhar na ceifa, de sol a sol, durante três dias de quarta a sexta, com a diária de cem escudos a competir com as grandes feras da jorna, quando em tempos de aperto, como era o caso, o máximo que se podia alcançar cifrava-se em trinta, tinha como ideia subjacente juntar o dinheiro para futuros gastos, já que mensalmente o pré era apenas de cerca de oito.
Naquele tempo as repartições atendiam ao sábado, havendo já mancebos a emigrar clandestinamente, para fugir à miséria e da tropa.
Nessa sexta, ainda não estava cumprido o levantamento das respectiva guias e uma patrulha, em bicicleta foi verificar o que se passava.
Dirigiram-se logo à autoridade máxima da terra, o cabo chefe, que era por acaso vizinho e familiar, na sua loja serviu uma bebida a cada, perguntado o que poderia haver de menos bom.
Soube logo do caso, soltando uma risada! Mas esse rapaz anda no trabalho, naturalmente para arranjar algum, para encarar a nova situação, fiquem descansados que amanhã de certeza irá levantar as guias!
Mais nenhuma acção foi levada a efeito. Mesmo assim o amigo que representava o governo na terra, apareceu pela hora da ceia a contar o sucedido e ficou com a certeza que tudo se passaria como garantira aos elementos da patrulha.
Por mim achei que iria ter a oportunidade de deixar a agressividade do meio, como sempre desejei e iria muito mais além, pelo menos se o destino fosse a Lisboa dos meus sonhos.
Não acontecia assim, a ideia de mudar a existência para uma nova dignidade nunca me saiu do pensamento. Certo é que nunca mais viria a trabalhar no campo.
Em Junho de 1961 assentei praça na cidade de Elvas, até aí ninguém nascido naquela aldeia do Oeste, tinha iniciado a tropa numa terra tão distante, normalmente ia-se para Caldas da Rainha ou Lisboa.
Cheguei à estação de Santa Eulália, de comboio na madrugada de dezoito. Camionetas de caixa aberta enviadas do quartel do destino esperavam os muitos jovens que aportavam, uma vez que chegavam ali cerca de mil e seiscentos homens e o estabelecimento militar, aquele novo mundo, distava cerca de cinco quilómetros.
Desembarcado de madrugada, integrei-me imediatamente num grupo. Como era muito cedo, demos um giro ao típico mercado da cidade, onde logo tratámos de tomar o pequeno-almoço, constituído por sardinhas assadas na brasa. Pareceram as melhores até então degustei.
Ainda escuro, fomos deambulando, por aquele verdadeiro miradouro, donde se avistava Badajoz. Tudo o que observava era um deslumbramento, pela primeira vez estava a conhecer uma cidade.
Até que, pelas nove horas, sempre em grupo, lá rumei ao quartel de Infantaria, para cumprir as formalidades de entrar na vida militar.
Uma rápida sucessão de acontecimentos faziam suspender a respiração, pois de um momento para o outro, todo o modo de estar se tinha invertido. Começou com a distribuição do fardamento, o cabelo que pensava estar suficientemente curto, depois de inspeccionado foi alvo de novo corte para ficar quase rapado, a seguir o banho, que tinha de passar por todos, para de imediato começar a preparação militar.
Veio o meio-dia e o almoço. Como havia duas companhias de recrutas, uma enchia o grande refeitório, que abandonava imediatamente após a refeição, dando lugar à outra, em segunda leva de comensais. Era altura de alguns dizerem que mais valia andarem a cavar chão seco do que suportar aquele inferno, isto originou o meu comentário:
- Pois é!... Se ao menos tivessem experimentado o trabalho do campo não pensavam do mesmo modo!...
Passados três dias, tinham-se acabado os fundos e era vê-los esganados a comerem, talvez melhor de que ninguém, no refeitório, abominado dias antes.
Durante as sete semanas de recruta em Elvas, algumas vezes ouvi superiores comentar, que todo aquele aglomerado de homens já estava destinado ao Ultramar. Não queria crer no que ouvia e questionava para os meus botões:
- Então, quem fica a tomar conta das posições por cá?
Febril com anginas, evitei a consulta médica, pensei ir a doentes já noutra cidade, visto que não queria perder o novo lance da mudança.
Resultado - Nesse mesmo dia, talvez por se registar um calor tórrido, desmaiei, só vindo a acordar no hospital militar de Elvas.
Ao fim de rápida convalescença, passados poucos dias, depois de ter ficado ainda uma noite no quartel original, apanhei uma carreira regular para a cidade de Estremoz.
Pertenci a um pelotão comandado pelo Alferes Fidalgo, foi dizendo que depressa seríamos mobilizados e viriam, entretanto novos comandantes, para formar um Batalhão a partir já estruturado, ele não iria pelo que não imprimiria rigor à instrução, se fosse queria um núcleo bem preparado fisicamente.
Poucos dias depois chegaram de facto os homens que constituíram o grupo, que passou a ser comandado pelo Tenente-Coronel António de Spínola.
O Esquadrão 297, nos primeiros dias de Outubro de 1961, recebeu o novo fardamento camuflado, cuja devolução foi feita na mesma tarde.
Por ter o comandante mais novo, aquela fracção de unidade, acabou por deixar o Batalhão, tendo ido com a sua tropa, para o quartel de Faro aguardar embarque, em substituição de uma outra, cujo comandante reivindicou a troca, uma vez que estava há muito à espera de embarque.
O comandante do novo Batalhão foi depois o Tenente-Coronel Costa Gomes.
Curiosamente, neste já fora integrado o citado Alferes Fidalgo, que no Grafanil, a fim de se livrar da tropa e de intervir no mato, furou um pé descarregando um tiro com a arma que lhe estava distribuída.
Daniel Costa

