segunda-feira, 29 de setembro de 2008

POEMA AS CONCHINHAS

AS CONCHINHAS

Ainda não havia chegado a televisão
Jogos e computadores, evidentemente não
Jogava-se a concha, o berlinde, o pião
Improvisado aparecia o jogo da semana
Com oito casas, riscava-se no chão
Os batos feitos de pedaços de caco
Arredondados na cantaria do vão
Jogava-se, para apurar o campeão
Era a vida, a da pequenada, a da ilusão
Para jogos não havia inventos, havia tempos
A professora dizia as fúrias, conforme os ventos
Todos tinham, para jogar, seus instrumentos,
Verdadeiros tesouros de inventos
Escasseavam nos bolsos as conchinhas
A jogar numa nóquinha, como se dizia então
Davam à costa e abundavam na Praia da Consolação
Acabadas as aulas, estava a começar o Verão
Tudo se muniu e a professora lá levou o pelotão
Cada qual apanhava o seu tesouro, o seu quinhão
Tudo mudou, não há conchinhas
Pena, porque estavam ali uns diamantes
A preencher os bornais das ilusões de então
Do jogo das conchinhas poucos se lembrarão
Mas lá está o extenso areal
Qual cosmopolita Copacabana de Portugal
Representando a Praia da Consolação

Daniel Costa

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

LISBOA CAFÉ - 18

NOITES DO RESTELO

Sem se desconcertar e porque não podia estar em descanso, deu início a uma nova tarefa. Teria apenas a duração de um mês.
Foi apresentada e dourada, como de chefia, cargo que podia condizer com o perfil de João Moisés, mas decididamente não, logo não podia ser assumido na plenitude. No entanto a dedicação ao que havia a fazer, em qualquer circunstância, era uma faceta da sua personalidade.
Os tempos eram agora muito difíceis, até porque João Moisés havia subido a um patamar social de certo nível, muito para além do próprio meio, onde agora se movimentava, não obstante as mutações observadas, enquanto procurava nova integração.
No princípio dos anos setenta, constatava-se não haver falta de trabalho indiferenciado, mas sim lacunas de qualificações e evoluções geradas por esta. Várias vezes foi ouvido:
- Não nos serve, queremos alguém sem qualquer qualificação e como hoje os bons lugares estavam reservados a clientelas políticas, cujos dotes estão apenas num cartão de filiado.
No tempo dos afilhados podia só saber pensar, mas eram afilhados!
Porém, uma vivência rica pode ser feita de experiências, mas aconteceu que, no mês quatro de setenta, chegou ao trabalho numa empresa que dava pelo nome de Centro Técnico de Desinfecções.
O cargo era mesmo de chefia, o que dava direito a carro para condução própria de trabalho e recolha de outros empregados, a qualquer hora do dia ou da noite, assim como para transportar os materiais necessários para executar tarefas exteriores.
Não havia qualquer horário de trabalho específico, podia acabar-se um ás quatro da manhã, vinha-se para casa e logo ás onze um telefonema do escritório e… lá estava outro serviço.
A entrada processou-se num dia de chuva miúda, de tal modo que o campo de visão era restrito. O começo iniciou-se com algumas instruções do própria patrão sobre a carrinha “Citroen” que, cabia a João Moisés conduzir.
Deu como resultado, talvez também por falha nos travões, embater num autocarro da Carris estacionado, cujo não sofreu danos, porém a carrinha ficou um pouco amolgada.
O trabalho do dia ficou por aí, mas à noite a casa a chamada: Havia que efectuar a limpeza e desinfecção de todas as instalações de um afamado restaurante de Cascais.
O serviço foi executado de madrugada e até nem correu mal para início. Culminou com uma mesa cheia de boas gambas, para todo o pessoal da desinfestação. Alguns colegas eram alheios ao trabalho, mas fingiram bem, pois tinham sido convocados, por causa do costumado “banquete” e como prémio da empresa prestadora daqueles serviços, a que pertenciam de facto, mas noutro ramo.
A seguir, calhou uma operação interessante, a desinfecção de um grande casarão nas arribas da praia de S. Bernardino, perto de Peniche. Tinha sido mandado construir havia pouco, por uma senhora americana.
Criadagem havia para quase todas as dependências e era bastante visível.
A vagem foi feita no “ Mercedes” do próprio patrão, que comandou o que não seria necessário, mas terá aproveitado para viajar até à vila piscatória de Peniche onde, terminado o trabalho houve o almoço, com a lógica liquidação pela firma.
Contratações, eram diárias, por vezes de dia e à noite, para o caso de restaurantes ou hotéis. Alguns destes eram conhecidos de João Moisés, que ficava com a estranha sensação que se os clientes conhecer as unidades, na acalmia da noite, ficariam enojados de terem feito ali qualquer repasto.
O engraçado é nunca se ter feito a desinfecção em tascas e mesmo assim!... Baratas eram tantas, nem se sabia onde havia espaço para se esconderem da luz do dia, tanta bicharada!...
Certa madrugada, bem de madrugada, depois de um serviço de desinfecção a duo, conduzindo a carrinha, deixou o colega em casa, em Valejas e apanhado a auto-estrada de Cascais, por volta da bifurcação para Benfica, chegou a fraqueza em forma de leve sono, que passou ao lado, mas suscitou susto.
Deu para ficar desperto, até finalmente descansar por quanto tempo?
Não haverá vivências: O homem é que as faz. Decididamente, a ocupação era engraçada, pondo de parte aquilo, a que se achava ser exploração laboral, para posto de observação era óptimo, mas como as ambições estavam noutro lado, por elas continuava a lutar.
Certo dia a convocação chegou, para a limpeza dos insectos de um hotel de Sagres, estadia de três dias no mesmo, para o que se havia de ir preparando. Trabalho de noite, durante o dia descanso, com algumas idas à praia e a observação como a indústria de turismo ia chegando a todo o Algarve.
Estávamos ainda em 1970, deu-se a viagem no “Mercedes”, do patrão, com este a mostrar a excelência duma condução feita num daqueles caros topo de gama e a estadia, mais uma vez era adoptada por este, tanto mais que desta vez era de conta do hotel.
Os dois empregados ficaram instalados nos quartos de dormir destinados a motoristas particulares, eram óptimos.
Para as refeições foi destinada sala própria, sendo o serviço igual ao de todos os funcionários de cozinha. Havia sido destinado um rapaz dos seus quinze anos, a servir tudo o desejado, disse ser destacado e para receber todas as ordens nesse sentido.
João Moisés, já se instalara em diversos hotéis, porém um tão eficaz atendimento de restauração nunca tinha conhecido.
O trabalho só se processava à noite, porque para ser diurno, teria de haver interrupção dos serviços a prestar ali.
Chegou a vez de se fazer uma desinfecção a uma pousada a uma pousada no litoral alentejano, após trabalho nocturno, um serviço e uma experiência também interessante.
Na volta para Lisboa, o almoço processou-se num restaurante de Santiago do Cacém.
Afinal quem comandava, nunca tinha sido João Moisés e o colega, antes da liquidação, informou ser usual mandar fazer factura com uma quantia mais elevada, ficando o suplemento a distribuir pelos comensais intervenientes.
A firma pagava após serem apresentadas contas.
Depois, o que andava a ser equacionado passou-se naturalmente. Não tinha decorrido trinta dias e era apresentada a renúncia. A patroa a comandar a retaguarda, no escritório, mostrou zanga, o patrão mostrou o seu indesmentível bom relacionamento e afirmou:
- Apesar de ver em si, sempre bom funcionário, observando-o e reparei que este tipo de trabalho estava longe das suas aptidões e justas aspirações, razão porque não lhe cheguei a entregar a chefia como o pretendido e para a qual o havia contratado.

