REGIÃO DOS DEMBOS
Uma coluna militar composta por Jepps e Unimogs acabados de estrear, adaptados com blindagens de aço, preparados para a missão de guerrilha, enquanto se ia esperando a localização da área a ocupar.
Esta foi na Região dos Dembos.
Terminado o tempo de estágio, chegou a ordem de avanço, com viagem e tomada de posição na Fazenda Lifune-Tari, situada a cerca de duzentos quilómetros a norte de Luanda.
Saídos naquela madrugada de Março, a breve trecho, todo o Batalhão de Cavalaria 350, se tinha embrenhado na viagem. Logo a sua estrutura foi assumindo, pouco a pouco outra postura. O ambiente já se ia tornando o tal de mato, definido como o habitat das tropas em combate, naquele cenário que se apresentava de guerra.
Pouco depois da saída, passou a ser facto estar desbravado o capim e toda a flora em cerca de uma dúzia de metros, dos dois lados da estrada de terra batida e ao longo de toda a extensão, que ia sendo percorrida pela coluna militar, não só para que a visibilidade fosse um facto, mas também para obviar um ataque traiçoeiro dos bandidos da mata, como eram definidos os terroristas, caindo em cima da tropa, vistos apenas quando já seria impossível um contra ataque, sem que tivessem caído uns quantos militares apanhados pela surpresa, um dos grandes trunfos de todas as guerras.
Assim, metido no grande Esquadrão, o Onofre ousava seguir sempre descontraído, como lhe era natural, o que não excluía a grande atenção patenteada em todas as acções da sua incumbência.
Chegados á primeira instalação de tropas, uma fazenda chamada Balacende, logo aí houve conhecimento de ter havido, apenas dias antes, um verdadeiro ataque terrorista cobarde, como sempre. Veio a verificar-se ser o último do género.
Consistiu no seguinte:
- Uma horda de terroristas, armados apenas com catanas e canhângulos, armas rudimentares, com que uma facção indígena havia iniciado aquele tipo de guerra, levou a efeito um assalto à mistura com imprecações como:
- A bala do branco é água... não mata!...
Evidentemente que, da surpresa resultou a queda de vários militares. A partir daí seria de prever, o que aconteceu, dava a ideia que os atacantes tinham sido criminosamente drogados, acabando todos por cair à força do poder de fogo das tropas regulares, ali estacionadas, prontas para a defesa militar de toda a zona.
Ali verdadeiramente, os militares do grande Esquadrão, começaram a sentir os perigos que lhes haviam sido destinados.
A grande aventura sempre prevista pelo Onofre, já se estava a concretizar.
De emoção em emoção, ainda no dia 5 de Março de 1962, apenas percorridas algumas dezenas de quilómetros, os novíssimos carros da coluna começavam a avariar com frequência.
Indiciava-se a pouca experiência dos condutores. De uma maneira geral, só levavam na bagagem o que tinham aprendido na instrução militar de três a quatro meses e transitavam caminhos de terra batida, designados de estradas, impróprios para condução, ainda que os carros utilizados já fossem de fabrico adaptado ao terreno.
A cada interrupção a lógica obrigava a formar-se guarda ao dispositivo militar em deslocação.
Numa dessas ocasiões, com uma verdadeira temperatura africana, já de noite, esgotados os cantis, de novo chegou a sede. Foi altura da tropa conhecer providencialmente uma árvore frondosa, existente ali naquele microclima, deitando pingos de um líquido muito fresquinho, que serviu de atenuante à irresistível vontade de refrescar as gargantas.
Embora mais vezes se viesse a sentir a necessidade daquele milagroso néctar, nunca mais seria detectado.
Ainda na mesma noite, depois de passado o dia com recurso à alimentação de reserva, bolachas de água e sal e umas latinhas de variados produtos, deu-se a chegada a um outro ponto operacional militar, designado por Beira Baixa, foi aí que se pernoitou. No caso do Onofre e seus e seus companheiros mais próximos o Jeep serviu de cama.
Como tudo o que indiciava, a instrução para a nova missão era motivo de atenta observação: Para trabalhar na fazenda logo de manhã cedo, um grupo de Bailundos formou, afim de se proceder à habitual chamada imposta pelos tempos de guerra.
Pela primeira vez era dado ao Esquadrão ver tantos pretos juntos. Depois já perto da "picada" de saída, encontrava-se uma casota, servia de cadeia a terroristas, porventura, apanhados. Ostentava a pomposa inscrição de palácio da justiça. Muito perto uma tábua em jeito de seta, apontada para Lisboa, indicava a distância respectiva em quilómetros.
Com passagem no cruzamento de Nambuangongo, depois pela fazenda Onzo, outra posição militar! Chegou-se cedo a Muxaluando, onde ia ficar o comando do Batalhão.
A alimentação continuou baseada na habitual ração de reserva.
Estávamos no dia de Carnaval de 1962.