10 comentários:

SAM disse...

É um blog de muitas histórias vivenciadas pelo amigo Daniel. Virei outras vezes ler estes relatos interessantes. O lado humanista da minha formação, faz-me ter curiosidades acerca de vivências.


Ótimo fim de semana, Daniel!

Beijos

impulsos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
impulsos disse...

Daniel
Um texto recheado de memórias daquelas que ficam gravadas para sempre!
Sabes, sei do que falas quando dizes:... pelo menos se o destino fosse a Lisboa dos meus sonhos.
Não acontecia assim, a ideia de mudar a existência para uma nova dignidade nunca me saiu do pensamento. Certo é que nunca mais viria a trabalhar no campo.

É que eu também fui criada no campo e acostumada ao rude trabalho, todo ele manual, que por lá existia...
Haver uma simples miragem de poder de lá fujir, era uma esperança que alimentava dia após dia.

Grandes histórias verídicas que muitos jovens de hoje deveriam ler, para saberem o que era a vida!

Beijo

PS. Em relação ao meu ultimo poema do "impulsos", não te preocupes Daniel, aquilo não passa de um devaneio de um doa meus alter egos...

Paulo disse...

Essa guerra (1961-1974) ainda «esconde» muitas coisas. o "saco azul para o ultramar..." e certas mortes cá dentro.
Abraço
Paulo

Carla disse...

sentir estas histórias é um enriquecimento para a vida de qualquer pessoa

Daniel disse...

Olá sam

Passaram dois capítulos do Esqudrão 297 em Angola, seguirão os restantes.
Parti de um, creio que raro diario, que elaborei.
Não há politicas, nem porquês. Julgo que há algum destaque ao lado humanista da questão.
Fica o convite a visitas.
Agradeço com beijos.

Daniel

Daniel disse...

Ói impulsos

O que se vai pssar é tudo vivido e anotado "in loco",
diariamente.
Se não fora isso, seria dificil, as datas estarem correctas, por exemplo.
Curiosamente, quem se interessa mais por estes relatos, são os mais jovens!
Testei, conheço o meio livreiro, assim como o marketing.
Espero publicação em livro. Tardará porque não trata assunto mediático, mas!...
Aconteceu, de facto, uma libertação pessoal, como se deram muitas outras libertações.

Considerações com beijos,
Daniel

Daniel disse...

Olá Paulo

Esconde, esconde algumas coisas menos dignas!
Conheço algumas, a que chamaria pequenas corrupções.
Já havia ao tempo!
Agradecimentos, com um abraço.

Daniel

Daniel disse...

Olá Carla

Considero assim!
Isso está a saltar á vista no que estou a escrever e é como o meu roteiro de trabalho em Lisboa, nos doze anos seguintes.

Daniel

xistosa, josé torres disse...

No meu tempo, era Capitão Robles e Coronel Costa Gomes.
O primeiro estava completamente doido ...
Conheci-o quando fui de mafra para Tavira.
Lá, saltava da janela do 1º andar para a área circundante à parada, mesmo nas barbas do comandante.

Porra, está difícil acertar com as letras ... 7 vezes!!!