Daniel Costa

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

POEMA DIAMANTES

DIAMANTES

Histórias mirabolantes

Estão na literatura que conhecemos

Dos cobiçados diamantes

No fundo são as pedrinhas

Que príncipes oferecem a princesas

Também reis ofertavam a amantes

Tudo jogatinas

Em reinos distantes

Polícias, ladrões, espiões, traficantes

Muitos cifrões

Num mundo de burlões

Parece tudo organizado

Num meio de muitas confusões

Para Diamantino, disseram um dia

Num país em guerra

Tudo o que vês é pedra

Não uma pedra qualquer

Esquece, mesmo que tropeces

Numa mais brilhante

Porque tudo é diamante

Nenhuma vês

Pode estar a espionagem

E faz-te a folha de vez


Visitando um museu

Foi como pisasse o chão, o que comoveu

Mais tarde alguém, Diamantino esclareceu

Gananciosos compravam todas as pedras

Que as guerras sustentavam

Porém uma parte

Sendo de diamante, não tinha quilate

Desfaziam-se por entre dedos num instante

E a guerra continuava incessante

Ninguém percebia, só porque tinham goela

Proibiam-se animais de capoeira

Talvez disfarçando qualquer asneira

Porque havia discriminação

Julgava-se que para a vida inteira

E os diamantes

Reluzentes, os verdadeiros

Embarcavam para mundos inteiros


Daniel Costa

domingo, 21 de setembro de 2008

CURRICULUM - POEMA

CURRICULUM

Para subir na sociedade
Cheguei a perito em anúncios
A própria modéstia constrangia-me
Seria um princípio, a tenra idade?

De facto, continuo sendo modesto
Floresceu da minha condição
Há por outro lado a hipertensão
Esta esvoaçava, soltava-se o gesto

Ficava outro, talvez eu
Empolgava-me, falava
Sem falar de mim, dizia o que convinha
O emprego era meu

Curriculum até tinha
Provei-o sempre
Para continuar a subir
Só entrava noutra linha

Novo, trabalho, novo sucesso
Até que um dia, um convite
Um engano, uma insensatez
Seria progresso?