Naquele Entrudo, ali se fez a dormida, sobre um cartão, com o bonito firmamento, como cobertura.
Mas a vida aventurosa não deixaria de continuar.
Chegados ao aquartelamento, ainda fora do recinto de arame farpado, que ladeava o perímetro do mesmo, constituindo uma primeira defesa, enquanto os militares esperavam a ordem de se instalarem, logo o Picão combinou uma banca de sueca. Debaixo de um Unimog, num jogo circunstancialmente demorado o Onofre, de parceria com o organizador, chegaram a um resultado deveras positivo, naquela actividade a que continuava a chamar lúdica, embora movimentasse largos Angolares.
Valeram as amizades, já constituídas, terem entretanto tratado da instalação, em ponto agradável nas ruínas do edifício, a que se chamou de caserna, como tinha de ser óbvio, não obstante a sua degradação, em virtude da acção do recente início de guerra.
Depois de demorar de três dias a percorrer os cerca de duzentos quilómetros, no dia sete de Março o grande Esquadrão instalara-se finalmente na Fazenda Tari-Lifune, onde iria ficar sedeada.
Da ementa do almoço daquele dia voltou a constar ração de reserva.
Já havendo as barras das camas, para servir de colchões estavam de serviço folhas de zinco, para almofadas os militares usaram feixes de capim. Não havia ainda qualquer roupa de cama.
A lógica do: - "desenrasca-te que és de cavalaria" - talvez nunca tinha tido tanto sentido de oportunidade!
Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA
domingo, 20 de abril de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
16 comentários:
Sua narrativa, Daniel é rica em detalhes. E como a natureza serve o homem! Veja, Preocupo-me com o desprezo do Homem a grande Mãe Natureza e o descaso das autoridades em preservá-la. Mas homens que como você serviram-se dela para saciar a sede, creio que a valorizam e a respeitam. Jamais esquecerão do quanto Ela foi generosa.
Beijos e uma ótima semana, Daniel!
sam
Registo as boas palavras.
De facto, com a guerrilha de África, aconteceu-me uma certa libertação do pensamento pessoal. O que procurava, para dizer presente e tentar oferecer o meu infimo contributo, para que o mundo crescesse de forma harmoniosa.
Agradeço com beijos.
Daniel
vim agradecer a sua visita e passear-me um pouco aqui pelo seu espaço.
abraço
Eu disse que voltava.
Mais um relato vivo e a espicaçar o que serão os seguintes.
Voltarei.
Um abraço.
PS.: Não sei se ficas aborrecido comigo... mas faz revisão: tens duas palavras repetidas.
Olá
Eu é que agradeço e deixo o convite para vir a minha casa sempre que o desejar.
Terei peazer!
Abraço
Daniel
Fico grato, será a minha velha displexia!
Verei.
Continuarei!...
Se der prazer, ficarei comprensado.
Um Abraço
Daniel
Daniel obrigada pela visita! Interessante texto, alias o blog em si retrata uma experiencia vivida em Angola na qual a tua excelente escrita nos leva a conhecer a realidade pura e crua!
Beijos
Olá
A minha experiência de 27meses de guerrilha em Angola, resultou em diário, a ideia foi sempre editar livro.
Nã há politica, apenas vida! No fundo pde chamar-se auto-biografia.
Beijos
Bela narrativa, apesar de viver eu tão longe.
Vim agradecer tua visita tão carinhosa no meu blog e pegaste um texto fresquinho.
Tenha uma ótima semana.
Beijos de carinho
Elcia Belluci
Neste mundo globalizado da Net, fica tão perto a estrela do Sul, como o estádio da Luz, o do Benfica, donde chegam os sons, que emanam das multidões.
Também desejo boa semana, com beijo.
Daniel
África é parte de mim, por isso passar por aqui é relembrar uma parte minha que me é muito querida
boa semana
Amei cada pedacinho, a escrita envolve-nos, perdemos a percepção da realidade que temos para adquirir a realidade que escreves.
Delicioso.
Beijo em ti*
Obrigada pela partilha.
Olá Carla
Não sabia os fundamentos da guerra. Elaborei um fraco diário, tinha receio da censura! Servio de base, é o dia a dia da caserna e não há ficção. A Todos os dias anotava, mesmo quando andava, fora da base. Ia sempre munido de folhas de papel e caneta de tinta permanente no bolso.
Daniel
Olá Margarete Silva
Agrdeço, pois o desejo de quem gosta de partilhar com palavras, visará sempre o objectivo, inevitávemente.
Quando se dá e recebe, uma doce sensação invade a alma: Não é condição, mas sente-se como compensação
Daniel
Bem...
Estou sem palavras...
Andei por aqui a ler e...
Muitissimos Parabéns!
Voltarei com toda a certeza para ler com toda a atenção que este espaço merece!
Mais uma vez os meus Sinceros Parabéns!
Obrigado por me indicares este caminho
Desejo uma noite serena na Paz dos Anjos
(*)
Enviar um comentário