Sem trabalho não podia
Num suspiro fundo
Uma pequena pausa
Ténue paragem de um dia
Enfim o curriculum até valia

Creio que julgaram mal
Os que vieram depois
Além de curriculum
Não estava ali um pão sem sal

Encarnava a infinita bondade
Podia ter espalhado dúvidas
Fazendo certas revelações
De espantar a máxima autoridade

Não aquele antro clerical
Sem interferências, viria a acabar
O previsível deu-se
A mentira publicitária
Não terá sido o menor mal

Daniel Costa

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

LISBOA CAFÉ - 17

UMA GRÁFICA E O CLERO

Numa empresa, com pretensões a tornar-se moderna tornava-se urgente tomar outros caminhos, mesmo vivendo num regime fascista, cuja propaganda oficial, lhe chamava Estado Novo. Não podia ser dominada por uma sociedade clerical do tempo, como se verificava.
Demais na indústria gráfica, o sector da sociedade, onde maior evolução se notava.
João Moisés observava que ali ao invés do que era corrente, em conversas mesmo que não fossem de trabalho, referia-se o administrador, como o Senhor Director… o Senhor Doutor e por aí fora.
Mundo estranho aquele!...
Bem se pode saber que o edifício ainda era habitação de freiras, eram tratadas por irmãs, uma chefiava a encadernação, outra a loja de paramentos, santinhos, hóstias, secção de pessoal dirigida por um sacerdote, etc.
O Jornal Novidades, que reflectia as tendências do Patriarcado, tinha ali a sua sede e era dirigida das mesmas instalações por um eclesiástico, monsenhor Moreira das Neves.
A revista Flama, do mesmo grupo sedeada ao virar da esquina, na Rua Rodrigues Sampaio, executada também na União Gráfica e dirigida por António Reis, é que parecia querer trilhar caminhos mais modernos, os próprios trabalhadores, onde se contava o desenhador Manuel Vieira que, fora autor o boneco Zip Ziz, do célebre programa de televisão do mesmo nome, a dar mostras de anti religiosidade, mostravam um certo distanciamento, relativamente ao que dissesse respeito à casa mãe.
O mal menor seria a presença de elementos afectos à Opus Dei, mas esses estariam mais virados a inovações, de que uma grande gráfica havia de trilhar por força.
Tal como sempre, pelo menos depois de Gutenberg, o meio gráfico tinha de se posicionar, como a principal alavanca de progresso e elevação da sociedades.
Tentativas feitas para elevar a empresa eram letra morta, à partida estavam marcadas para uma espécie de selo de insucesso, redundavam assim em retrocesso.
Definitivamente, o Patriarcado tinha colocado ali os anti corpos, os pequenos poderes constituídos pelos afilhados, como o eram por exemplo, ex seminaristas.
Grande parte dos clientes vinha do clero o que à época não ajudaria. Recorda-se o pároco da freguesia das Mercês, em Lisboa, o padre Marques Soares que, sendo fervoroso do culto de Santa Teresinha ali implantado, editava e dirigia uma publicação periódica, denominada precisamente Rosas de Santa Teresinha, que mandava executar na empresa da Rua de Santa Marta.
Da mesma constava uma secção de correspondência, normalmente eram cartas vindas do Portugal de Angola, naturalmente de gente colocada em missões. Delas faziam parte relatos de milagres, nascidos de factos tão comezinhos que, podiam mesmo nem ter lugar na categoria de incríveis, porque se baseavam em pequenas incidências diárias.
Só por si, o facto não traria grande admiração a João Moisés, que até já tinha passado por Angola e sabia como seria fácil um envelhecido missionário, isolado dum mundo em desenvolvimento, retroceder no foro intelectual, no entanto as respostas elaboradas pelo pároco das Mercês de Lisboa, constituíam uma coisa incrível, nem poderia haver já qualquer entidade celestial, que não tivesse o poder de perdoar tamanho atraso mental ou retrocesso, mesmo se visto com um olhar místico.
Coisas que não podiam agradar à mentalidade de João Moisés, que achando por muitas razões, não merecer que as divindades o tivessem conduzido àquele mundo, que não reflectia nem de longe o seu tempo.
A alimentação do ego situava-se na procura de futuras soluções, onde os seus conhecimentos deviam esvoaçar com melhor aproveitamento.
Por vezes também chegavam clientes representadas por pessoas causticadas com tanta mesquinhez, que vinham prontas para a dureza, como a Maria João Aguiar, ao serviço do Donas de Casa.
À índole pessoal rebelde, por natureza, acumulavam-se factores de desagrado. Encaminhada para João Moisés, desabafou e acalmou..
Assuntos resolvidos!... Acabou por tornar-se um prazer interagir com alguém do tempo.
Ainda pior chegou depois: Entrou-se na administração de um padre, monsenhor Assis, um homem forte e meio anafado. Estaria ali uma solução para a elevação da empresa?
Decididamente, nem pensar, tinha entrado mais retrocesso, talvez obra de demónio. Já se manifestavam os “reizinhos”, com quem promovia reuniões, no próprio passeio da rua, mesmo em frente da janela do departamento, os desabafos eram uma constante e finalmente estavam a ser recuperados velhos privilégios, com os inerentes poderes pessoais.
Monsenhor Assis tomara um poder principal, o de humilhar os de maior qualificação, com a ideia concebida de despedimentos, naturalmente investia primeiro contra os mais novos do quadro.
Feitas sondagens a respeito, uma irmã diria sem rodeio: não diga que veio ganhar mais de cinco contos?
Era a chefe da loja, ficou deduzido que seria a cifra do seu próprio salário!...
Com alguns vindos do Dafundo, era a ideia de refrescar a empresa, estava uma boa amiga. Abordada, ficara conhecida a apreensão que grassava naquela gente.
Definitivamente a chegada do clérigo, transformado em director, funcionava como a encarnação de um demónio. Coisas estranhas de um velho mundo!
Pouco tempo passou e João Moisés foi chamado ao serviço do pessoal, deu-se o que pensava, no fundo já o esperava!
- Ordem de despedimento!
Foi depois encaminhado a um senhor padre, este começou por dar conselhos, relativos ao despedimento, devia ser o psicólogo da turma!
Como estava a tratar, com quem se considerava da época! Este nada satisfeito pelo seu despedimento, tinha de partir para outra e era só no que pensava, no momento, abortou a abordagem da maneira seguinte:
Por favor, é melhor poupar retóricas, tudo será solucionado!... Jamais desejarei ver clérigos na minha frente, Deus acaba de perder um devoto!...
Nos pagamentos, uma outra freira, o dinheiro em cofre devia ser pouco, a irmão bonita como a apelidavam, era-o e diziam as línguas más, na clandestinidade teria um amante, fazia o seu papel de adiar o procedimento de pagar.
Que nada, se podem fazer despedimentos, logo devem prestar contas!...
- A veemência terá tido o efeito de fazer encolher a contabilista e João Moisés foi satisfeito.
Entretanto, tendo já passado pela grande provação, saiu!...

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A GALENA

O QUE É UMA GALENA?
Muitos não saberão o que foi um aparelho radiofónico, que julgo ter sido pouco utilizado, o qual tomou o nome de GALENA.
Pensando no assunto e porque me coube o privilégio de usar um desses receptores, proporcionando-me um período de rara felicidade, nos meus tempos de juventude.
Tentarei descrever o aparelhómetro.
Verificando vários dicionários e enciclopédias, não encontrei este nome, senão mencionando um metal como sendo um dos mais vulgares dos minerais de chumbo. Por outro lado, fazendo uma recolha, pude verificar serem os cristais de galena usados como detectores na T.S.F.
Depois destas breves pesquisas, conclui que a denominação de GALENA para o citado aparelho emissor de ondas de rádio, vem do metal galena, visto ser um pedaço desse, o principal elemento funcional da citada peça radiofónica.
Nos tempos em que utilizei o tal aparelho, porque foi na década de cinquenta, só a Emissora Nacional possuía capacidade de difusão, para se fazer ouvir com tão rudimentares recursos, que dispensava energia eléctrica. Lembro contudo de ter conhecimento da Rádio Graça, a difundir da Rua da Verónica e dos Emissores Associados de Lisboa. Com certeza haveria outros.
Ainda não existia TV em Portugal e a rádio sendo já uma "senhora", era uma coisa de real sedução.
Por isso a GALENA era uma verdadeira atracção, até pelo gozo que proporcionava, uma vez que era um autêntico "faça você mesmo". Ainda muito miúdo lidava bem com a atraente geringonça!
Primeiro estendia um longo fio desde o cocoruto de uma árvore até uma janela, que havia no sótão. Antes da entrada, três elementos de louça ligados com a ponta do fio, evitavam qualquer contacto entre a parede e o mesmo, daí derivava a ligação para o interior. Depois uma extensão segura a uma pedra enterrada no chão, fazendo a necessária "terra" a completar o exterior. Chegado o Verão, tornava-se necessário regar o chão, afim de ser criada a humidade necessária ao contacto com as ondas de rádio.
Aquilo era de uma simplicidade que, por falta de uma parte dos elementos, começou por funcionar apenas com fios, com ligações aérea e terráquia, a uma ficha cada, uma das quais ligada a um pedacinho de galena, a outra estabelecia o contacto com a Emissora, com a busca de qualquer saliência a dar essa possibilidade. Um auscultador apenas fazia chegar a emissão ao tímpano respectivo, que por sua vez só era audível com aquele elemento pegado mesmo ao ouvido.
Mais tarde chegou o resto do material, que se resumia a quatro tabuinhas, com as quais foi montada uma caixa própria encimada com um pequeno rolo de vidro, onde era introduzido o tal pedaço de galena e uma espécie de monitor, composto por um fio de forma encaracolada. Ficava mais prática, rodando a peça, a forma de entrar no som do posto da Rádio Nacional. A mesma estrutura ficava a constituir o rudimentar rádio, tinha acopladas as respectivas ligações referidas anteriormente.
Evidentemente que hoje, por puro entretenimento, ainda se podia montar um destes sistemas tanto mais que já cheguei a ver apresentado um exemplar num célebre programa de televisão, que dava pelo nome de 1-2-3.
Claro que, para montar o esquema, seria necessário espaço abundante fora de zonas citadinas, porque nestas é reduzido.
No entanto com a vivência dos dias de hoje não se pode pôr algo do género em equação, basta ver que a rádio de há cinco décadas, nem funcionava todo o dia, não havia ainda satélites, para se ter no ar todas as transmissões efectuadas actualmente, por tudo e por nada, em todo o mundo moderno.
Daniel Costa, in JORNAL DA AMADORA

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

POEMA BRASILIMENSO

IMENSO BRASIL

Para avistar o Cruzeiro do Sul
Viajo para lá do Oceano azul
Salto à Praia de Copacabana
Em sonho, vou até à de S. Vicente
Quilómetros além da cidade Paulista
Onde aportou, primeiro Álvares Cabral
O marinheiro, o grande Senhor
Aí começou Vera Cruz
Como o Tozzini escrevia
Radialista, mas não Doutor
Ali teria sido rezada a primeira missa
Mais tarde a exótica madeira
Inspirou o actual nome, outra bandeira
De muitos amigos, vinha a informação
Era tudo, como um enlevo, uma canção
Recortes de jornais, que arquivei, com emoção
Que será feito desses amigos do coração
Os que recebiam e falavam da Franquia
A D. Edna, o Alex Picanso, o Centeno
O Catta Preta, o Barbedo
O Lauro Natali, o Barros
E vários outros, que o Américo Tozzini
Era como se fosse avô, não ficava quedo
Bastantes recortes de jornais
Nos meus arquivos e anais
“Os Cinco Minutos com a Filatelia”
No programa “Pulo do Gato”
Da Rádio Bandeirantes,
Lá estava a inesquecível Franquia
Era o grande Tozzini que fazia
Que será feito desses amigos de um dia?

Daniel Costa

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

LISBOA CAFÉ - 16

RUA DE SANTA MARTA

A dezanove do mês terceiro do ano de setenta, do simbólico e certa maneira marcado, pelo cumprimento dum sonho antigo, sem elevada dose de convencimento, o João Moisés deu entrada ao trabalho de uma grande empresa, instalada em enorme casarão, da artéria de Lisboa, paralela à Avenida da Liberdade, do lado nascente e à direita de quem sobe, a RUA DE Santa Marta.
O nome tina uma certa antiguidade e laborava para todo o Portugal de Aquém e Além - Mar em África, razão porque era invejavelmente popularizado, até porque estava na onda clerical, conhecida em todas as paróquias, o que fazia irradiar um ar de reverência que, se bem verificado, a firma estava a ficar muito desactualizada e fora de caminhos tendentes ao progresso empresarial.
Vejamos: Administrativamente, pretendia chegar a essa modernidade, o que só podia ser alcançado com sangue novo, em toda a linha, o que procurava com Administrador e Director Comercial, mais secção de publicidade, tudo novidade.
Continuavam, contudo os reinados com “reizinhos” e freiras a deter o comando em sectores, onde por atrasados no tempo, ou por puro boicote a novas directivas ultrapassavam-nas, ao serviço de interesses mesquinhos e pessoais, de há muito instalados, fazendo ruir toda e qualquer ordem de progresso, inerentes a uma empresa de vanguarda como pretendia ser e o que anunciava na insistente publicidade.
Assim inexoravelmente, com a inovação a chegar, o colosso empresarial afundava-se mais, com os custos das então novas tecnologias a tornarem a viabilidade enganosa, como o eram as campanhas de publicidade que, em conjunto iam tendo lugar.
Logo no dia de apresentação, João Moisés imediatamente observou o logro em que tinha caído, pois aceitara um insistente convite.
Não tinha de se arrepender, ponderar apenas!
Tinha tomado a opção errada ao aceitar o convite de pessoas, que conheciam bem as boas condições em que trabalhava e não obstante!...
Decididamente, a União Gráfica não poderia oferecer o que tentava preparar em vão.
De um moderno gabinete, saltara para uma espécie de vão de escada, da cadeira rotativa passara a trabalhar de pé, de poder visionar qualquer obra ao vivo, em qualquer fase de execução no próprio local, por onde tivesse de passar, tinha de se limitar a ser informado por um telefone interno.
Simplesmente, era-lhe vedado o trabalho oficinal, o que dificultava o acompanhamento, tal como conviria aos executantes e era sabida a habilidade para sonegar as informações necessárias, a fornecer aos clientes, afinal o motor da existência da fábrica, para quem nem havia respeito.
Com estruturas estabelecidas em velhas rotinas, o boicote era a condição oficinal numa sociedade onde a reivindicação era proibida e que só o estatismo podia ser notado, como poder de força invisível.
Pois bem!...
O caminho tinha sido tomado, serviria de asas para novos voos!...
- Imediatamente, se iniciaram medidas para novo salto. A força de vontade, o poder negocial, algum talento e até a juventude ajudariam!...
- Em vão, os dias passavam, verificava-se que os tempos eram outros. A integração fez-se, como se tudo se apresentasse correcto. Houve depois também a previsível melhoria de instalações, embora sempre deficientes e o interesse em conhecer mais, aquele estranho mundo gráfico, acentuou-se com o desejo de crescente preparação.
Agora, já havia instalações, de certo modo, dignas para receber e atender clientes, logo na entrada do edifício e enquanto seguia a procura de um novo rumo, efectuava-se a adaptação.
Aquele era mesmo um espaço diferente, os clientes diferentes, não se repetiam, mas no fundo gostavam do bom acolhimento, tal como fora sempre aprendido pelo João Moisés, pareciam agradados!...
Podiam detectar-se duas espécies de trabalhadores, os mais antigos a procurar a situação de ruptura, face à tentativa de modernização, eram os coitados!
E outros, que se mostravam agradados de ver gente a indiciar nova era.
Verificava-se algum rejuvenescimento, havia já um interessante “lobie” constituído por elementos vindos do Dafundo, a abarcar diversos sectores, que procurava fazer evolucionar o sistema.
Entretanto, começava o serviço de relações públicas a trazer alguma satisfação e interesse, e recordavam a João Moisés, o modo como gostava de ver o universo do trabalho gráfico.
Bastantes obras estavam a passar pelo departamento, inclusivamente algumas de carácter menos ortodoxo, religiosamente falando e olhado a Senhora Dona Censura, já que a gráfica era de pertença e inspiração católica e ali evolucionava, em missão de trabalho, um alto censor de nomeação estatal, para questões da Fé.
Trazer impressa, o que era de lei, a origem da União Gráfica seria a garantia perante o público, que podia descansar por não cometer algum sacrilégio, mergulhando em leituras menos comuns.
Acompanhando variados trabalhos, é grata a recordação de um livro editado pela Câmara Municipal de Sesimbra, com o planeamento da edição a cargo do seu autor, Rafael Monteiro.
O livro ficou com a designação: “A VERDADE Sobre os Limites dos Concelhos de SESIMBRA, ALMADA E SEIXAL”. Rafael Monteiro seria um funcionário, assim a modos, que avulso… fazia muitas coisas, apresentava-se modesto por natureza e sem pretensões qual asceta culto. Seria remunerado à tarefa.
Dedicava-se muito à investigação arqueológica, levando a cabo várias escavações em sítios, como o do Mosteiro da Arrábida.
Era também muito interessado no estudo do esoterismo.
Tornou-se um bom amigo, confiante em quem, internamente, acompanhava a execução da obra, João Moisés.
Já este tinha sido obrigado a deixar a União Gráfica e… finalmente, o livro saiu!...

- Dedicatória:
- O livro “esperado” e gralhado… Agradece a colaboração “Técnica”, lamentando que não fosse até final”
(Assinatura – Rafael Monteiro)

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

PENSAMENTO AMAR

PENSAMENTO

Se vires uma pessoa amar o mundo, terá capacidade de amar um só humano!...

Daniel Costa

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

POEMA VINDIMA

VINDIMA

Moita dos Ferreiros
Certa noite atravessei, numa Caminhada
Dirigia-me a uma vindimada
No Casal Torneiro
Ali perto do Bombarral
Mantimentos iam no bornal
O patrão Chico Bento
Encarregara de arranjar grupo
Ao Américo do Casal
Quinze dias, o desterro
Que soou a liberdade celestial
Dormir na palha era banal
Sustento, batatas cozidas
Chicharro seco e Sardinhada
Sardinha prateada, como se fora para banquete
Aparecia na madrugada
Consistia, em cortar uva, a jornada
De formosa ramada
Cada cesto de pau, quando cheio
Encosta acima a despejar na tina
Para o lagar era transportada
Dezasseis anos e da vida sabia nada
Ouvia historietas, ao som de sorrisos
Fixei uma bastante engraçada
Caso de infidelidade
Dizia o homem:
Vi, foi mesmo de pé, mulher danada
Retorquia esta:
Não gostaste de estar na taberna encantada?
Cesto vazio, cesto cheio
Encosta acima
Vindima terminada
Vinte e dois mil e quinhentos por jornada
O rapaz, se também merecia, os levava
A terminar, uma ceia de adiafa
Para a festa bacalhau, alto como nunca vi
Mais as batatas, grande tachada!
Na própria adega
Na goela, o forte tinto carrascão refrescava
Depois do adeus e da última dormida
O grupo, pelas mesmas vias, encetou a abalada.

Daniel Costa

sábado, 6 de setembro de 2008

LISBOA CAFÉ - 15

BERTRAND – IMPRIMARTE

A grande empresa gráfica do Dafundo, estava a entrar em processo de reorganização, com um administrador brasileiro e um Director comercial cubano, vindos do país irmãos, para vender a mesma, o que se tornava notório.
Assistia-se ao impensável, pelo menos no que tocava à impressão de livro, o editor que tinha aceite um orçamento para uma unidade, recebia um emissário do sector de vendas, com proposta para a transformar para quatro unidades Como ficaria mais em conta e depois de muito instado aceitava.
Ao tratar da obra nos CONTACTOS, comentava o efeito de que não percebera os fins, tanto mais que, teria argumentado o não ter ainda novo original para outra edição. Acontecia isso frequentemente, o editor mostrar ali a estranheza.
Já se vê que o emissário de vendas também era beneficiado, com as comissões a chegarem no mês seguinte, bastava o orçamento ter sido aceite, nem que a obra não viesse a conhecer efectivação, o que seria natural acontecer.
Que se conhecesse, um editor falido aproveitou e mandou imprimir quatro livros, nunca terá liquidado, porque entretanto teve de acabar de vez, a actividade, mas o homem de vendas tinha recebido a compensação.
Tratava-se de operação fraudulenta, destinada a enfatizar a carteira de obras, a ser exibida às empresas interessadas a entrar no negócio.
Num Domingo, realizou-se um almoço de confraternização num afamado restaurante da periferia de Sintra, só destinado a gente em exercício de chefias ou equivalente, até porque a bandeirada era elevada para a época, o relevante custo de 40$00.
Comparecerem os detentores dos mais elevados cargos, alguns vindos do Brasil em regime de comissão de serviço e partiu desses a verdadeira loucura em que terminou o almoço, com um jarrão de vinho a passar por todos, de mão em mão, com um acima abaixo e bebe.
Resultou em vários pró embriagamentos, o tecto decorado com várias réstias de cebolas e outros produtos imperecíveis, esvaziou-se, com as orgias que se seguiram.
Na Segunda-Feira seguinte uma mulher secretária de quem pagou, foi de secção em secção, apresentar a conto suplementar, a quantia de mais 20$00, o valor de um bom almoço na época.
No fim do ano, na secção de encadernação, houve festa geral com garrafas de champanhe e bolos. O discurso fácil do administrador brasileiro, não se fez esperar visando os muitos que se iam demitindo, para formar uma empresa concorrente, enquanto pintava de cores negras, a gerência que se formava.
Gerara-se nova fraude, tentava-se o funcionamento de relações públicas internas, para que não se desse a insinuações que sendo certas, eram contrárias aos objectivos traçados.
Agora os CONTACTOS deixaram de ser, como que uma pequena empresa a actuar dentro de uma grande e ficara reduzida a dois elementos, acoplados à Secção de Programação. Os outros elementos, sem conhecerem ainda uma previsível situação de despedimento, eram transferidos para tarefas bonitas, mas a que já se apelidava de prateleira.
Deixaram de lhe atribuir o característico dinamismo com que se distinguia, que era o de representar internamente, os interesses dos clientes, afinal o que, comercialmente motivava o objectivo a fábrica.
Mesmo assim, a desenhadora e maquetista do projecto, pretendia desviar a feitura de um livro, encomendado por um departamento estatal. Funcionara, decerto o aceno de uma melhor comissão para o desvio!
Com as muitas vicissitudes, o atraso era evidente, tendo em conta o que constava do próprio orçamento de contrato, porém a feitura da obra chegara à encadernação, o mesmo que dizer, à fase de acabamento.
João Moisés, acumulara o acompanhamento dos trabalhos do sector estatal e fora convocado para uma magna reunião, a propósito, no respectivo departamento, incluía maquetista, representante da empresa gráfica e o próprio Secretário de Estado.
Cabia ao acompanhante interno da obra, fazer-se representante da empresa. Aconteceu assim e com oportunidade, começou de imediato a tratar do melindroso assunto. Dirigiu-se ao chefe da encadernação e com o habitual, mesmo necessário, poder de relações públicas e pondo-o ao corrente da situação, obteve deste a garantia de lhe ser proporcionada a execução completa de um livro, para apresentação.
Mesa redonda e eis que aparece o único livro executado, o bastante para o Senhor Secretário de Estado de Estado a presidir, desse por finda a reunião, visto estar concluída a obra.
A maquetista teve a resposta devida e nem queria acreditar, exibindo sempre o seu olhar trocista, desconfiado e de soslaio. Devia contar haver pessoas que levavam muito a sério os seus deveres, em todas as circunstâncias, como aconteceu.
Desta vez não lhe valeram os trunfos de mulher nova, matadora e espampanante, numa floresta de machos latinos.
- Perdeu!...
Agora tinha acabado a Bertrand & Irmãos, do grupo brasileiro Celsa, que já a havia transaccionado com a americana ITT.
Dera lugar à Imprimarte, ficara com o mesmo nome e ficou na mesma direcção das Páginas Amarelas, as listas telefónicas que já executava,
Já não se verificavam as mesmas condições de trabalho, tudo mudara!
João Moisés, vendo a publicidade, que no caso se tornava enganosa, aceitou um convite, também eivado dos enganos e das deslealdades do mudo.
Demitiu-se, indo para essa empresa concorrente, antes que chegasse a hora da previsível ordem de despedimento.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

LISBOA CAFÉ - 15

BERTRAND – IMPRIMARTE

A grande empresa gráfica do Dafundo, estava a entrar em processo de reorganização, com um administrador brasileiro e um Director comercial cubano, vindos do país irmãos, para vender a mesma, o que se tornava notório.
Assistia-se ao impensável, pelo menos no que tocava à impressão de livro, o editor que tinha aceite um orçamento para uma unidade, recebia um emissário do sector de vendas, com proposta para a transformar para quatro unidades Como ficaria mais em conta e depois de muito instado aceitava.
Ao tratar da obra nos CONTACTOS, comentava o efeito de que não percebera os fins, tanto mais que, teria argumentado o não ter ainda novo original para outra edição. Acontecia isso frequentemente, o editor mostrar ali a estranheza.
Já se vê que o emissário de vendas também era beneficiado, com as comissões a chegarem no mês seguinte, bastava o orçamento ter sido aceite, nem que a obra não viesse a conhecer efectivação, o que seria natural acontecer.
Que se conhecesse, um editor falido aproveitou e mandou imprimir quatro livros, nunca terá liquidado, porque entretanto teve de acabar de vez, a actividade, mas o homem de vendas tinha recebido a compensação.
Tratava-se de operação fraudulenta, destinada a enfatizar a carteira de obras, a ser exibida às empresas interessadas a entrar no negócio.
Num Domingo, realizou-se um almoço de confraternização num afamado restaurante da periferia de Sintra, só destinado a gente em exercício de chefias ou equivalente, até porque a bandeirada era elevada para a época, o relevante custo de 40$00.
Comparecerem os detentores dos mais elevados cargos, alguns vindos do Brasil em regime de comissão de serviço e partiu desses a verdadeira loucura em que terminou o almoço, com um jarrão de vinho a passar por todos, de mão em mão, com um acima abaixo e bebe.
Resultou em vários pró embriagamentos, o tecto decorado com várias réstias de cebolas e outros produtos imperecíveis, esvaziou-se, com as orgias que se seguiram.
Na Segunda-Feira seguinte uma mulher secretária de quem pagou, foi de secção em secção, apresentar a conto suplementar, a quantia de mais 20$00, o valor de um bom almoço na época.
No fim do ano, na secção de encadernação, houve festa geral com garrafas de champanhe e bolos. O discurso fácil do administrador brasileiro, não se fez esperar visando os muitos que se iam demitindo, para formar uma empresa concorrente, enquanto pintava de cores negras, a gerência que se formava.
Gerara-se nova fraude, tentava-se o funcionamento de relações públicas internas, para que não se desse a insinuações que sendo certas, eram contrárias aos objectivos traçados.
Agora os CONTACTOS deixaram de ser, como que uma pequena empresa a actuar dentro de uma grande e ficara reduzida a dois elementos, acoplados à Secção de Programação. Os outros elementos, sem conhecerem ainda uma previsível situação de despedimento, eram transferidos para tarefas bonitas, mas a que já se apelidava de prateleira.
Deixaram de lhe atribuir o característico dinamismo com que se distinguia, que era o de representar internamente, os interesses dos clientes, afinal o que, comercialmente motivava o objectivo a fábrica.
Mesmo assim, a desenhadora e maquetista do projecto, pretendia desviar a feitura de um livro, encomendado por um departamento estatal. Funcionara, decerto o aceno de uma melhor comissão para o desvio!
Com as muitas vicissitudes, o atraso era evidente, tendo em conta o que constava do próprio orçamento de contrato, porém a feitura da obra chegara à encadernação, o mesmo que dizer, à fase de acabamento.
João Moisés, acumulara o acompanhamento dos trabalhos do sector estatal e fora convocado para uma magna reunião, a propósito, no respectivo departamento, incluía maquetista, representante da empresa gráfica e o próprio Secretário de Estado.
Cabia ao acompanhante interno da obra, fazer-se representante da empresa. Aconteceu assim e com oportunidade, começou de imediato a tratar do melindroso assunto. Dirigiu-se ao chefe da encadernação e com o habitual, mesmo necessário, poder de relações públicas e pondo-o ao corrente da situação, obteve deste a garantia de lhe ser proporcionada a execução completa de um livro, para apresentação.
Mesa redonda e eis que aparece o único livro executado, o bastante para o Senhor Secretário de Estado de Estado a presidir, desse por finda a reunião, visto estar concluída a obra.
A maquetista teve a resposta devida e nem queria acreditar, exibindo sempre o seu olhar trocista, desconfiado e de soslaio. Devia contar haver pessoas que levavam muito a sério os seus deveres, em todas as circunstâncias, como aconteceu.
Desta vez não lhe valeram os trunfos de mulher nova, matadora e espampanante, numa floresta de machos latinos.
- Perdeu!...
Agora tinha acabado a Bertrand & Irmãos, do grupo brasileiro Celsa, que já a havia transaccionado com a americana ITT.
Dera lugar à Imprimarte, ficara com o mesmo nome e ficou na mesma direcção das Páginas Amarelas, as listas telefónicas que já executava,
Já não se verificavam as mesmas condições de trabalho, tudo mudara!
João Moisés, vendo a publicidade, que no caso se tornava enganosa, aceitou um convite, também eivado dos enganos e das deslealdades do mudo.
Demitiu-se, indo para essa empresa concorrente, antes que chegasse a hora da previsível ordem de despedimento.

Daniel Costa – in JORNAL DA AMADORA

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

ANEDOTA DA BUFARDA

ANEDOTA
O Senhor Francisco era ateu, porém a esposa era muito católica. Um dia, na época pascal, como bom bebedor e já com um grão na asa, resolve ir fazer a confissão de desobriga da Páscoa!
Mostrou nada saber de praxes religiosas!
Pergunta do confessor: sabe ao menos quem è Deus?
Sei Senhor padre, Deus sou eu, sem dúvida!...
Como assim? Indagou aquele.
É que a minha Crestena, todos os dias ao deitar, reza e diz assim:
- Com Deus me deito e com Ele me levanto.
Ora - ela deita-se sempre comigo!...

Recolhida nos anos cinquenta, na Bufarda – Peniche, do próprio contador e autor.
Crestena era como o senhor Francisco pronunciava o nome da mulher Cristina.
Recolha e daptação: Daniel Costa

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

POEMA PRESSA DE VVER

PRESSA DE VIVER

Tenho pressa de viver
A um oitavo de década
Na segunda encarnação
Da primeira, nada arrepende
Recuperei a pressa de viver
Pois então!
Que hei-de fazer?
Se tenho pressa de viver?
Reparo que ainda estão
A fazer labiríntica gestão
Não acabaram os “boys”
Pois então
A segunda encarnação
Será mais curta
Porque tem de ser
Tenho pressa de viver
Traduz empurrar
O natural acto de morrer
Naturalmente é fazer jus
Ao ditado que diz:
“Deitar cedo e cedo erguer
Dá saúde e faz crescer”
Ou seja alargar o tempo
Nesta encarnação também uso
Tenho pressa de viver
Não ao desuso
Quem vai, com desejo de morrer
Deixo passar, quero viver
Abrir as mãos e dizer
Deixem-me, estou a fazer!
Tenho pressa de viver
Quero recordar
Os meus três anitos
Da tia que então feneceu
Da miúda, que de mãozinha dada
A subir a Rua me acompanhava
Recordo o desgosto
Porque logo morreu
Sempre com pressa de viver
Fiquei eu!...

Daniel Costa